terça-feira, 29 de janeiro de 2002

Marta Sobral

Entrevista inédita e exclusiva.

Marta Sobral



O papo com Marta Sobral ficou uma delícia. Confira.

Painel do Basquete Feminino (PBF):
Marta, pra começar: Como o basquete surgiu na sua vida? Com que idade, em que cidade, onde e com que técnico?

Marta de Souza Sobral (MS):
O meu irmão mais velho praticava esportes, boxe, e passei a procurar uma atividade para também fazer... Procuramos um local que ensinasse basquete feminino, devido a minha estatura e acabamos encontrando a Hebraica / SP, onde o treinador era o “Vlamir Marques”. Isso foi em 1978 quando ainda tinha 14 anos, mas só permaneci na Hebraica durante 6 (seis) meses.


PBF: Por quais clubes você passou na categoria juvenil? Você passou pela seleção juvenil?

MS: Assim que sai da Hebraica fui para Santo André, onde atuei durante 10 anos de minha carreira. Ainda em 1978 fui convocada para minha 1ª Seleção.

PBF: Quando foi a sua primeira convocação para a seleção adulta? Com que técnico?

MS: Em 1978 para a Seleção Brasileira de Novos... O Barbosa convocou as novas jogadoras que se destacavam em seus clubes mas que não tinham tanta oportunidade de jogar devido aos grandes nomes das atletas de basquetebol que atuavam na época.

PBF: Você surge para o público na década de 80, junto com o boom de Paula & Hortência. Gostaria que você falasse da primeira vez que encontrou cada uma delas: Paula e Hortência. Em, que situação foi?

MS: Foi nessa mesma seleção, em 78. Sempre nos demos muito bem. Éramos todas jogadoras novas que começavam a aparecer no cenário esportivo.

PBF: Gostaria que você falasse um pouco de seus irmãos: Em quadra, qual você considera a melhor qualidade de Jefferson, Leila e Márcia Sobral?



MS: Acho que todos primam pela agressividade e velocidade no corte mas, a Leila também marcava muito bem.

PBF: Suponho que pela sua altura, você deve ter iniciado a jogar como pivô. De onde, então, nasceu essa habilidade para os chutes de três? É uma habilidade própria ou foi algo a que você se determinou?



MS: Sempre fui pivô... até hoje, quando aparece uma jogadora alta, todos já a levam para a posição de pivô... Quanto ao chute dos três, naquela época, pivô era treinado para ficar embaixo da cesta, dentro do garrafão, pegando rebote e devolvendo a bola... A Laís Helena, quando percebeu minha facilidade em arremessar de longe, não me coibiu, pelo contrário, sempre me incentivou a exercitar mais e mais essa qualidade. Tanto que hoje é normal um pivô arremessar dos três pontos, hoje em dia.



PBF: Gostaria que você falasse um pouco da conquista do Pan-Americano de 1991, em Havana. Como foi pra você aquela disputa? Quais suas principais recordações e o que aquele título representa na sua carreira?

MS: Acredito que aquele Pan-Americano foi uma marca na vida de todas as atletas que o disputaram. Eu sempre lembro daquele Campeonato de uma forma bem carinhosa, e saudosa, até... pela sintonia que havia naquele grupo. Naquele momento, ninguém ganharia do Brasil, éramos só nós e nosso sentimento de superação.

PBF: Nas Olimpíadas de 1992, muita gente condenou seus tiros de três na partida contra Cuba, mas o curioso (ao meu ver) é que nenhuma outra jogadora se prontificou a decidir a partida. Foi um momento difícil aquele para você?

MS: É como você está dizendo... a bola passou na mão de todas as jogadoras que normalmente decidiriam... eu tenho isso muito claro na minha mente... quando chegou nas minhas mãos, eu chutei... Se tivesse caído, eu seria a Rainha... como não caiu...

PBF: Como já disse antes, você sempre esteve presente nas convocações da seleção brasileira ao lado de Paula e Hortência. Em 1994, você não esteve relacionada para o Mundial por uma opção da comissão técnica. Foi o momento mais difícil da sua carreira? Hoje como você enxerga aquela opção?



MS: Olha, como atletas, temos que acatar as decisões dos técnicos e naquela época, eles estavam com aquele negócio de renovação... Convocaram quem acharam que tinham de convocar.

PBF: Surpreendentemente, a seleção brasileira foi campeã do Mundial. Como você vivenciou aquele momento; era a coroação de uma geração da qual você tinha participado, mas no momento exato, na hora H, você não estava lá?

MS: Aí é que está... eu não acho que foi surpreendentemente... acredito que da maneira que o grupo estava coeso, digo as atletas, qualquer técnico que assumisse aquele grupo e permitisse que ele fizesse o que sabia, porque foi o que aconteceu... sairia vencedor. E foi o que aconteceu.

