terça-feira, 6 de abril de 2004

Branca, a Técnica

Não por acaso Maria Angélica Gonçalves da Silva é a recordista de entrevistas no site. Branca é daquelas entrevistadas que mesmo após uma extensa e minunciosa entrevista, parece ter sempre algo mais a dizer. E diz sem rodeios. Críticas ou elogios são distribuídos com a mesma facilidade (e sinceridade).

A ontem jogadora, depois comentarista estréia nesta temporada na função de técnica.

E é esse o principal assunto da entrevista exclusiva ao Blog do Basquete Feminino.

Confira.

Branca


1. Já há algum tempo, você não escondia o desejo de ter uma chance de treinar uma equipe de basquete feminino. Depois de projetos frustrados com o São Paulo Futebol Clube e em Avaré, como surgiu o convite para participar da comissão técnica em Ourinhos?

Estive em Ourinhos em 16 de outubro, para assistir o jogo contra Guarulhos e passaria a semana lá de 17 a 21, passeando e assistindo aos treinos do Vendramini. Na segunda-feira estava no ginásio, porém o treino não seria realizado por causa do jogo de domingo. Seria folga das atletas. Encontrei nesta data o Vendra, que atendeu duas moças da imprensa local e veio conversar comigo. Nesta conversa, ele fez a proposta de dar treinos aos seus pivôs durante toda semana e eu prontamente topei.

Dia 30/10, fui assistir Santo André x Ourinhos e o Vendra disse que gostaria de falar comigo. Esta fala foi o convite de estar auxiliando-o nos treinos para as semifinais e finais do Campeonato Brasileiro.

Fiquei radiante!


2. Como foi a recepção das atletas a sua chegada?

Tranqüila; porque havia passado uma semana com o grupo e indiretamente conhecia todas.

3. Que funções o técnico Antônio Carlos Vendraminni delegou a você como assistente?

Sou café pequeno perto do Vendra. Inicialmente parecia uma animadora de treinos (risos). Aos poucos fui me aproximando das orientações técnicas e táticas, ajudava nas orientações básicas de defesa e ataque, pernas, braços, enfim conhecendo o terreno.

Observava e participava das iniciativas, da planificação dos treinos, assistimos aos jogos transmitidos pela TV e compilávamos tudo, incluindo informações da Internet.

Aos poucos, fui entrando, sem nenhum constrangimento, em suas atividades e as coisas foram naturais. Dava toques e esta cumplicidade entre técnico e assistente se faz com anos, aliás, muitos anos de convivência. Sorte que havia sido telespectadora do Vendra em Osvaldo Cruz como jogador, atleta dele em Sorocaba e na seleção; e tudo foi mais fácil.

Com certeza absoluta poderia ter ajudado mais o Vendra se tivesse mais tempo com a equipe, mas aprendi o gosto amargo de como o técnico se frustra com a perda de um título.

Aliás, o Vendra passou o tempo todo me perguntando o que era mais fácil e quando acabou consegui responder: Jogar é claro!


4. Você sentiu algum constrangimento em comandar atletas com as quais você já havia atuado, como a Janeth e a Silvinha, por exemplo?

Em absoluto, são jogadoras tranqüilas. Aliás, agradeço em especial a Janeth que foi a grande líder no diálogo entre a diretoria de Ourinhos e o Vendra para me levarem.


5. Alguns meses depois, como você explica a derrota de Ourinhos para Americana na final do campeonato nacional?

Explico sim! A equipe de Ourinhos não mereceu! Quem merecia era a cidade, o povo de Ourinhos, algumas atletas... "Algumas", fingiram ser "profissionais".

Mas tudo tem os dois lados, determinadas coisas foram interessantes, assim como: primeiro o árbitro Sérgio Pacheco apitar 2 jogos da final: 1º e 4º jogo (os dois em Americana), lembro você que o mesmo já fazia 4 anos que não apitava um jogo da ala Janeth, porque ele move uma ação contra a atleta. Não sei se ele desistiu...

Depois, o popular Manteiga, membro da CBB, disse membro e não delegado da CBB, chamando o árbitro da partida no jogo 4 faltando 50 segundos e falando algo em sua orelha, ou melhor, em seus ouvidos...

E enfim, nossa, muitas emoções.

Mais valeu, afinal não são os títulos que dignificam os homens. Não devemos chorar o leite derramado e sim evitar que o mesmo não caia novamente.


