segunda-feira, 6 de julho de 2009

ENTREVISTA – Nuno Ferreira

Nuno Ferreira Ao longo desses anos, sempre acompanhei com interesse as atuações das nossas jogadoras no exterior. Em função do blog, tive algumas oportunidades de manter contato com técnicos estrangeiros e observar o olhar deles sobre o basquete daqui, seus vícios e virtudes. Uma dessas boas chances veio com o técnico português Nuno Ferreira. Aos 38 anos, Nuno treina o AD Vagos, onde quatro brasileiras já passaram por suas mãos. Admirador do potencial delas, Nuno já esteve no Brasil para acompanhar o Campeonato Paulista e observar atletas. Assediado após o encerramento da temporada para retornar ao basquete masculino, o jovem treinador renovou o contrato com o clube, que novamente disputará a EuroCopa e que já confirmou a permanência da pivô Clarissa no elenco. Por e-mail, Nuno falou da carreira, do trabalho em Portugal e dividiu impressões sobre as brasileiras e o último Europeu.

Nuno, atualmente você é treinador de uma das principais equipes portuguesas. Como você se envolveu com o basquete feminino e qual foi a trajetória percorrida até chegar ao AD Vagos?

Eu iniciei minha carreira como treinador no basquete masculino, há 20 anos. Passei por todas as categorias de base do Sangalhos Desporto Clube. Acabei aprendendo muito ao acompanhar o desenvolvimento de um grupo de atletas até a idade adulta e juntos conquistamos vários títulos nacionais. Esses jogadores são hoje a base da equipe masculina do clube. Aos 28 anos, me tornei assistente técnico da equipe adulta do clube. Três anos depois, fui promovido a técnico principal da equipe. Fiquei mais três anos nessa posição e, nesse intervalo, conquistamos dois títulos nacionais. Foi quando surgiu o convite do Vagos. Não hesitei frente a esse desafio e o agarrei com muita energia e motivação. O Vagos era um time ainda recente na Liga Feminina, com grande potencial de crescimento. Minha adaptação foi muito boa e estou fascinado com o trabalho e empenhado em fazer esse time crescer ainda mais.

Me fale um pouco da organização da Liga Portuguesa. Em que medida a Federação se responsabiliza pelo torneio? E os clubes? Qual a realidade financeira e estrutural dos clubes portugueses?

A Liga é o principal torneio nacional. Tem duração de oito meses (outubro a maio). Geralmente conta com doze equipes, que se enfrentam em dois turnos. A fase decisiva ocorre em sistema de play-offs.

p0_0-19 Além da Liga, há outros torneios nacionais.

O primeiro é a Super Taça, que ocorre em jogo único entre o vencedor da última Liga e o da última Taça de Portugal.

A Taça da Liga ocorre em dois finais de semana, com doze equipes. O Final Four classifica para as competições européias.

O segundo torneio mais importante é a Taça de Portugal, que envolve ainda equipes de divisões inferiores em jogos eliminatórios. A fase decisiva também é em Final Four e também há classificação para competições européias.

Todas essas competições são organizadas pela Federação.

Aqui também, o feminino recebe pouco investimento da Federação. Os clubes vêm tentando se organizar, mas ainda o masculino recebe mais atenção.

Em relação à estrutura dos clubes aqui, a realidade é muito heterogênea. Mas existem entre seis a oito clubes que continuam a crescer, demonstrando qualidade e oferecendo boas condições de trabalho. Mas, financeiramente, ainda distantes do que há em outros países da Europa.

Qual é a rotina de treinamentos no Vagos?

A rotina é bastante variável, dependendo da fase da competição. Geralmente, fazemos cinco treinos semanais noturnos, de cerca de duas horas de duração, e quatro diurnos, de uma hora e meia, para as jogadoras profissionais ou para as estudantes. Há ao menos dois desses treinos diurnos em academia. Quando estamos em torneios continentais, a rotina muda.

Durante a Liga, jogamos uma ou duas vezes no fim de semana e folgamos no dia seguinte à partida.

