terça-feira, 7 de janeiro de 2003

Entrevista

Aide Angélica de Oliveira



Tinha planejado uma série de entrevistas para marcar o play-off semifinal do Nacional de Basquete. Escolhi uma atleta de cada uma das quatro equipes finalistas para esse projeto.

No entanto, pelo pouco tempo até a definição dos finalistas, problemas de agenda, disponibilidade e esse tumultuado período Natal-Ano Novo, chego à primeira rodada das semifinais, tendo conseguido obter apenas as palavras de Aide.

Mesmo que a série não sem complete, é uma beleza de entrevista, de uma jogadora que escreveu uma história muito particular e própria no basquete brasileiro.

Numa entrevista, que praticamente não precisou de edição ou correção ortográfica, Aide fala de pontos-chaves na sua carreira, do pai, da sua ausência na seleção e do momento do basquete no Brasil.

Ao fim da entrevista, é impossível não pensar que não só basquete feminino, como o esporte no Brasil, seriam melhores se houvessem mais Aides.

Com vocês, Aide Angélica de Oliveira!



1) Aide, comecemos pela sua iniciação no basquete. Sei que seu pai é treinador. Foi ele que lhe apresentou a "bola laranja"? Onde, quando e com quem você começou a praticar basquete?

Sim, foi meu pai. Aliás, fui apresentada à bola já quando estava na barriga da mamãe (também jogadora e atuava na equipe do meu pai, A.D.C. Caieiras).
Assim fui crescendo dentro das quadras e já vivenciando as competições. Mas em 1980 meu pai perdeu praticamente quase toda a equipe, decidindo então não trabalhar mais com basquete competitivo.

Nesse meio tempo, fui me destacando nos campeonatos escolares e começando a pegar o gosto pelo basquete. Então meu pai decidiu tentar mais uma vez, em 1982 eu estreava na minha primeira competição oficial (Campeonato Mini de Basquete) pela A.D.C. Caieiras (cidade onde cresci e vivi ate meus 18 anos).



2) Já tive a oportunidade de comentar no blog sobre seu pai em um torneio universitário, no qual ele era técnico. Fale um pouco dele, seu nome, do trabalho que ele faz e da importância dele em sua carreira.

Falar do Professor Reinaldo, como é conhecido por todos, é motivo de muito orgulho para mim. Tudo que sou hoje como pessoa, atleta, profissional de minha área devo-lhe eterna gratidão.

Hoje, fora do meio competitivo, meu pai exerce o cargo de Coordenador do Centro Educacional de Pirituba (SP), é diretor de esportes da cidade de Caieiras e Técnico de Basquetebol Feminino da Escola Paulista de Medicina.

Neste último é aonde meu pai mantém o contato com o basquete, desenvolvendo um trabalho com futuras médicas que nunca tiveram a oportunidade de aprender ou vivenciar a modalidade. Também aproveita para aprimorar a sua filosofia de trabalho, desenvolvendo pesquisas com outras áreas como: fisiologia, cinesiologia, biomecânica, etc.

3) Sei que desde o início você se tornou destaque nas categorias menores e era cobiçada por outras cidades. Gostaria que você falasse um pouco dos times por onde passou nas categorias menores e títulos.

Todos me perguntam até hoje porque meu pai não me deixou sair de Caieiras quando ainda era de categoria menor.
Na verdade, para meu pai e hoje para mim também, duas coisas são muito importantes para a longevidade de um atleta: o estudo e a formação da personalidade.

Ainda sim estávamos também passando por um momento muito delicado na nossa família. Assim atuei na A.D.C. Caieiras até meu primeiro ano de juvenil. No ano seguinte fui para o Perdigão Divino de Jundiaí, onde disputei meu último ano de categoria menor. Como Caieiras era uma equipe média, não obtive muitos títulos nessa fase, pois naquela época havia muitos clubes com alto nível técnico.


4) Você passou pela seleção brasileira juvenil? Se sim, em que torneios?

Infelizmente não. Naquela época não existiam tantas seleções para categorias menores como hoje. As poucas que tinham eram disputadíssimas e me lembro que no primeiro ano de juvenil não houve convocação para nenhuma competição. Só no ano seguinte é que houve convocação para disputa do Campeonato Mundial Juvenil.

5) Sua estréia em torneio adultos foi em qual equipe?

Van Melle, de Jundiaí. Mas eu já atuava em campeonatos adultos desde a categoria infantil.

6) Você é uma atleta diferenciada, que concluiu um curso superior, uma raridade no esporte brasileiro. Foi complicado conciliar esporte e estudo?

Foi muito complicado. Tive que abrir mão de equipes de grande porte para concluir meu curso (Educação Física). Mas por outro lado, pude atuar na minha profissão e ainda conclui três de pós-graduação.


7) O fato de ter estudado colabora na vida de um atleta? Amplia sua visão do jogo?

