A ala Adriana Santos é a única remanescente da seleção campeã do mundo em 1994 que permanece em atividade no Brasil. Aos 38 anos, atua na Unimed/Americana, treinada pela ex-companheira Branca.
Sempre acompanhei a carreira de Adriana com atenção. Talvez a admiração venha de uma característica que a própria jogadora descreve na entrevista e é grande responsável pela sua ascensão no basquete: a capacidade de entrega.
Nesses muitos anos, a disposição e o profissionalismo de Adriana foram sempre exaltados por onde quer que ela andasse (clubes e seleções brasileiras, Espanha, França...) e muitas vezes acabaram por camuflar algumas de suas deficiências técnicas, como a pouca inspiração defensiva _que ela confessa no papo.
Da menina de 21 anos que era armadora titular do super-time do Leite Moça Sorocaba (de Hortência, Janeth, Marta, Cathy Boswell, Ana Motta, Vânia, Vanira e Lioudmilla Nazarenko), à fantástica sexta jogadora da Cesp/Unimep/Piracicaba (de Paula, Branca, Cathy Boswell, Jack Nero e Marta), à dupla com Janeth em Santo André chegando à bela atuação nas quartas-de-final contra Rússia, nas Olimpíadas de Sydney, a carreira de Adriana é rica em momentos intensos.
Na entrevista abaixo, a jogadora relembra alguns desses momentos, fala de uma aposentadoria em que nem o próprio marido acredita e de “animados” jogos de cartas com Hortência na madrugada de Launceston.
Dri, a temporada paulista foi encerrada recentemente, com o seu time ficando na segunda colocação. Que avaliação você faz da participação no torneio? A impressão era que o time engrenasse na fase final, depois de um bom returno, mas acabou não jogando bem nas semifinais e finais. O que aconteceu? Há explicação para a queda de produção?
Acho que a equipe fez um bom turno e returno. Ainda mais considerando que estávamos em fase de adaptação, com a chegada de novas jogadoras. Mas infelizmente a partir da semifinal, não jogamos bem. Não houve um jogo onde a equipe jogasse bem, apenas destaques individuais isolados.
É difícil explicar essa queda de produção. Ainda mais porque perdemos a final por 3 a 0 para Ourinhos. Elas foram melhores e mereceram o título.
Você atuou ao lado da Branca em clubes e na seleção. Como foi reencontrá-la e passar a ser treinada por ela? Foi estranho no começo? Que avaliação você faz do trabalho dela, já que você própria fez um curso na área, quando estava na França?
Realmente conheci a Branca como jogadora. Ganhamos alguns títulos juntas, inclusive a medalha de prata em Atlanta (1996). Ela era uma armadora de personalidade forte e fazia a equipe jogar bem.
Confesso que quando ela chegou em Americana, fiquei surpresa, porque não sabia que ela seria a técnica. Mas a adaptação foi a melhor possível.
Sempre que me proponho a fazer algo, quero dar o melhor de mim, procurando respeitar a todos.
Cada técnico tem seu modo de trabalhar e, na minha opinião, quando existe respeito e dedicação, não pode dar errado.
Com certeza quando eu for técnica, também terei meus princípios e minha maneira de comandar. Na França, trabalhei com adolescentes em um centro de formação de atletas e foi muito proveitoso.
Você tem contrato com Americana para o próximo Nacional. Você pensa em encerrar a carreira após? Se sim, a intenção é ficar no Brasil ou voltar para a França? E em que pé está o projeto de formação que você idealizava?
Olha, Bert, a cada início de campeonato eu falo para o meu marido: “Esse será o último!”. Ele dá risada e fala que não acredita mais. Então vamos deixar quieto... [Risos].
Devo ficar no Brasil enquanto minha filha Luiza não estiver sendo alfabetizada, porque prefiro que ela estude lá na França. Vamos ver... Ela fez dois aninhos, tenho tempo!
Quanto ao meu projeto de formação, ainda tenho esperança que saia. Sigo tentando.
Comentei aqui no blog sobre as alterações no seu jogo. Muitas vezes percebi você “preocupada em fazer o time jogar” e não em obrigatoriamente em definir, como antigamente. Esse foi um recurso que você passou a focar mais recentemente? Uma conseqüência da “maturidade”? Pois só me lembrava de você como armadora em Sorocaba...
Isso é verdade. Mas ainda tenho mesmas características de antes. Continuo chutando mais de três pontos do que de dois. E sempre gostei de dar assistências. A defesa nunca foi meu forte, mas como tenho braços longos, sempre acabo roubando umas bolinhas.
