terça-feira, 21 de março de 2006

A ponte que (não) partiu

MELCHIADES FILHO

Aquele que enxerga o copo meio cheio vai se lembrar do tricampeonato estadual, da Taça Brasil, dos dois Mundiais interclubes. Da união das grandes estrelas sob o mesmo teto e dos ginásios com 10 mil pessoas. Do time mais espetacular de todos.
Quem enxerga o copo meio vazio vai se lembrar do tabefe de Hortência em Paula, das fofocas e futricas na imprensa. Do orçamento arrombado e do uso político das conquistas. Do time mais dividido e, talvez, triste que se viu.
Mas certamente ambos hão de brindar à decisão da Ponte Preta de reinvestir nas quadras, pois, na saúde e na doença, nenhuma equipe simboliza melhor a história do basquete feminino no país.
Em 1992, quando o clube campineiro engatou sua aventura com a bola laranja, o esporte vivia sua fase áurea por aqui _graças às inesquecíveis Paula, Hortência e Janeth, ao inesquecível triunfo no Pan de Cuba, ao empreendedorismo inesquecível de Luciano do Valle e à derrama de verbas do governo Fleury, do qual a gente tenta esquecer e não consegue.
Mas nuvens carregadas já avançavam no sudeste paulista.
A disputa entre Sorocaba, "da Hortência", e Piracicaba, "da Paula", tinha transcendido as quadras e já não era tão saudável. A entrada de outra cidade da região _e ainda por cima com a camiseta de um clube de futebol_ só fez atiçar essa fogueira.
Cuspes e palavrões de repente não bastavam. Na temporada de estréia, a nova torcida recebeu Hortência e Marta com porradas.
Nada de cordialidade dentro do vestiário da Ponte, também. Algumas atletas hoje dizem que o elenco chorava pelo time de Piracicaba, desmantelado para financiar o projeto campineiro. Outras, que o humor de Paula oscilava demais.
O desconforto aumentou com a contratação da pivô Karina. Sensação na Espanha (campeã nacional e vice européia pelo Zaragoza), ela desembarcou com um salário altíssimo e a promessa topetuda de ser a melhor de todas.
A argentina, que era mesmo o puro creme do milho, acabou se entendendo com Paula. Mas, com a chegada de Hortência, o angu das vaidades desandou de vez.
Até as coadjuvantes torceram o nariz. As veteranas, porque anteciparam o tiro no pé (juntas, as estrelas deixariam os torneios sem graça e os torcedores sem referencial). As novatas, porque se enciumaram, prevendo o desdém da arquibancada e da mídia.
Além disso, as damas do basquete só conviviam respeitosamente na seleção. Nos clubes, o pau comia. O pai de Paula, por exemplo, ia aos jogos somente para xingar a "outra". Como relevar tantos anos de rivalidade tão intensa?
(Muita gente acredita que Maria Helena Cardoso desgastou-se a tal ponto para domar as ponte-pretanas que não lhe sobrou energia para exercer a autoridade e seguir treinando a seleção.)
A resposta foi dada no braço e de certa forma selou o fim, em 1994, daquele time que vencia sem prazer _e, de certa forma, o declínio do esporte como um todo.
Águas passaram, Paula e Hortência se aproximaram, e Maria Helena está de volta ao clube. Será uma experiência nova, mais complicada. No passado, a técnica administrou paixões; agora, terá de lidar com indiferenças. Saúde!


Fonte: Folha de São Paulo

Observações:

Na verdade, a Ponte Preta foi bi-campeã paulista (1992/1993). Na temporada de 1994, Paula havia deixado a equipe e retornado à Piracicaba, cidade pela qual conquistou o título de 1994, pela Cesp/Unimep, contra a mesma Ponte Preta, que contava com Hortência e Karina. As duas bateram Paula na final do Mundial Interclubes do mesmo ano.

Em relação à Karina, a jogadora já se encontrava no Brasil desde o final da década de 80 e a qualidade de seu basquete já chamava atenção desde a mesma época. A passagem pela Espanha aconteceu entre um desses intervalos de temporada, mas Karina já fazia parte do time que serviu de núcleo para a formação da Ponte: o BCN/Piracicaba, que em 1991 havia perdido o Mundial para o Constecca/Sedox/Sorocaba, de Hortência.

Por fim, a decisão de Maria Helena deixar a seleção parecia já estar sacramentada após a sétima colocação das Olimpíadas de Barcelona, em 1992.


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