Na última temporada, o clube participou da EuroCopa, mas acabou eliminado precocemente, com seis derrotas. Como você analisa a participação do clube na competição e a partir dela, que diagnóstico você faz da força do basquete português no continente?

Bem, o Vagos nunca tinha participado da EuroCopa até então. Havia uma inexperiência muito grande do time, com exceção da Fernanda Beling e da Mandy Carver. Enfrentamos equipes com uma realidade muito diferente da nossa: Hemofarm (Sérvia), Chevakata (Rússia) e Lemminkainen (Lituânia). Esses três países são excelentes escolas de basquete e muito fortes no aspecto técnico e tático. Ao time russo, ainda se acrescenta o poderio físico. O Hemofarm e o Chevakata chegaram às quartas-de-final do torneio.

Assim, foi ótimo participar, mas sei as distâncias que temos a percorrer. Queria que o clube desse esse passo, porque só competindo entre os melhores, podemos aprender, ganhar conhecimento e competência. Grande parte do meu time não é profissional. Treinamos diariamente para sermos os melhores em Portugal e encurtar essa distância.

Em relação à nossa seleção, não tenho dúvidas que ela poderia (e deveria) estar no Grupo A da Fiba Europa. Temos qualidade e jogadoras para isso. Mas faltam condições para que todas pudessem estar presentes.

p0_0-18 Nessa última temporada, você contou com duas atletas brasileiras no time. Uma delas, a Fernanda Beling, já está há mais tempo em Portugal. O que você pode nos dizer sobre a atleta e a importância dela em sua equipe? Há planos de mantê-la no elenco? Gostaria ainda que você nos contasse se percebeu alguma evolução no jogo dela após a disputa dos Jogos Olímpicos de Pequim.

Olha, sempre tive um relacionamento muito bom com as atletas brasileiras que pude treinar. Há duas temporadas, tive a Sílvia Gustavo no time e depois a Millene Machado. São atletas e pessoas fantásticas, das quais tive o orgulho de ser técnico. Em meus times, quero sempre atletas como essas.

Bem, a Fernanda Beling é no momento a referência do nosso time em todos os níveis. Primeiro por sua inegável qualidade, mas também pela sua forma diária de trabalhar e de se comportar: profissional, educada e empenhada em todas as tarefas.

O clube já fez uma proposta de renovação a ela e ainda aguardamos sua resposta.

A grande evolução que notei no jogo dela foi no aspecto defensivo. Ela retornou muito mais agressiva e intensa e melhor nas ações coletivas defensivas (trocas e rotações). Ofensivamente, ela consegue ter uma leitura melhor do jogo e tomar decisões a cada momento a partir das respostas e da dificuldade que a defesa adversária oferece.

Ela apresenta ainda algumas dificuldades na utilização do drible, mas trabalhou muito esse aspecto este ano para  melhorar no futuro.

A outra atleta foi a Clarissa, que até já renovou seu contrato no clube, após uma excelente temporada. Qual o impacto da chegada dela sobre a campanha do clube na Liga e a importância que ela terá na próxima temporada?

64648758002242371112 A chegada da Clarissa foi a “vitamina” que precisávamos para sair do “adormecimento” que o time vinha demonstrando. Ganhamos agressividade e qualidade num dado estatístico fundamental nos dias de hoje no basquete, que  é o rebote. Além disso, ela nos trouxe a capacidade para jogar no garrafão, onde ela consegue ser uma referencia.

Certamente foi uma excelente aposta. Ela é jovem, guerreira, lutadora, muito alegre e motivada no trabalho. Cria um ambiente de grande astral no dia-a-dia. E, no meu ponto-de-vista, tem um potencial de evolução ainda muito grande.

Com ela conseguimos que o nosso jogo ganhasse valores que até então não tínhamos conseguido conquistar.
Eu tenho a certeza que ela irá confirmar seu valor na próxima temporada da Liga e também que ela tem capacidade suficiente para brilhar na Europa.

