‘A bola sempre vem para quem sabe jogar’

Edu Cerioni
Hortência não depende mais da bola para dar show. Fora das quadras desde a final de Atlanta-96, ela tem a cabeça e o coração voltados aos Jogos  Olímpicos do Rio, em 2016.

Trabalha para resgatar o basquete feminino como diretora da CBB (Confederação Brasileira de Basquete) e torce como louca para que seus filhos, João Victor, 14 anos,  e Antonio Victor, 13, saltem para uma vaga na equipe brasileira de hipismo. Se tiverem a mesma determinação da mãe, é barbada que disputem o  adestramento.

Nas horas que sobram de seu dia, dá palestras motivacionais para empresários e vendedores e malha muito para manter como cinquentona o corpinho que tinha aos 28 anos que lhe rendeu a capa da “Playboy” em janeiro de 1988.

“Recebi o convite e pensei: vocês vão ver minha bunda, mas vou continuar séria, vou ser eu mesma. E ainda provei que era mulher”, diz em alto e bom som, com o mesmo sotaque interiorano de sempre, arrancando gargalhadas da plateia.

Na última terça-feira, Hortência Marcari foi convidada pelo BOM DIA para participar da Convenção Anual de Vendas, em Serra Negra.

Ela entrou no auditório minutos depois de Ronaldo Fenômeno ter anunciado na TV sua aposentadoria do futebol e disse que sabia muito bem como o atacante estava se sentindo. “É um misto de tristeza por deixar aquilo que ama e de alegria, pois sei que dói tudo na gente.”

A aposentadoria da rainha, lembrou, foi especial, pois disse tchau e anunciou a gravidez ao mesmo tempo.

Hortência usa sua história de vida, que começou em Potirendaba, na região de Rio Preto, para exemplificar que o caminho do sucesso vai além do dom, tem de suar muito. Ela tem uma única foto da infância. “Família pobre, sabe como é. Não dava para fazer retrato de bebê”, contou. E se divertiu ao ver em preto e branco no telão  uma loirinha de vestidinho e bolsa. “Nem acredito que sou eu. Fala sério, gente! Eu era um moleque, corria atrás da bola o dia inteiro”.

Essa paixão pelos esportes, que  começou no futsal e passou por atletismo e handebol antes de chagar ao basquete, lhe exigiu muito para se tornar a rainha das quadras. “Só acabava meu dia depois de chutar [arremessar] mil bolas certas todos os dias”, contou.  Depois de um tempo, fazia 500 cestas em apenas 40 minutos pela manhã e outro tanto igual à tarde. Assim, rapidinho,  concentrada e precisa.

Competitividade /  Só depois de cumprir o ritual das mil cestas, ela se sentia competitiva o suficiente para rivalizar com Magic Paula, com quem duelou anos por títulos de clubes e dividiu décadas de glórias pela seleção brasileira, como o título mundial de 1994, a medalha de prata das Olimpíadas de 96 e a de ouro no Pan-Americano de Havana, em 1991. 

A foto em que ela e Paula aparecem ao lado de Fidel Castro  em cima do pódio faz parte da galeria que a rainha seleciona para as palestras. E novamente ela arranca risos de todos ao contar que vive “sacaneando” a Paula quando lhe perguntam o que o líder cubano teria dito ali. “Eu minto muito, cada hora com uma história diferente de cantada que o Fidelzito deu na Paula”.

Magic Paula não é sua amiga íntima, segundo confidenciou. Mas estão sempre conversando por telefone. Hortência garante que uma torce pelo sucesso da outra. “As pessoas não acreditam, mas torcia para a Paula fazer 40 pontos no jogo. Pois isso me motivava a fazer 50. A concorrência é saudável e a gente tem de ser a melhor para ganhar”.

Hortência diz que nasceu competitiva. “Qualquer modalidade que eu escolhesse, me daria bem”, conta, sem modéstia ou arrogância e cita um exemplo impublicável para se definir, um boi do ... branco. 

Essa certeza veio desde a escola, onde treinava com as mais velhas ou os meninos, “enquanto tinha amigas que menstruavam quatro vezes por mês só para faltar da educação física”.

Hoje ela defende que o esporte tenha mais espaço nas escolas para que o Brasil forme uma nova legião de bons atletas. Enquanto isso não ocorre, ela faz a sua parte e vai lançar escolinhas em 12 cidades do Interior.

No basquete sua ascensão foi tão meteórica que, dois anos depois de jogar uma bola na cesta pela primeira vez, chegava na seleção adulta, isso  logo aos 16 anos. Uma curiosidade marca esse primeiro contato com a “bola laranja”, como ela chama: “Uma amiga disse que não havia vaga pra mim no treino, mas eu fui ver a Marlene, que era atleta de seleção. Fui de Havaianas nos pés e não é que a Marlene me chamou. Decidi ali o que eu queria ser”.

Hortência trabalha muito para se manter no hoje, pois diz que seu futuro está garantido. “O que ganhei lá atrás é para gastar lá na frente”.

Entre um palavrão e outro que solta na maior espontaneidade (não chega a ser uma Dercy Gonçalves, mas passa perto), Hortência  dá risada quando alguém lhe elogia o corpo e depois diz que é magrinha por ser ex-atleta. “É p... nenhuma. É sacrifício, treino todo os dias”.

Ela diz que seu português é “uma bosta”, pois não teve tempo para estudar, pois estava focada no basquete o tempo todo. Era tão fissurada que ameaçava as outras atletas: “Se fumava, eu ameaçava de dedar. Chegava tarde, eu fazia pressão. Eu queria ganhar e para isso dependia da equipe. Não adiantava eu fazer 50 pontos e a gente perder”. Hortência fez a referência para reforçar a importância de se trabalhar no jornal (e isso vale para todas as áreas) em equipe. “Demorou 18 anos para que a gente fosse campeã do mundo. Foi o tempo que eu e a Paula, além das outras meninas, levamos para entender que o basquete é jogo de equipe, não dá para ter vaidade”.

Secretário de Esportes recusa parceria que 12 cidades aceitam
Hortência diz que Cláudio Bacci não mostrou interesse

Para Hortência, vencer é uma questão de TBC (“tirar a bunda da cadeira”). E, para ela, faltou essa atitude ao secretário de Esportes da Prefeitura de Sorocaba, Cláudio Bacci, que recusou incluir a cidade no projeto para lançar 12 escolinhas da modalidade pelo interior, em cidades como Jundiaí, Bauru, Rio Preto, Araçatuba, São Caetano, Taubaté e Presidente Prudente.

Em entrevista ao BOM DIA, Hortência se definiu como uma pessoa “sincericida” (“eu morro pela minha sinceridade”) e lembrou que o atual secretário foi seu preparador físico nos times da Minercal e Leite Moça (décadas de 80 e 90) e ela é madrinha do casamento do secretário, mas quando tentou trazer o projeto a Sorocaba, “ele simplesmente disse que não havia interesse, não quis nem ouvir a proposta que é boa, eu garanto, afinal tenho o patrocínio da Telefônica e a Prefeitura não teria nenhum gasto, a não ser oferecer quatro quadras cobertas para os treinamentos e professores que seriam capacitados pela Confederação Brasileira de Basquete. E essas quadras podem ser as que já existem, em qualquer escola, na periferia, onde a Prefeitura desejasse”.

Secretário nega / Por meio da assessoria de imprensa, o secretário Cláudio Bacci respondeu que foi a ex-jogadora quem deixou de manter contato com a Secretaria. “Tenho todos os e-mails para provar que mantivemos o contato e o interesse. Porém, a Hortência não nos procurou mais”. Porém, o atual secretário também não se interessou em procurar pela ex-jogadora.

Em janeiro de 2010, o mesmo secretário negou a ajuda de R$ 420 mil destinado a projetos sociais no esporte, oferecido pelo Governo Federal. Em 2011, Bacci ainda deu uma entrevista alegando que o São Bento, clube tradicional de Sorocaba, não tinha credibilidade.

A sorte de Maurren
Hortência diz que sempre brinca com a campeã Maurren Maggi, de que está deu muita sorte. Quando tinha de 12 para 13 anos, a depois rainha do basquete foi recordista sul-americana mirim do salto em distância.

Sem explicação
A ex-jogadora conta que fazia cesta que não sabia explicar depois como tinha conseguido. ”Era por puro prazer, isso fazia a diferença”, diz.

Feito um trator
“Voltei ao basquete derrubando presidente e colocando um novo na CBB (Carlos Boaventura Correa Nunes). Eu acredito que o basquete feminino possa voltar a ser no Brasil o que era”.

Grande Geraldo
A rainha conta que treinou um autista de nome Geraldo para que este lhe ajudasse na terefa das mil cestas diárias. Era ele quem devolvia as bolas.

Fonte: Rede Bom Dia