segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

ENTREVISTA - Dalila Bulcão

A pivô paranaense Dalila Bulcão Mello é dona de uma história absolutamente particular no basquete. Depois de se iniciar no esporte no seu estado natal, chegou a Santo André (SP) e ao basquete universitário norte-americano. Após cinco anos nos Estados Unidos, foi surpreendida no retorno ao Brasil com uma convocação para a seleção brasileira – sua primeira (e única). Garantiu vaga no time que disputaria o Mundial da Austrália (1994). E voltou do outro lado do mundo como jamais sonhara: campeã mundial. Logo após voltar da conquista, se afastou definitivamente do basquete profissional, aos 23 anos. Por esses anos, a história de Dalila sempre me pareceu enigmática. No começo do ano, motivado pelas notícias da participação da atleta no Centro de Desenvolvimento do Basquete de Curitiba (CDBC) e pela aproximação do aniversário de quinze anos da conquista do Mundial, procurei Dalila. Ao contrário do que poderia parecer, encontrei uma apaixonada pelo basquete, que não disfarça o amor ao esporte e o entusiasmo nos seus relatos do passado (Mundial-94), do presente (CBDC) e até nos sonhos para o futuro. Ouvindo-a, sua história segue inusitada, mas ganha uma coerência absoluta. Durante a realização da entrevista, Dalila foi surpreendida com seu afastamento da coordenação do CBDC, em função de mudanças na federação local, que incluem a chegada de Hortência, parceira de Dalila na conquista de 1994, à direção da entidade.

(1) Em maio do ano passado, foi lançado em Curitiba o Centro de Desenvolvimento do Basquete, projeto do qual você é uma das coordenadoras, ao lado da Joyce e do Rolando, também ex-jogadores da seleção. Como está estruturado o projeto?

O CDBC era patrocinado pela SMEL (Secretaria Municipal de Esporte e Lazer) de Curitiba, pela UNIMED e tinha o apoio da Federação Paranaense de Basquetebol.
Através da secretaria, trabalhávamos com nove regionais da prefeitura, ou seja, nove comunidades dentro da grande Curitiba; envolvendo no total 700 crianças (meninos e meninas) de 11 a 17 anos.

As aulas eram ministradas três vezes por semana em cada regional pelos professores da SMEL, juntamente com os nove estagiários, que foram contratados por já terem alguma experiência como jogadores de basquetebol.

Dividimos as nove regionais em três grupos que nomeamos ‘conferências classificatórias’, como na NBA, sendo que os campeões de cada um destes grupos foram às finais. Então foram quatro finais de semana de muitos jogos. Em cada fim de semana, convidávamos profissionais do basquetebol de clubes e colégios particulares para participarem do evento como olheiros.

Desta forma estávamos chegando ao nosso objetivo de oferecer a essas crianças uma oportunidade de vida através do nosso esporte.

(2) Sua função no projeto é mais burocrática ou você se envolve na área técnica (aulas, treinos, etc.)?

Tinha dupla função no CDBC. Além de coordenadora, já trabalhava na SMEL como professora desde 2004, procurando talentos na Regional Matriz, na Praça Plínio Tourinho. Preferi continuar e administrar as duas funções com a ajuda dos meus colegas e dos meus estagiários. Tiramos de letra. E foi muito gratificante!

(3) Sua parceira no projeto é a Joyce, pivô campeã do Pan-1991, com a seleção. Você já a conhecia antes ou se conheceram só em função do Centro?

Joyce e eu já nos conhecíamos. Jogávamos pelo mesmo time em 1985, no CEFET aqui de Curitiba e também jogamos uma vez juntas pela seleção paranaense, mas éramos de categorias diferentes.

Desde que nos reencontramos por acaso aqui em Curitiba em 2007, descobrimos que temos uma história de vida muito parecida em todos os aspectos. Desde então nos tornamos irmãs. Além de trabalharmos juntas, sempre viajamos jogando na categoria master pela ABVRJ e pela seleção Brasileira. É só alegria!

(4) Quais foram os resultados desse primeiro ano do CDBC?

O resultado do CDBC 2008 foi o melhor possível. Foi acima da nossa expectativa e realmente muito gratificante! Conseguimos encaminhar muitas crianças para escolas e clubes e também aumentamos a popularidade do basquetebol aqui em Curitiba.

(5) A Hortência tem participado de alguns eventos da Federação Paranaense. Você acredita que a presença dela possa ajudar a fortalecer o basquete no Estado e mesmo o CDBC?

Sim.

(6) Esse ano completam-se 15 anos da conquista do Mundial da Austrália. Você foi a grande surpresa daquela convocação. Hoje, você sabe exatamente como o (técnico) Miguel Ângelo chegou ao seu nome? Parece que houve uma reportagem em um jornal paulista sobre você, não é?

Sim. Mas na realidade fui convocada por minha boa estatística no campeonato universitário da NCAA [médias de 18 pontos, 10,4 rebotes e 3 tocos, na temporada 93/4].
Joguei cinco anos pela West Texas A&M University de Canyon, Texas, ganhando 100% de bolsa de estudos, moradia e alimentação.

Meu falecido pai, João Bulcão, era meu maior fã e enviava as reportagens dos jornais texanos com todas as estatísticas possíveis de cada partida para o presidente da Federação Paranaense da época, o Fernando Sanches. Foi graças a eles que fui convocada para aquela seleção de 1994.

Naquele ano, havia me formado na WTA&UM e estava pensando em voltar para o Brasil, pois meu noivo na época e minha família estavam me esperando depois de cinco anos fora. Quando cheguei a São Paulo, eles me comunicam uma notícia destas: não acreditei! Foi muito louco! Fui direto do aeroporto me apresentar à seleção em São Roque (SP).

(7) Tudo aconteceu muito rápido e em três meses você era campeã mundial. Como foram os meses de treino e a disputa do torneio?

Nossa! Caí de pára-quedas: diretamente do Texas para a seleção. Eu era totalmente desconhecida, tinha que ganhar meu espaço e me adaptar à situação e mostrar que poderia ajudar a equipe dentro da quadra. Me sentia muito pressionada psicologicamente, no meio de tantas grandes e famosas jogadoras.

Mas sempre encarei meus desafios com muita garra e humildade. Ainda assim, foi muito difícil. De quinze jogadoras doze iriam ficar e todas as quinze mereciam fazer parte daquela equipe [as três atletas cortadas foram a armadora Sandra Prande, a ala Sílvia Luz e a pivô Yngrid].

Ficamos um mês em São Roque, um mês fazendo amistosos em várias cidades do Nordeste contra a seleção de Cuba e mais um mês na Austrália.

Embarcamos para a Austrália sabendo que iríamos ter que jogar muito e ter muita sorte para chegar às finais. Fomos adquirindo o respeito das outras equipes ao longo da competição e ficávamos mais unidas a cada partida. Senti que naquela seleção a união fez a força em todos os aspectos dentro e fora da quadra literalmente.
Joguei muito pouco. Não estava habituada àquela situação. Sempre tínhamos uma preparação psicológica entre os jogos que também nos fortalecia. De certa forma, sabia que junto com minhas guerreiras parceiras estávamos ajudando a equipe mesmo não atuando dentro da quadra.

Quando jogamos contra os Estados Unidos, chegamos humildes sabendo que não tínhamos grande chance. O ginásio era gigantesco e estava lotado, lembro de uma pequena torcida de brasileiros que sempre estava lá no meio gritando nossos nomes, mas naquele dia todos que estavam lá torciam pelo Brasil.

Percebemos que as americanas achavam que seria mais uma jogo, mas para nós aquele seria o jogo que ficaria para a história do basquetebol.

Depois que ganhamos delas, percebemos que naquele mundial a sorte estava do nosso lado. E garra nunca nos faltou. O jogo seguintes o contra a China foi demais e inesquecível! O tempo parecia não passar. Quando o jogo terminou, foi só alegria, não estávamos acreditando. Depois de tanta euforia, entramos no ônibus para voltarmos para o hotel e todas estávamos sentadas em silêncio tentando cair na real. Nunca esqueço desta cena, a Paula levantou e gritou: “Somos campeãs do Mundo!”. Ninguém acreditava! Ficávamos imaginando como seria a recepção aqui no Brasil.

Quando retornamos ao Brasil, foram dias de glória inesquecíveis. Fomos receber do Presidente da República a medalha de honra ao mérito em Brasília. Participamos do Criança Esperança. Lembro que ficamos no mesmo camarim que os artistas e todos vinham nos cumprimentar. Nossa, quem diria!

Mas o que ofuscou nossos dias de glória foi a conquista do futebol naquele mesmo ano. Pra variar, ficamos esquecidas em segundo plano.



(8) Logo depois da conquista, você esteve rapidamente no time de Guarulhos, treinado pelo Haroldo Evans e em seguida deixou de atuar. Como foi esse período e a tomada dessa decisão?

Quando vim dos Estados Unidos, já pensava em parar de jogar. Estava cansada da vida de atleta. É muito sacrificante. Queria ver como era ter uma vida normal. Queria dizer correr atrás da minha carreira profissional, aproveitar o meu diploma, que havia sido conquistado com muita luta.

Fui para Guarulhos por causa da insistência do meu ex-noivo. Ele dizia que tinha que aproveitar o momento. Mas não queria mais. Queria voltar pra minha cidade e ter uma vida comum junto da minha família. Por isto fiquei lá pouco tempo e logo voltei para Curitiba.

(9) Em algum momento, você chegou a exercer a agronomia, curso pelo qual você se formou na West Texas A&M University? Alguma de suas colegas da universidade teve sucesso algo comparado ao seu?

Voltei para o Paraná e corri atrás de emprego na área. Mas vi que aqui teria muita resistência por ser uma profissão machista. Acabei conseguindo emprego na escola Internacional de Curitiba e em uma escola de Inglês.

Em relação a minhas colegas no Texas, algumas ganharam o título de All American na NCAA, mas nenhuma delas conquistou um título mundial.

(10) Quinze anos após a conquista, você ainda mantém contato com as jogadoras do grupo ou com a comissão técnica da época? Quais?

Nossa equipe de 1994 se reuniu duas vezes depois do Mundial: na festa de 70 anos da CBB no Rio, e na comemoração dos 10 anos do Mundial, em São Paulo.

Encontrei a Roseli no sorteio do último Mundial em São Paulo (2006). Mas ultimamente tenho mais contato por e-mail com a Helen.

Paula, a encontrei em João Pessoa no Brasileiro Master em Novembro de 2008.

A Hortência, só a vi no lançamento do nosso projeto.

(11) Você tem disputado alguns torneios na categoria master ao lado de jogadoras como a Marta e a própria Joyce. Me fale um pouco dessas experiências.

Essa é a melhor fase de nossa carreira! Ser uma jogadora master é muito bom, porque é um hobby ! Claro que temos que ter mesma garra e disposição de antigamente, mas dentro de nossos limites.

Digo sempre que participar destas competições é viver um flashback, com muito alto astral! Volto rejuvenescida!

Reencontrei muitas amigas e fiz muitas novas amizades. Há a Suzete, a Joyce, a Marta, a Silmara, que continua jogando como nos velhos tempos, a Margarete, a Inês, a Ruth, a Wanda, o Marquinhos, o Carioquinha, o Israel, o Gérson, o Nilo, o Rogério Fernandes, que também jogou no Texas, o Alexei, e até meu irmão está participando: o Rodrigo Bulcão.

(12) Bate-bola pra encerrar:

Um técnico: Bob Schneider [técnico da West Texas por 23 anos]
Uma jogadora: Paula
Uma cidade: Curitiba
O jogo que eu não esqueço: Brasil x Estados Unidos
Um lance que eu não esqueço: a Leila arremessando nos últimos segundos da final Brasil x China. Ela jogou muito!
Uma frase: Nada acontece por acaso.
Uma música: Glory Days, do Bruce Springsteen.
Um filme: Coach Carter
Um livro: O Segredo
Um sonho: Ter saúde e disposição para jogar basquete até os 70 anos.

7 comentários:

Anônimo disse...

Amiga, parabéns!
A cada dia sinto mais orgulho em te-la como companheira, amiga, nesta viagem, que chamamos de vida! Você é um exemplo de ser humano a ser seguido!Sofremos decepções e injustiças, mas se Deus está nos fechando uma janela é pq não quer que pessoas honstas sofram! E pode ter certeza amiga, ele vai abrir sim portas, pq pessoas do bem entram pela porta da frente! Você é mto especial e merece tudo de bom!
Joyce

Anônimo disse...

Amiga, parabéns!
A cada dia sinto mais orgulho em te-la como companheira, amiga, nesta viagem, que chamamos de vida! Você é um exemplo de ser humano a ser seguido!Sofremos decepções e injustiças, mas se Deus está nos fechando uma janela é pq não quer que pessoas honstas sofram! E pode ter certeza amiga, ele vai abrir sim portas, pq pessoas do bem entram pela porta da frente! Você é mto especial e merece tudo de bom!
Joyce

Anônimo disse...

Que show amiga!!!
Parabéns pela homenagem!
Isso é só um pouquinho do que vc merece. Pelos anos dedicados ao basquete, por representar Ctba tao bem e ter orgulho disso, e por ser essa "pessoinha" que, além do tamanho, tem um coraçao enorme e um sorriso maior ainda!
Com certeza vc vai ter pique pra ir mto além dos 70!
bjos,
Déinha

Anônimo disse...

De arrepiar a resposta sobre o Mundial!!!

Aline disse...

Demais ler sua entrevista !! A sua história é realmente muito particular no meio do basquete ! Me emocionei qdo parei pra refletir e percebi que joguei com você em três fases muito especiais da sua vida. No começo, na época de colégio, depois no seu auge (já campeã mundial), naqueles jogos em Jacareí,... e agora como master, numa equipe maravilhosa, onde a gente só tem alegria e prazer em jogar !!!!
Além de uma grande jogadora, te admiro como amiga, sempre tão receptiva e carinhosa !
Tenho certeza que essa existência te reserva um lugar melhor onde você possa mostrar ainda mais seu grande valor !
Sucesso pra você, Dali !!
Beijos
Aline (Curitiba)

Anônimo disse...

Muitoo fera!! =D
Parabens Dalila, vc merece isso e muito mais. Li toda sua entrevista, e ja sabia a mioria das coisas, mas uma coisa tão bela tão inspiradora ñ só como atleta e sim como um ser humano. Vc é um exemplo d vida pr todos. Agradeço muito a Deus por te-la em minha vida..
Obrigado por tudo Dalila ( mãe =D)!!
Beijos

Anônimo disse...

TEM COMO ALGUÉM AVISAR QUE A MÚSICA QUE ELA MAIS GOSTA É DO Bruce Springsteen.

http://en.wikipedia.org/wiki/Glory_Days_(song)