6. Terminada essa etapa em Ourinhos, você foi chamada pela Unimep de Piracicaba, para continuar o projeto que já havia se iniciado no ano passado.
Quando o convite foi oficializado?


No dia 29 de outubro, fui chamada para conversar com a diretoria da Associação Desportiva e prontamente aceitei. Eles então resolveriam todas as pendências: dispensa do treinador Marcos Pelegrino, nomes de atletas, peneiras, atividades e objetivos para que eu pudesse assumir em 2004.

7. Por um período, você foi a (elogiada) comentarista de basquete feminino na ESPN Brasil. Teme que agora que você assuma a condição de técnica passe a receber muitas críticas?

Nunca temi nada. Vou agradecer, porque as críticas servem para as reflexões e não para ficar revoltada como muitos pensam que sou.
Críticas devem servir de impulso para que a gente consiga melhorar enquanto seres.

Sou e sempre serei contra a hipocrisia, falsidade e contra os que falam por trás. Sou muito sincera e isso me faz uma pessoa impulsiva. Ser política também é importante neste universo, preciso aprender e isso vai me custar muitas dores de estômago.

Segundo Dona Ilda, minha Mãe: "arrotar moral é uma coisa, e ter moral é outra bem diferente".

De nada temo, porque amo o que escolhi para a minha vida e futuro. Nunca levei e nem levarei o dinheiro à frente das minhas ações.


8. Como tem sido trabalhar em família na Unimep, com a mãe Ilda e o cunhado Remunhão? Eles dão muitos palpites? E a irmã Paula, o que acha desse novo desafio?

Super tranqüilo. Cada macaco no seu galho. O dia que o Luiz Remunhão e a Dona Ilda falarem da parte técnica e tática, embora tenham propriedade, e a Branca palpitar nas ações da direção, no administrativo, pode parar!

Nunca quis e nem quero saber quanto ganha uma atleta. Quero que ela esteja bem para as atividades. Os demais problemas, o diretor e a diretoria devem resolver, assim como na quadra, eu juntamente com a comissão técnica devo resolver.

Nossas dificuldades serão superadas e quem acreditar na gente hoje não vai se arrepender.

9. Quem é um exemplo para você na condição de técnico de basquete?

Atualmente, no feminino, o Borracha.

No feminino tem gente me decepcionando cada dia que passa, pelas ações, cometendo os mesmos enganos de 20 anos atrás. O poder tá deixando neguinho deslumbrado.

Se alguém pegar minhas entrevistas pode dizer: "mas a Branca muda demais de opinião". Explico o porquê. Mudar é sempre importante. E cada dia que passa, vejo coisas que me enojam e isso não aceito e nem nunca aceitarei.

Técnicos berrando na beira da quadra para a (o) garota (o) "correr", "sair de pressão", "vai sua burra" ("seu burro")... Meu Pai!

Que ensine e berre nos treinos; não no jogo. E os educadores onde estão?


10. Felizmente, o projeto de vocês não é de apenas mais um time de aluguel e inclui investimentos no trabalho social e de categorias de base. Fale um pouco sobre isso.

O projeto é algo que deu certo em Piracicaba na década de 80, por isso nada será diferente. O que é bom deve ser repetido. O problema é que na década de 80, os poderes públicos não estavam tão cheios de problemas como hoje. Isso é um outro obstáculo que teremos que superar.

11. Gostaria que você falasse ainda do apoio que o Secretário de Esportes do Estado de São Paulo Lars Grael vem dando ao projeto.



Estivemos com o Sr. Lars Grael no dia 03/02/2004 e ele como sempre foi uma pessoa maravilhosa. Prontamente aceitou a idéia, ficou com o projeto em mãos. Lá estão os oito pontos estratégicos na cidade para desenvolvermos núcleos de Basquete e ele disse que vai nos ajudar. Estamos no aguardo e vamos continuar trabalhando. Só por isso, pelo Sr. Lars Grael acredito que a promessa será cumprida.

12. Como é reencontrar a ex-companheira Fofão [a ex-jogadora Ana Cristina Cristofoletti, agora como sua assistente?

Ana tem um perfil maravilhoso, é filha da terra (piracicabana), começou no Projeto dito anteriormente, foi aluna da Paula no Befeco [a Escola Pública Benedito Ferreira da Costa], é funcionária pública dedicada, com 16 anos de carreira, foi uma atleta lutadora, cheia de gana, professora de Educação Física formada pela UNIMEP e assim tem sido na comissão.

