segunda-feira, 29 de novembro de 2004

Entrevista - Ilisaine Karen David

ENTREVISTA

Zaine

Ilisaine Karen David é um caso bastante particular no basquete brasileiro. A jundiaiense começou tarde no esporte - aos quinze anos- meio que "obrigada", conforme confessa nessa entrevista, em função da altura privilegiada. Trabalhada no Clube São João, da mesma cidade, não chegou a ser convocada para as categorias de base da seleção nacional. Em 1997, no entanto, a oportunidade surgiu em São Bernardo do Campo, que montava um time adulto com o apoio da Uniban, que tinha como destaque a lateral Adriana Santos. Com apoio do técnico Emerson Tadiello, Zaine assumiu com aparente tranquilidade uma vaga no time titular do clube e uma posição de destaque no cenário nacional. Nesse meio tempo, conciliou a duras penas a conclusão de um curso universitário, o de Direito, um fenômeno raro no esporte nacional. As convocações para a seleção vieram logo e o ápice se deu com a conquista do bronze olímpico, em Sydney. No vai-e-vém dos clubes brasileiros, Zaine passou por outras três equipes, duas delas desfeitas. Desiludida com as perspectivas do basquete no Brasil, Zaine arrumou as malas e partiu para a Itália. Desembarcou no Chietti, na Itália, onde jogou com a americana Bridget Pettis e com a brasileira Kelly Santos. Firmou-se nessa equipe, onde jogou por três anos e disputou competições importantes, como a Euroliga. Em 2004, Zaine voltou a ser lembrada para a seleção olímpica, mas acabou sendo cortada. Ainda assim, a pivô trocou o Chietti, que andava cambaleando na direção da Segunda Divisão, pelo Venezia, atual líder do campeonato. E mais uma vez, Zaine conseguiu seu espaço.



1. Zaine, quando foi que você se interessou pelo basquete pela primeira vez?

Comecei meio que "forçada", pois já era bem alta -cerca de 1,85 m - aos quase 15 anos, e meu tio, que na época estudava Educaçao Física em Jundiaí, me colocou numa escolinha de basquete.

O engraçado é que todas as meninas eram muito mais novas e mais baixas, por ser uma escolinha. Mas ainda assim peguei gosto pelo esporte.


2. Sua formação se deu em Jundiaí, não foi? Conte um pouquinho sobre os técnicos que auxiliaram no seu crescimento e sobre os títulos nas categorias de base.

Menos de dois meses depois de ter começado, a escolinha acabou. Mas havia times de categoria menor no Clube São João. O técnico Luis Cláudio Tarallo me chamou para treinar lá, onde fiquei por quase quatro anos, disputando infanto e juvenil com Tarallo, Edson Mina, Rosevaldo e Jair. Aprendi muito com todos e tenho boas lembranças e muito afeto por eles.

3. E nas categorias menores da seleção brasileira,você teve passagens?

Não peguei seleção brasileira juvenil. Fui uma vez para a seleçao paulista juvenil, com a Heleninha de técnica.


4. Na categoria adulta, seu "batismo" foi na Uniban/São Bernardo do Campo, não foi? Conte-nos sobre essa experiência.

Sim, meu primeiro time adulto foi o da UNIBAN em São Bernardo. Foi uma experieêcia maravilhosa, de grande crescimento pessoal e profissional. Foi também a primeira vez que saí de casa, para morar sozinha. Fiquei ali por dois anos. Me adaptei muito bem à cidade e ao time, consegui um espaço substancial no basquete com a ajuda e a confiança do então treinador Émerson Tadiello, que acreditou no meu potencial e investiu em mim.

5. Você é das únicas jogadoras de basquete que concluiu um curso superior - Direito. Em que período fez o curso? Foi muito difícil administrar estudos e basquete? Tinha que matar muitas aulas, treinos?

Foi realmente difícil conciliar os estudos e o basquete, pois o calendário de jogos era apertado. Mas estudando e jogando pela UNIBAN, quando eu faltava à aula por motivo de jogo, eles me abonavam as faltas. O grande problema era chegar à tempo para as aulas, pois os treinos terminavam tarde, e eu tinha que ir de São Bernardo à São Paulo. Mesmo assim, eu não desanimava e assistia quantas aulas conseguisse. Quando saí do time da UNIBAN, complicou mais a situação, pois eles não me abonavam mais as faltas. E com as convocações para a seleção brasileira, virou uma loucura estudar. A cada ano, eu perdia no mínimo três meses de aula. E quando voltava, a faculdade era obrigada, por lei, a abonar as faltas e me reaplicar as provas e trabalhos perdidos. Era uma correria. Mas não me arrependo nem um pouco dos sacrifìcios e esforços que fiz para me formar, pois era algo que me dava muito prazer. Quando eu terminei o colegial e disse ao meu pai que estava cansada e talvez fosse melhor repousar um ano e depois entrar na universidade, ele me respondeu que se eu quisesse continuar jogando, deveria estudar. Do contrário, ele me tiraria do basquete. Na ápoca, eu achei exagero de sua parte, mas hoje entendo o quanto foi bom não parar de estudar. O apoio de meus pais foi fundamental para minha formaçao e meu atual sucesso profissional.