Sempre que se menciona o nome da Clarissa aqui no Brasil, invariavelmente duas controvérsias surgem. A primeira em relação ao peso da atleta, considerado excessivo. A segunda é julgá-la baixa para a posição em que ela se sente mais a vontade – posição 5 (pivô) - e sugerir uma troca para a posição 4 (ala-pivô). Gostaria que você se manifestasse sobre esses dois assuntos.

Em relação ao peso, ela sempre demonstrou muito cuidado com o seu controle. Sabemos da importância disso na performance do atleta, bem como na prevenção de lesões. Por isso, esse aspecto foi uma das prioridades do nosso preparador físico e do departamento médico. Não vejo isso como um problema.

Ao contrário de outras jogadoras, a Clarissa pratica o basquete relativamente há pouco tempo e ainda está em processo de aprendizagem. Tentamos nesse primeiro contato fazer com que ela fosse criando rotinas e adquirindo repertório para se sentir mais confortável em jogar de frente para a cesta. Sinceramente, acho que seu jogo pode melhorar muito nesse aspecto. Acho que a estatura dela não pode ser desculpa para nada, pois ela tem uma capacidade física incomum e uma excelente envergadura. Os desafios que ela terá esse ano, ao disputar a EuroCopa, certamente reduzirão essas dúvidas. Mas o nosso objetivo é que ela cada vez mais possa atuar também como ala-pivô.

Como treinador, quais são suas maiores influências. Gostaria que resumidamente você nos contasse quais são os princípios táticos que você considera fundamentais em suas equipes? E, por fim, qual o seu maior sonho dentro da carreira?

Não tenho grandes influências. Sou da opinião que cada treinador deve ter o seu próprio estilo e criar a sua própria identidade.

Tenho sim alguns princípios que procuro seguir e aplicar.

Na defesa, aposto em muita agressividade na bola e no lado da bola, com o time cumprindo regras individuas e coletivas (ajuda, rotações e trocas). Utilizo bastante as estatísticas para delinear as estratégias para cada jogo.

Ofensivamente, parto desse principio defensivo para conseguir jogar em transições rápidas, explorando vantagens na posição de chegada ao ataque. Privilegio o espaço com uma jogadora dentro e quatro fora, buscando  criar desequilíbrios em situações de 1 x 1 ou em combinações ofensivas 2 x 2. Nos movimentos táticos mais complexos, o objetivo é proporcionar condições para que as jogadoras consigam fazer boas leituras e aproveitamento ao buscar a colega melhor colocada para gal-593430finalizar o ataque

Meu sonho é ser treinador profissional fora de Portugal, em uma equipe onde possa trabalhar com jogadoras profissionais que tenham grande alegria, empenho, dedicação e muita vontade de ganhar.

O Campeonato Europeu foi encerrado na última semana, com a conquista do título pela França. Gostaria de saber se você acompanhou a competição. Caso afirmativo, qual sua análise do torneio e seus destaques?

Acompanhei sim. Na minha opinião, foi justa a vitória francesa. Eles têm uma equipe muito bem organizada, com uma armadora de alto nível (Dumerc) e boas pivôs, com destaque para a Sandrine Gruda. O plantel é muito equilibrado em todas as posições, o que permite rotações constantes. Um exemplo claro disso foi a utilização das doze jogadoras no primeiro período da final contra as russas. Além disso, elas cometem poucos erros, controlam bem a posse de bola. Na maior parte do tempo, fazem defesa individual. Jogaram com frieza e confiança nos momentos decisivos.

A Rússia tinha uma equipe com valores individuais muito bons, fortes. Mas as jogadoras atuam muitas vezes de forma individualista. Não funcionou como equipe.

A Espanha defendeu muito bem, com muita garra, mas não conseguiu manter o nível no ataque.

2 comentários:

cestinha disse...

A Clarissa faz o que quer com a bola dentro do garrafão... Joga muito... Só cego não vê.

Só faltava o Bassul acordar e parece que conseguiu...

Anônimo disse...

Não acordou. Foi de cima para baixo a convocação da menia