segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

ENTREVISTA - Kátia Araújo


Com uma trajetória meteórica nas divisões de base, a jovem técnica Kátia Araújo se viu logo diante de um dilema. Em um esporte no qual sucesso e conquistas nem sempre são garantias de estabilidade econômica e/ou profissional, Kátia optou pela segurança de um emprego “formal”. Os anos afastada do basquete competitivo, no entanto, não foram capazes de diminuir sua paixão pelo esporte, visível na empolgação com que toca seu projeto social e no enorme orgulho de suas pupilas. Na entrevista abaixo, Kátia fala do começo da carreira, da sua filosofia de trabalho e de um possível retorno aos clubes.


1) Kátia, pra começar eu queria que você me contasse como se deu o seu envolvimento com o basquete. Como foi esse caminho até se descobrir técnica?

Eu era do tipo que gostava e praticava todos os esportes. Só me decidi pelo basquete aos 15 anos. Fui correr atrás do tempo perdido: fazia escolinha, treinava sozinha e passava na biblioteca depois da escola para aprender sobre basquete. Muitas coisas aprendi primeiro na teoria. Foi assim que nasceu minha paixão pelo Wlamir Marques.

Era uma corrida contra o tempo e uma necessidade de aprender, de fazer bem, de ganhar meu espaço, de realizar esse meu sonho. Quando entrei em um clube para federar, ainda inferior tecnicamente, acordava às cinco da manhã, para treinar sozinha, no único horário disponível na quadra. Não gosto de acordar cedo, mas o sonho de aprender e melhorar cada vez mais, me fazia acordar todos os dias. Logo eu já estava com meu espaço na equipe.

Joguei em Caieiras, São Bernardo, Osasco e fui convocada para a seleção universitária.

Com sete anos, eu já tinha escolhido ser professora de Educação Física. Minha vida de técnica começou naturalmente. Ainda universitária, em 1997, assumi uma equipe em São Paulo, a Atlética São Paulo, juntamente com Celso Coutinho, que reforçou meus valores de dedicação, disciplina e perseverança, ingredientes necessários para a vida.

Gosto de assistir treinos e jogos, e procuro observar além de técnicas e táticas, a forma de liderar, a organização dos treinos e as estratégias utilizadas. E tento incorporar para a minha filosofia de trabalho, porque acredito que aí está a diferença.

2) Você teve uma trajetória de bastante sucesso nas categorias de base. Mas acabou tendo que fazer uma opção por um emprego mais estável. Imagino que não tenha sido uma decisão fácil. Você pensa em retornar um dia à rotina de trabalho em clubes?

Com certeza optar por largar as equipes competitivas não foi uma decisão fácil, porque naquele momento eu não estava largando somente o basquete, estava largando uma história, deixando o que eu mais amava e me separando de pessoas que confiavam e que de alguma forma precisavam de mim. Mas ao mesmo tempo, pelos exemplos de técnicos desempregados, pela falta de segurança, apoio e respeito, que muitas vezes sofri, optei pelo cargo.

Era hora de ficar de fora, refazer meus planos, estudar e cuidar de mim. No ano passado, tive a oportunidade de voltar para um clube, mas estava focada em terminar meu curso de MBA em Liderança e Coaching e em outros projetos.

Hoje analisando as coisas sem emoção e segura profissionalmente, posso novamente traçar metas para minha vida dentro do basquete competitivo.


3)Uma grande preocupação de quem gosta de basquete é justamente o enfraquecimento dos núcleos de formação. Como você vê essa questão? Quais são as principais dificuldades de um clube em suas categorias de base?

O enfraquecimento dos clubes com categoria de base está relacionado ao alto investimento com transporte, arbitragem, profissionais. O título privilegia poucos e não garante continuidade. O esporte realmente resgata e desenvolve valores, como integridade, honestidade, garra. Mas isso é “invisível”, porque é mais fácil falar que uma criança está no tráfico que falar que aquela que pratica não está. Ou seja, essa ação de melhoria de valores, muitas vezes, não é suficiente como retorno.

É necessária uma ação das federações, da CBB, integrada com o governo. O governo por si não está preocupado com a melhoria do basquete. Está “preocupado” com a educação e inclusão social. Os órgãos responsáveis pelo basquete deveriam procurar o apoio do governo para ajudar a educar e incluir através do esporte. E, como conseqüência disso, revelar talentos para o basquete nacional.

Temos muitas crianças e talentos nas escolas precisando de oportunidades. Massificando o basquete, aumentaremos a oportunidade da prática, o mercado para os profissionais e o nível técnico do basquete no Brasil, dentro de um processo natural.

4)Hoje é comum, aparentemente em uma proporção maior que no passado recente, observar atletas adultas – mesmo na seleção - com deficiências graves em fundamentos. Por que você acha que isso está ocorrendo?

Muitos atletas aprendem por tentativa e erro, o que acarreta formação de padrões de movimentos errados. Por isso, o instrutor (ou professor, ou técnico) passa a ser um fator importantíssimo para aprendizagem efetiva e desenvolvimento do talento.

Sem as informações necessárias, a atleta chega à vida adulta com graves erros de fundamentos (padrão errado) e outros nem chegam.