PBF: Você acredita que o fato de não ter sido convocada foi benéfico para a sua carreira, pois impediu que você se acomodasse?

MS: Nem uma coisa nem outra. Minha vida prosseguiu.

PBF: Após esse momento difícil, a campanha da prata em Atlanta foi a redenção pra você?

MS: Foi a confirmação de que renovação tem que vir casada com a experiência...
Nosso jogo não encaixava contra Austrália e Canadá, então, a disputa contra a Itália veio a calhar... Jogamos como se fosse a final de nossas vidas e, depois, o que viesse era lucro... afinal, estaríamos jogando contra as melhores norte-americanas, as melhores do mundo...


PBF: Hoje se fala muito em WNBA, mas você foi a primeira brasileira a jogar no basquete profissional norte-americano, na ABL (American Basketball League). Você defendeu entre 1996 e 1998 o Philadelphia/Richmond Rage. Gostaria que você falasse um pouco sobre essa experiência. Inclusive acho que você seguiu uma trajetória comum a estrangeiras na liga americana: uma temporada de estréia de destaque, seguida por uma temporada de inexplicável sub-aproveitamento. Foi isso mesmo?



MS: Olha, o que posso dizer é que na primeira temporada fui a melhor de 3 pontos, a melhor de lance livre, a melhor em roubo de bolas, fui escolhida all star... e depois, simplesmente não me aproveitaram, nem o mínimo. Ninguém entendeu nada mas, eu acho que os norte-americanos são muito “eles” mesmos... então, simplesmente não havia lugar para uma sul-americana ser estrela... acho eu que foi isso.

PBF: Acredito que essa sua passagem que vai da conquista da prata em Atlanta até a sua participação na ABL tenha sido um dos melhores períodos da sua carreira, pois me lembro de temporadas suas fantásticas com a seleção na Copa América (em 1997) e no Fluminense (campeão nacional em 1998). Você ganhou apenas em profissionalismo ao jogar no exterior ou houve uma melhora física/técnica?

MS: Com certeza houve uma melhora técnica! Lá, se você não marcar, não joga. Atacar é conseqüência, mas, marcar... você tem que se desdobrar. Aproveitei muito essa minha fase para melhorar meu basquete.

PBF: Depois disso, você ficou de fora da seleção mais uma vez. Um mioma a tirou do Mundial de 1998. Como foi esse novo 'corte'?

MS: Bem, dessa vez... eu já tinha avisado que não poderia participar da Seleção... quase que não consigo terminar meus compromissos com o Fluminense!
De que adiantava eu adiar mais uma vez minha cirurgia e depois não jogar mais, não é mesmo?Fiquei torcendo pelas minhas amigas...


PBF: Pela sua habilidade nos chutes de longa distância, me lembro que por duas vezes técnicos a quiseram usar como ala. Me lembro do Miguel tentar isso em 1993 e de o Barbosa repetir em 2000. Como você vivenciou essas tentativas? Te agrada essa mudança no estilo de jogo?

MS: Olha só, o meu negócio é jogar, ficar em quadra o maior tempo possível... e se o técnico diz que eu vou ser aproveitada de outra maneira, ótimo... é uma maneira de eu permanecer em quadra. O que não concordo é em ser treinada para mudança de posição e depois ser utilizada de outra maneira.
O Barbosa me treinou de 3, quase não me utilizou e quando me pôs na quadra foi para jogar como pivô... Aí não justifica a disposição do atleta em modificar seu tipo de jogo!


PBF: Em Sydney, você jogou menos, mas em momentos de importância para a seleção, como na virada contra a Rússia. Como foi essa responsabilidade de equilibrar um time com jogadoras de pouca experiência internacional?

MS: Eu já estou com mais 20 anos de basquete... se eu não conseguir segurar a peteca na hora do “vamos ver” ... não justifica toda a minha vida esportiva!

PBF: Você considera seleção um capítulo realmente encerrado na sua vida?

MS: Com certeza!!! Ainda mais com o famoso discurso de renovação de atletas!
Não creio que algum técnico ainda me convoque, mesmo que eu esteja jogando o fino da bola, porque, na opinião deles estariam queimando a oportunidade de alguma jogadora mais nova... A única jogadora tida como “com mais idade“, vamos dizer assim, que ele ainda convocariam seria a Janeth.