Sabe mais do que eu, afinal estava atuando em Piracicaba em 2003 e na cidade de Americana nas categorias menores até o ano passado.

ANA É GENTE.

Venceu na vida através do esporte.


13. Gostaria que você apresentasse seu elenco aos amantes do basquete e falasse um pouco de cada uma delas: Kelly, Paula, Fabiana, Graziele, Ana Cláudia, Joceli, Lico, Lidiane e VanVan.

Esses nomes no universo do basquete feminino são conhecidos e acho melhor esperarem para ver.

14. Você acompanhou a campanha da Unimep na A-2 no ano passado?

Muito superficialmente. Agora muito mais trocando informações com Ana Cristina e o [preparador físico] Paulo Martinagno, que são remanescentes de 2003.

15. Que informações você pode dar sobre a próxima A-2? Quantos e quais seriam os clubes? Como anda o nível técnico?


Deve ser nos moldes do ano passado. Equipes provavelmente: Marília, Rio Preto, Ribeirão Preto, Barretos, São José dos Campos, Paulínia, Itapira...
São equipes competitivas, montadas "infelizmente ou felizmente" para levar o nome da cidade em Regionais e Abertos e outras duas leves opções, que não querem tomar de 129 x 29 na A1, porque o fulano/cicrano pegam pressão o jogo inteiro. Ou então ficam com as atletas no banco o ano inteiro. Não utilizaram só para não fortalecer B, C, D... A grana é curta.


16. Grande parte de suas atletas é alunas da Unimep, o que é uma bela iniciativa. Fale um pouco sobre essa união entre esporte e estudo e como você pretende carregá-la às próximas temporadas.

O valor do salário das atletas está adicionado à porcentagem da bolsa. Para que elas saibam o quanto custa isso!

Não abro mão das atletas estudando. Nem que seja corte-e-costura.

Pela possibilidade de ter a Unimep como a maior parceira, de ter um diploma através do esporte; de ter um outro ciclo de amizade; de tirar este estigma que não dá para conciliar as duas coisas; e da minha parte, mudar conceitos pré-estabelecidos de que a atleta tem que treinar 2 vezes por dia. Hoje temos várias atletas com 16 anos com lesão de cruzado. Um horror!

Temos vários técnicos chegando com a bolsinha, dão o treino e "vazam", que se dane o mundo. Onde estão os educadores?

Nesta fase, ainda estamos dando um suporte físico, por isso estamos treinando em dois períodos, mas em breve pretendemos revezar treinos, treinar em dois períodos quando necessário, para que todas se dediquem aos estudos e conseqüentemente estejam bem para a prática.

A grande maioria vai entrar ou fazer a transferência neste meio de ano para a Unimep. Sou exemplo vivo para as minhas atletas, fui medalhista olímpica e fiquei desempregada e graças à Deus tinha guardado dinheiro, senão...


17. A intenção é de Piracicaba retornar à divisão de elite?

Sim, mas com os pés no chão. Os tempos são outros, não temos pressa. Sem dúvida alguma é nossa maior meta.

18. Uma outra bela idéia é de um torneio no primeiro semestre homenageando a Regininha [armadora falecida em 2003]. Você já pode adiantar mais alguma coisa?

Regininha merecerá honras sempre, isso ainda pode acontecer. O que se faz necessário são as equipes da A2 sentarem para conversar e programar, local, valores e etc. Isso não é para os técnicos fazerem.

19. Em ano olímpico, não posso deixar de te encerrar essa nossa conversa com esse assunto. Quais são suas expectativas para a participação da seleção em Atenas? O que você achou da programação até agora divulgada pela CBB? E que expectativas você tem sobre mais essa convocação do Barbosa?

Será muito difícil para o Brasil está Olimpíada. As equipes estão jogando muito forte na Europa e sempre. Temos atletas gabaritadas para fazer sucesso novamente sem que ao menos "a gente" acredite. (Risos) Se a carapuça servir!

A primeira fase será boa para nós. A chave foi boa, mas depois o bicho pega.

Quanto à programação? Ah! Treinar 2 meses? Jogar contra Cuba no Nordeste? Bom!

Expectativas sobre convocação? Nenhuma. Os mesmos nomes. A base do Pré-Olímpico.

Devemos lembrar que as negociações estão por vir. Tomara que a CBB garanta estas atletas treinando de fato dois meses.

Obrigado pela entrevista, Branca. E muito sucesso neste novo desafio.

Valeu. Tudo de bom hoje e sempre.

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