A partir do momento que o atleta inicia no basquete, tem que ocorrer um planejamento focado no desenvolvimento individualizado. Deve ser ressaltado para os atletas que arremessos, fintas, passes todos fazem. Mas a forma que cada movimento é executado, os detalhes e os recursos é que geram diferença.

Além de técnicas e táticas, o técnico deve ter uma relação de envolvimento e comprometimento com o processo, por que o retorno dos atletas será o mesmo. Criar metas futuras, vibrar com cada etapa de desenvolvimento, promover motivação com foco no desenvolvimento do atleta e os resultados, como conseqüência.




5)Você é responsável por um projeto social, o Arremessando para o Futuro. Eu gostaria que você falasse dos resultados obtidos até o momento e das suas próximas metas para ele.

O Arremessando completou um ano e quatro meses. Nesse momento, estamos abrindo uma associação para poder oferecer melhores condições e poder ampliar os núcleos.

É muito gratificante ver todo o desenvolvimento e o tamanho do envolvimento. Já pude identificar talentos para o basquete. Alguns encaminhei para clubes, por que estão com nível de federados.

Nos festivais da federação, já temos resultados positivos diante de equipes tradicionais. Tenho a pretensão de entrar nos campeonatos da federação com a categoria Pré – mini.

6) Além do Arremessando, você é ainda técnica de uma equipe universitária (da Universidade Anhembi-Morumbi). Eu queria saber como tem sido essa experiência do contato com atletas adultas (algumas que até defendem equipes “profissionais”) para uma técnica oriunda da formação como você? Ainda sobre esse tema: Parece-me atualmente mais difícil a afirmação de uma atleta nessa faixa idade aqui no Brasil. Os espaços para as “novatas” são reduzidos e há um evidente desinteresse no investimento em novos valores. Treinando meninas como essas, você já percebe impacto dessa ausência de oportunidades no rendimento em quadra delas?

Trabalhar na Anhembi foi a melhor coisa que poderia acontecer comigo. Tem um corpo diretivo muito competente, oferece estrutura e as melhores condições para alunos-altletas. O foco principal é manter a atleta estudando e, em paralelo, disputarmos campeonatos universitários nacionais e internacionais. Não tenho dificuldade de trabalhar com essas atletas, porque elas acompanham a nossa filosofia de trabalho e a política interna.

Percebo que essas meninas saem do juvenil com grandes sonhos na carreira de atleta. Muitas saem como destaque nas categorias de base e seleções brasileiras e depois ficam perdidas, por não terem espaço para dar continuidade. Saem do juvenil, onde só competiam com meninas da mesma idade e vão competir com jogadoras de 17 a 35 anos. Infelizmente não há espaço para todas.

Voltamos a falar da necessidade do trabalho integrado da federação, confederação e governo e, nessa faixa etária, também com as universidades para dar oportunidade e possibilitar o investimento nos novos valores.


7)Uma das grandes promessas do basquete passou pelas suas mãos: a Tássia. Eu gostaria que você falasse um pouco dessa parceria e da sua sensação de acompanhar a evolução dela nas seleções de base e no clube.

Tenho por certo que a felicidade está no percurso e não somente no destino. O percurso de Tássia na minha vida começou com sete anos e se estendeu até os quinze anos.

Desde os momentos iniciais, ela já demonstrava talento. Campeã paulista e estadual com geração 90, vice-campeã paulista e estadual com a geração 91 e campeã invicta paulista e estadual, melhor jogadora mini, seleção de ouro e cestinha da competição. Isso tudo com apenas 13 anos de idade.

Hoje: seleção brasileira e destaque nas competições. É a prova que talento, dedicação e planejamento são os responsáveis por tudo isso.

Acompanhar esse processo, contribuir e vibrar com todos os momentos e principalmente vê-la feliz é a maior recompensa que eu poderia ter. A prova de que sempre vale a pena e de que tudo valeu a pena.

8)Por fim, eu gostaria de saber se você acompanhou a trajetória da seleção em Pequim. Você acredita que o basquete feminino tem condições de recuperar a médio prazo sua posição de destaque no cenário mundial?

O basquete tem condições de melhorar sua posição com um trabalho planejado a longo prazo. Porque não é somente recuperar a posição no cenário mundial, mas manter e criar bases sólidas e sustentáveis com as novas gerações.

6 comentários:

Anônimo disse...

Fantástica a entrevista! Faça o que ela diz, não o que ela faz!

Anônimo disse...

o que fa mesmo??
forma jogadora, estuda, projeto social...

Anônimo disse...

?????? e não se firmou em nenhum clube?

Anônimo disse...

Kátia, faz um trabalho excepcional, e esforçada e sempre estudou sobre o basquete, porém algumas pessoas não entendem que ela é um ser humano é tem defeitos...uma coisa (não justifica), mas a Kátia pela sua pouca idade já fez muita coisa pelo basquete do Brasil...
não sou nem de longe amigo dela, pelo contrário discordo de inúmeras coisas do seus trabalho, mas não sou burro nem cego para não perceber que algo de muito bom ela deve ter!!
abraços

Anônimo disse...

Concordo com ela em quase tudo,mas,
não concordo quando ela diz que o governo não está preocupado com o basquete mas está preocupado com a
educação e a inclusão social, ao meu ver o governo não está preocupado com nenhum dos três itens mencionados, caso contrário as coisas não estariam como estão.

Anônimo disse...

o "PREOCUPADO"...