PBF: Por muito tempo, o Brasil foi carente na posição de pivô. Principalmente você, a Ruth e a Vânia Hernandez seguraram a posição por muitos anos. Hoje são muitas as opções: Alessandra, Cíntia Tuiú, Kelly, Geisa, Êga, Érica, Kátia Denise, Mamá, entre outras. Gostaria que você falasse um pouco desta renovação (se você acha que deixa a seleção em boas mãos) e do que você considera fundamental para o sucesso de uma pivô.

MS: Além de tudo, para agüentar a barra de uma seleção, tem que ter cancha internacional... e ainda existem jogadoras que jogam muito bem em clubes mas que em Seleções não conseguem se firmar.
Acredito que o bom pivô precisa, além de tudo, ser confiante, porque sem isso, ninguém lhe dá a bola. Não adianta só explosão, velocidade, rosnar dentro do garrafão se você não conseguir passar para as armadoras e alas que ali em baixo do garrafão tem uma pessoa com quem podem contar.


PBF: Depois de muitas temporadas no basquete paulista, você está de volta ao basquete carioca. Como foi que surgiu o convite de Campos para você?



MS: A Néia (assistente técnica e quem faz os contatos) me ligou falando sobre toda a estrutura e eu segurei bastante para poder resolver. Eu não queria sair da região de Jundiaí onde vivem meus pais. Fiquei esperando para ver se a Karina conseguia montar o time ou se aparecia alguma coisa pela região mesmo.
Depois de um tempo ela voltou a me ligar e novamente me fez a proposta, desta vez resolvi vir ver de perto a estrutura... e aqui estou
.

PBF: O que você pode dizer até agora da estrutura do time de Campos?

MS: Olha, eu acho difícil uma equipe feminina, hoje em dia no país, ter a estrutura que temos aqui. Além de a cidade ser de pessoas que adoram o esporte, podemos afirmar com certeza de que conseguiremos honrar nossos compromissos financeiros, o que é muito importante. O Dr. Arnaldo Vianna e a primeira dama Ilsan Vianna, juntamente com o Presidente da FME de Campos, vêm fazendo um excelente trabalho.

Tudo o que foi acertado comigo, desde que cheguei, está sendo cumprido e sempre recebemos nossos salários em dia.


PBF: O Campeonato Carioca ainda tenta firmar raízes e maioria das equipes é frágil. Como você tem encarado essa temporada em Campos e como é a sensação de assumir a responsabilidade de um time ainda muito jovem?

MS: As pessoas acham que por ser uma equipe do Rio, é composta por jogadoras que nunca disputaram nada competitivo... mas a equipe é formada por jovens, sim, mas que já disputaram Liga nacional por seus estados, jogaram em São Paulo durante anos... então não são tão inexperientes assim, o que nos torna uma equipe bem coesa e ciente dos nossos propósitos.

PBF: Quais são seus planos no time de Campos: mais uma temporada carioca? O Nacional de 2002?

MS: Estou muito bem aqui em Campos. Não pretendo sair tão cedo, basta que eles me queiram e continuem me pagando (risos...)


PBF: Por quantas temporadas você pretende jogar? Quais são seus planos após a 'aposentadoria' nas quadras?



MS: Em penso sinceramente em jogar por ainda uns quatro anos. Fora das quadras... penso em mexer com moda... isso me atrai muito!

PBF: Quais, você acha, que são as possibilidades da seleção brasileira no Mundial de 2002?

MS: Para ser sincera não sei ainda quem estará participando desse elenco... Não poderia opinar ainda.

Bate-Bola pra encerrar:
Minha maior virtude em quadra é
MS: hoje seria o comando (segundo minhas atuais companheiras de quadra (risos...)
Meu maior defeito em quadra é
MS: mesmo que eu erre um chute, eu continuo chutando, afinal, eu quero acertar...
Um campeonato
MS: São dois: Final da Liga nacional de 1998 pelo Fluminense e Pan-Americano de 1991
Um técnico
MS: Eu sempre digo que meu melhor técnico é o técnico atual . O Marcus
Mas, a Laís Helena teve uma participação especial na minha vida.
Um time
MS: Constecca Sedoxx – Sorocaba
Uma quadra
MS: Ginásio do Tijuca - RJ
Uma colega
MS: uma colega, uma amiga, uma vida... Minha Mãe
Uma estrangeira
MS: Lisa Lesley
Uma marcadora implacável
MS: Nádia, ex-Unimep.
O jogo que eu não esqueço
MS: Os mesmos do Fluminense e do Pan-Americano
O jogo que eu tento esquecer e não consigo
MS: O tal que eu chutei a bola de três... Ninguém me deixa!!!!
A bola que eu chutei e caiu
MS: Contra a Austrália, que levou o jogo para a prorrogação e acabamos ganhando... Na 1ª Olimpíada que participamos.
A bola que eu chutei e não caiu
MS: AH! De novo não... (risos...)

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