6. Alguma vez sentiu preconceito em função da dedicação a um curso universitário, algo bastante infrequente no esporte brasileiro?

Nunca recebi preconceito por estudar, pelo contrário. As pessoas me elogiavam pelo esforço. Mas também o incentivo ao estudo da parte do esporte é muito pequeno e vice-versa. Na faculdade, recebi preconceito por jogar. Um dia, um professor meu me disse que se eu quisesse ter sucesso no basquete ou no Direito, deveria escolher entre um ou outro. Isso me deu ainda mais força para prová-lo que poderia me formar e ainda assim ter uma carreira esportiva de sucesso.

7. Após São Bernardo, você passou por São Caetano e Jundiaí, não foi? Queria que você falasse um pouco dessa sua curta trajetória em clubes brasileiros.

Depois de São Bernardo, tive uma passagem rápida por Sao Caetano; um ano no BCN/Osasco, e um ano de volta à Jundiaí, com a Quaker e Sundown.

8. Na seleção, você participou da conquista do bronze, em 2000. Apesar de ter jogado pouco, como você viveu essa conquista.

Os Jogos Olímpicos foram a minha maior experiência esportiva. Apesar de ter participado de outras grandes competições, como Pan Americano, Sul Americano, Pré Olímpico,etc. Tive realmente grandes satisfações naquele momento, mesmo jogando pouco. São momentos raros e inesquecíveis para um atleta. Sou grata ao Barbosa pela preferência e pela oportunidade que me deu em fazer parte de um grande evento como esse. Embora esteja sigura de ter os méritos para essa vaga.

9. Como surgiu a oportunidade de ir jogar na Itália? Quais foram os fatores que pesaram nessa decisão?

A Itália surgiu num momento importante, pois havia acabado de ser desfeito o time de Jundiaí. Eu estava realmente descrente na estrutura dos times e da modalidade em geral, onde os patrocínios eram difíceis e quando existiam, de uma hora para outra nos deixavam na mão. Já havia me formado na universidade, então não tinha mais nenhum compromisso que me impedisse de tentar um novo rumo e conhecer um novo modo de fazer esporte.

10. Você passou alguns anos no Chietti, jogando ao lado da Bridget Pettis e, depois, também com a Kelly. Fale um pouco sobre sua chegada ao clube e o aprendizado nesse período.

Estive na equipe de Chieti por três anos e cresci muito profissionalmente. Aprendi a tomar mais decisões e me apresentar com mais responsabilidade em quadra. A Pettis é uma jogadora muito particular, difícil de entender, mas que me ajudou nesse crescimento. Com a Kelly, a adaptação foi rápida, pois já nos conhecíamos bem e sempre fomos amigas. Foram três anos muito queridos para mim naquela equipe. Mas sentia que era hora de mudar.

11. Neste ano, você voltou a receber uma convocação para a seleção, mas acabou sendo cortada do time olímpico. Que análise você faz da competição e da participação brasileira?

Sim, estive na fase de preparação para as Olimpíadas de Atenas, e com muita tristeza recebi o corte. A seleção estava com uma mentalidade boa antes de ir para os Jogos, com grande confiança em um bom resultado. Infelizmente não aconteceu como o esperado e desejado, mas o quarto lugar em uma Olimpíada é muito significativo, ainda mais em um país onde o incentivo à modalidade é muito pequeno. O Brasil não subiu ao pódio mas se manteve entre os grandes.

12. Nessa temporada, você deixou um clube que lutava contra o rebaixamento (o Chietti) e foi contratada por um dos líderes da Liga (o Venezia). Considera essa mudança uma valorização do seu basquete?

Sem duvida, é um salto de qualidade que tentei fazer trocando Chieti por Veneza. É um time com grandes ambições e condiçoes de alcançá-las. Eu já havia recebido propostas interessantes de bons times nos outros anos, mas ainda não me sentia preparada para trocar de equipe. Esse ano acredito que era o momento justo e estava pronta para um novo desafio.

13. Como tem sido esse início de temporada? Como é o entrosamento com a Alessandra?



Começamos muito bem o campeonato italiano; estamos em primeiro na classificação, com 7 vitórias e 1 derrota, e com grandes chances de passar para a segunda fase do campeonato europeu. Com Alessandra tenho um bom relacionamento em campo, acredito que seja uma grande jogadora, e não tive problemas de adaptação, pois já nos conhecíamos da seleção.

14. No Venezia, você é colega de equipe da Flávia Prado, uma pivô brasileira que se naturalizou italiana e hoje joga na seleção do país. Você teme que isso possa acontecer também com outras brasileiras?

Também já conhecia a Flávia. Jogamos juntas na Quaker, e até dividíamos apartamento. Sou feliz pelo espaço que ela consegui na seleçao italiana, pois sei que trabalhou duro por isso, e pode ser que aconteça com mais jogadoras daqui em diante.

15. Quais são seus principais objetivos daqui pra frente? Espera voltar à seleção?

Meu objetivo é fazer uma boa temporada, ajudar o Reyer Venezia a alcançar as nossas metas. Seleção é conseqüência de um bom trabalho, às vezes reconhecido, outras não. Tenho vontade de continuar fazendo parte da seleção brasileira, mas as vagas são poucas e a qualidade e a competitividade das jogadoras é grande, embora conheça meu valor.

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