Não só amplia sua visão de jogo como também amplia sua visão da vida. Dentro de quadra melhora sua percepção, o raciocínio, a concentração, relacionamento, etc, e fora dela amplia seu campo de conhecimento proporcionando ao atleta o desenvolvimento da sociedade.

8) No início nos anos 90, você atuou na equipe de Guarulhos, comandada à epoca pelo Haroldo Evans (se não me falha a memória). Fale um pouco sobre essa passagem.

Tenho um carinho muito especial pelo Haroldo, além de ter sido meu técnico, hoje é um grande amigo. Nessa época, Guarulhos montou uma equipe forte, comandada por Adriana Santos, Ligia, Dalila, entre outras, mas não foi suficiente para conseguirmos a classificação tanto no Paulista quanto na Taça Brasil; pois o nível das competições ainda estava muito alto. No ano seguinte, com a troca de algumas peças nossa equipe ficou ainda mais competitiva, conseguimos em duas temporadas ter um bom desempenho, mas mesmo assim não conseguimos novamente a nossa classificação, o que foi uma pena, pois tanto o grupo quanto a estrutura eram muito bons. Consegui em Guarulhos me firmar definitivamente no adulto e aos poucos ganhar espaço no basquete feminino.

9) Com a proposta do ranqueamento em vigor (1995), me recordo de você ter dificuldades para encontrar equipes para atuar. Você chegou a abandonar o basquete temporariamente?

Sempre fui contra o ranqueamento de jogadoras que não atuavam na seleção brasileira, pois haviam jogadoras de seleção com o mesmo ranking que o meu, dificultando ainda mais as possibilidades de um bom contrato. Isso se deu desde o início até seu término (meu nome estava sempre presente), e no início de 1995 acabei ficando sem equipe. Assim voltei pra Caieiras (onde já trabalhava) e junto com meu pai, minha irmã, a futura madrasta e duas amigas montamos um quinteto (o resto da equipe era completada por jogadoras iniciantes) e disputamos a série A2. Conseguimos ótimos resultados perdendo apenas para a equipe de São Caetano, e ainda conseguimos a proeza de sermos Campeãs dos Jogos Regionais (foi muito legal). Com o título da A2 o São Caetano ganhou a vaga para disputar a série A1 e me convidaram para integrar a equipe. Assim eu voltava novamente para as competições mais importantes.

10) Seu próximo clube foi Bauru? Fale um pouco dessa passagem.

Na verdade fui chamada pelo Clube Atlético Sorocaba para disputar o Pan e o Sul americano de Clubes campeões. Como eles haviam perdido o patrocínio (Leite Moça) convidaram a equipe de Bauru para representa-los nas competições. Assim me integrei a eles e conseguimos os dois títulos. Para mim uma experiência ótima, pois cada competição você cresce e analisa os pontos fracos para posteriormente serem superados.

11) Em 1998, você disputou a primeira edição do Nacional pela Ulbra, onde acabou fazendo boas apresentações. No ano seguinte, acabou sendo contratada pelo BCN/Osasco, na época a equipe mais sólida do país. Gostaria que você falasse desse período e da sua passagem pelo BCN.

Eu estava há seis meses me recuperando de uma lesão no cotovelo, quando o diretor da equipe (José Medalha) do Ulbra, me convidou para integrar o grupo. Para mim foi um presente de Deus, pois entrei em forma e ainda consegui fazer um bom campeonato. Infelizmente o projeto não deu prosseguimento; o que só lamento, pois tínhamos todo o respaldo necessário que um atleta merece. Assim depois de muitos anos de namoro, finalmente integrei a equipe do BCN, onde tive a oportunidade de jogar ao lado de jogadoras fantásticas como: Elena, Eva (estrangeiras) e Paula e ser comandada por Maria Helena Cardoso. Aqui mais uma vez tive um excelente aprendizado, tanto como jogadora e principalmente como pessoa. Nesta temporada o único título que não ganhamos foi o Campeonato Brasileiro, pois até o Mundial de Clubes nós faturamos. Eu só lamento que uma estrutura como a do BCN tenha saído das competições adultas, pois com isso o basquete feminino saiu perdendo muito.

12) Desde então, você tem sido a "atleta de decisão" de uma série de equipes: Guaru novamente, Jundiaí e agora Santo André. Você acha que está atravessando agora sua melhor fase?

Acredito que sim, acho que estou chegando no pico da minha carreira, venho de uns quatro anos pra cá aprimorando cada vez mais meu estilo de jogo e conseguindo obter muitos resultados.

13) Por coincidência, esses seus últimos três clubes são equipes que vem surpreendendo favoritos na sua trajetória. Guaru acabou conquistando o vice-campeonato do Paulista, Jundiaí incomodava as equipes principais e agora Santo André surpreende novamente. Quais os pontos de semelhança entre esses times?

O grupo, sem duvida nenhuma. Nessas três equipes todos os grupos se formavam por jogadoras de muita decisão, técnica e raça e o que é melhor, todas se centravam em um único objetivo comum.

14) Você teve alguma convocação para a seleção adulta?

Nenhuma.

15) Por que você acha que é tão pouco lembrada?

Primeiro por que acho que meu estilo de jogo não agrada ou não se encaixa na filosofia deles; segundo pelo fato de muitos anos eu ter atuado em equipes médias, isso pode ter estreitado as minhas oportunidades de conquistar um espaço na seleção; terceiro porque não entendo o critério de convocação que é utilizado por eles e aproveito a oportunidade para que se faça essa pergunta, pois acho que sanaria não só a minha duvida como a de muitas outras pessoas.

16) Você tem o desejo de retornar à seleção ou é algo em que você não pensa mais?

Todo atleta de alto rendimento sempre tem um objetivo proposto a ser alcançado. Quando esse objetivo começa a se tornar uma missão impossível, é preciso então traçar outros objetivos alternativos. Com a proposta de renovação da seleção brasileira acho que o grupo será integrado pelas novas gerações que estão surgindo e não mais pelo rendimento que as atletas apresentam durante as competições anuais.

17) Como você analisa o momento que o basquete feminino vive, recém-saído de um resultado desastroso, que foi a sétima colocação no Mundial da China?

Como uma estudante da modalidade e atleta, acho que quando se fala em seleção brasileira, se fala de toda uma nação que será representada internacionalmente. Assim não podemos ter os famosos "escorregões ou vacilos", pois desta vez comprometemos toda uma geração (muito boa por sinal). Ao meu ver, neste nível de competição, se não trouxe o resultado previsto, troca-se tudo e tenta-se outra forma de adquirir esses resultados. Já tivemos essa oportunidade quando ficamos em quarto lugar no Mundial de 98. Enquanto outros paises se preparavam adequadamente, nós infelizmente perdemos a oportunidade de colocar a nossa modalidade entre as melhores de nosso país.


18) Falemos da decisão do Nacional, enfim. Santo André teve uma atuação destacada, sendo que todos esperavam que o clube tivesse mais dificuldades, já que o elenco está reduzidíssimo. Qual a receita do sucesso da equipe na primeira fase?

Treinar muito na medida certa; forma estratégica e tática de trabalho muito bem ministrado pela técnica Lais; obediência tática por parte das atletas e superação do grupo.

19) O que você espera do confronto contra Guarulhos, nas semifinais? O que pode beneficiar a equipe neste mata-mata?

A responsabilidade de vitória é delas, nós somos franca atiradoras sem o compromisso de resultado, o que nos beneficia muito nesse confronto. Assim teremos jogos bem equilibrados, onde os detalhes farão a diferença do jogo.

20) E na outra semifinal, entre Ourinhos e Americana, quais são suas apostas?

É difícil opinar, pois são equipes compactas e com entrosamento muito bom.

21) Você inicia 2003, já jogando a decisão. Mas quais são seus planos e desejos para o novo ano? Até quando vai seu contrato com Santo André?

Para este ano pretendo continuar jogando, tenho planos de começar a me preparar para fazer mestrado e me estruturar ainda mais. O único desejo que tenho é que não venha a ter nenhuma lesão, pois o resto só dependerá de mim mesma para conseguir o que desejo. Meu vinculo com Santo André termina no final de janeiro onde espero em seguida obter um descanso merecedor, pois essa temporada foi muito intensa.

22) Bate-Bola para encerrar:


Uma cidade: Natal
Uma música: Cruisin' (do filme Duets)

You're gonna fly away
Glad you're goin' my way
I love it when we're cruisin' together
Music is played for love
Cruisin' is made for love
I love it when we're cruisin' together


Um filme: A lista de Shindler
Uma comida internacional e uma comida brasileira: japonesa e churrasco
Uma cidade no mundo: Palma de Maiorca, na Espanha
A bola que eu chutei e caiu: Teve duas recentes que eu achei muito legal. Uma contra Guarulhos e outra contra Ourinhos; as duas foram de três pontos e faltavam menos de 10 segundos para acabar a partida.
A bola que eu chutei e não caiu: Contra Rússia em 95 no Mundial Universitário
O jogo que eu não esqueço: Contra Lituânia em 98 No Mundial Universitário (estava jogando com a costela fraturada).
A minha principal virtude em quadra, e fora dela: Raça e tranquilidade / Ser companheira.
O meu maior defeito em quadra, e fora dela: Passo a bola demais / Fora de quadra, sou uma pessoa muito agitada.
Um título: Campeonato Mundial de Clubes Campeões.
Um time: BCN Osasco
Uma companheira: Sandra Prande
Uma marcadora implacável: Nádia
A melhor jogadora que eu já vi jogar: Hortência
Uma jogadora para o futuro: Não faço idéia
Uma quadra: a de Caieiras
Um sonho: Ter a oportunidade de transmitir toda minha experiência para gerações futuras sejam elas atletas, crianças, ou apenas estudantes.


Um comentário:

Marco Antonio disse...

Que história linda, exemplo de raça e determinação .