Mas agora não penso somente em fazer pontos. Acho que tenho muito mais que isso a passar para as mais novas. Tenho que ter equilíbrio emocional, estar sempre à disposição para ajudá-las.
É preciso aceitar que eu já não tenho vinte anos e que essa transição é normal. Mas tenho que ser inteligente para lidar com ela.
Realmente joguei sim de armadora na época do Leite Moça. E, até hoje, quando é preciso, não me importo: vou e faço! Foi uma experiência muito legal na época, porque de um lado eu tinha a Hortência e, de outro a Janeth. Aí ficava fácil né? [Risos]
Você passou boa parte da carreira no exterior (Espanha e França). Sabemos das diferenças de condições de trabalho entre lá e aqui. Mas eu queria que você desse sugestões do que precisa mudar mais urgentemente nos campeonatos aqui. E ainda fizesse um balanço da nossa involução desde que você deixou o Brasil pela primeira vez (Santo André, 2001), quando retornou à sua cidade natal São Bernardo (Paulista 2006) e agora em Americana.
Bom, eu acho que sugestões são sempre bem vindas. Mas creio que agora estamos no caminho certo, pois contamos com pessoas competentes para comandar o carro chefe, que é a CBB.
Todos nós sabemos que muita coisa deve ser mudada, mas o primeiro passo está sendo dado.
Na França e na Espanha, há muitas ex-jogadoras trabalhando na confederação do seu país ou nos próprios clubes. Acho muito importante contar com gente que já vivenciou o basquete de dentro da quadra.
Agora fazer um campeonato na correria não dá, né? Essa maratona de jogos é complicada para o físico das atletas.
Quando eu saí do Brasil em 2001 e voltei cinco anos depois, infelizmente nada havia mudado. Os campeonatos continuavam com poucos times, sem público, os clubes sem verbas se formando e fechando as portas no final do campeonato.
Quando voltei novamente em 2008, tive a sorte de estar numa equipe que nós dá toda a estrutura que é necessária para se praticar o basquete. Mas sei que existem outras que se viram como podem para poder participar dos campeonatos. Espero que nesse segundo semestre, as coisas possam mudar para melhor. Nosso esporte e nossas jogadoras merecem isso.
Você tem uma trajetória profissional respeitadíssima por todos os clubes que passou, e também na seleção, onde você chegou a atuar com a Iziane. Então, é impossível não te perguntar isso. Como você vê toda essa polêmica em relação a ela? Qual a sua opinião sobre a melhor conduta para o caso?
Quanto ao caso Iziane, que agora _creio eu_ já foi solucionado, penso que ela foi infeliz na atitude tomada naquele jogo. É inadmissível se recusar a entrar em quadra.
A Iziane é uma menina doce. Quando jogava em Montpellier, ela fez uma temporada no Aix e tive a oportunidade de conhecê-la melhor, porque as cidades ficavam a 50 minutos de distância.
Eu acho que a atitude da Hortência foi correta. Ela a convocou, porque todo mundo tem direito de errar e se redimir. Mas como isso não aconteceu, agora acho que é caso encerrado, e acredito que o ciclo dela na seleção também.
Já chegamos a nos falar em junho passado sobre as lembranças da conquista do Mundial, que completava 15 anos, e você me confidenciou que não se lembrava mais de muita coisa. (risos). E aí? Já se lembrou de alguma coisa, passagem de bastidores ou de jogo mesmo que você possa nos contar? Ou o momento mais especial da trajetória, na sua opinião?
Olha: a véia aqui ta com a memória curta! [Risos]. Mas me lembro de dois fatos curiosos dos bastidores.
A minha companheira de quarto era a Hortência. Na primeira fase, em Lauceston, tivemos uma derrota. Acho que foi para a Eslováquia. Nesse dia, a Hortência ficou muito nervosa, agitada e não conseguia dormir. Aí a mané aqui tinha que ficar acordada também, jogando baralho com ela até eu cair de sono em cima das cartas. [Risos].
Não me esqueci também que havia uma orientação da organização do campeonato para que as seleções jogassem com tênis da mesma cor. Como a maioria de nós tinha tênis brancos, o Zé Pedro e o Valdir Pagan dediram pintar os tênis de preto. Sei lá com que tinta... O resultado foi que quando entramos em quadra e olhamos para os pés das adversárias, cada uma estava com um tênis de cor diferente. Pelo menos, fomos disciplinadas [Gargalhadas].
Para encerrar, um “túnel do tempo” com Adriana Santos: