domingo, 20 de novembro de 2005

Modalidade de rua ganha seu primeiro local de treinos no país em Madureira, bairro carente da zona norte do Rio

Rappers põem CT de R$ 4 mi sob viaduto



SÉRGIO RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO


Garotos jogam basquete de rua debaixo do viaduto Negrão de Lima, no Rio, onde será erguido o primeiro CT da modalidade no paísHá cerca de cinco anos apenas uma brincadeira de festival de rap no Rio, o basquete de rua se popularizou nos subúrbios da cidade e ganhará agora o primeiro centro de treinamento do país.
Liderada pelos irmãos rappers MV Bill e Nega Gizza, a Cufa (Central Única das Favelas) vai começar a construir na próxima semana o CT, que pretende reunir atletas das comunidades cariocas.
Inicialmente com duas quadras e uma estrutura para abrigar os jogadores, o centro será erguido debaixo do viaduto Negrão de Lima, em Madureira, o bairro mais popular da zona norte do Rio.
O espaço contará com uma pista de skate e um centro cultural para cursos de grafite, DJ, dança de rua e teatro. A obra, de R$ 4 milhões, será bancada pelos ministérios do Esporte e da Educação, Secretaria Municipal das Culturas, Eletrobras e Fundação Ford.
""O primeiro contato que tive com o basquete de rua foi durante um show meu. Um negão pegou uma latão e uma galera começou a jogar ouvindo o som. O jogo começou a esquentar e, quando fui reclamar, levei um vaia imensa. A partir daí, todo o pessoal do movimento hip hop do Rio começou a dar força para o esporte, que só vem crescendo", disse MV Bill.
Neste ano, a Libbra (Liga Brasileira de Basquete de Rua), coordenada pela Cufa, reuniu cerca de 1.500 atletas para um Nacional, que contou com 160 equipes.
""O basquete de rua mudou a vida de quase todos aqui. No meu caso, troquei o corte de cabelo e sou mais ousado nas atitudes, uma das coisas que aprendi nas quadras", disse Alan Martins, 20, morador de Paciência, zona oeste do Rio, que joga nos ""Rebeldes".
Como Martins, a maioria dos atletas mora no subúrbio, adota o estilo dos jogadores da NBA (liga norte-americana de basquete), gosta de rap e começou a praticar o esporte bem longe dos clubes.
""Quase todo mundo é duro e iniciou no basquete de rua improvisando bola, fazendo lata de lixo de cesta", disse o desempregado Alan Sabino, 19, que joga no TIB (Time Independente de Basquete), que reúne jovens de vários bairros da zona oeste do Rio.
Eles não escondem o sonho de se tornarem profissionais no basquete de quadra, mas reconhecem que a dificuldade é grande.
""O que queremos mesmo é nos divertir", declarou Sabino.
Para Nega Gizza, coordenadora da Cufa e da Libbra, o objetivo inicial do CT não é formar atletas ou preparar equipes especificamente como os centros de treinamentos de esporte de alto rendimento.
"Antes mesmo de criar um atleta profissional, queremos é valorizá-los e ajudar a abrir a porta para o mundo", disse Nega Gizza.

FRASE

"Fico feliz com o sucesso da Cufa [Central Única das Favelas] e do basquete de rua. O trabalho que eles vêm fazendo ajuda a popularizar o nosso esporte, além de ser um belo exemplo de inclusão social"

--------------------------------------------------------------------------------
GERASIME BOZIKIS
presidente da Confederação Brasileira de Basquete

SAIBA MAIS

Ruas dos EUA contam até com "versão" da NBA


Mais conhecido centro de basquete de rua, os EUA acabaram virando referência para o esporte. Surgido nas ruas de Nova York e Washington por volta de 1900, o "streetball", como também é conhecido, acabou deixando as periferias e ganhando adeptos por todo o mundo.
Hoje, além dessas cidades, Chicago e Los Angeles, assim como Alemanha, Porto Rico, Israel, Argentina e Espanha são locais em que o esporte tornou-se popular.
Nos EUA existem ligas em várias cidades e desde 2001 o país conta com a "Street Basketball Association", uma versão da NBA que conta com 13 times e possui duas divisões, Central e Oeste.
A maneira de jogar é semelhante à do basquete convencional. Geralmente só um lado da quadra é usado e o número de participantes pode variar de dois a cinco por time. A principal característica do basquete de rua é o fato de ser mais criativo e plástico que seu "irmão". Como seus atletas têm muita habilidade, o esporte serve de vitrine. Shaquille O'Neal, por exemplo, foi descoberto quando jogava nas ruas da Alemanha, onde seu padrasto servia ao Exército.

Esporte é ferramenta para unir comunidades

O basquete de rua é usado pela Cufa (Central Única das Favelas) como uma forma de tentar ""pacificar" os jovens pelo esporte.
"Tentamos sempre, ao máximo, misturar os times com jogadores de diferentes comunidades. Não podemos ficar estimulando dentro da quadra a rivalidade das comunidades. Uma das equipes de destaque reúne atletas da Cidade de Deus e do Complexo da Maré", disse MV Bill, referindo-se a duas favelas que contam com organizações adversárias no comando do tráfico de drogas.
A construção do centro de treinamento em Madureira também foi uma estratégia para evitar que conflitos entre criminosos dentro de comunidades atrapalhassem o funcionamento do espaço.
""Madureira é um campo neutro, um bairro muito populoso e que está perto de várias comunidades. Por isso, gostamos daqui", disse Bill. O Complexo da Maré conta com a maior Vila Olímpica da Prefeitura do Rio, que é constantemente fechada por causa de conflito entre traficantes.
""Além de colocar os times para treinar e jogar basquete, vamos fazer escolinhas para as crianças usando atletas como professores", acrescentou o rapper.
Nos dias 25, 26 e 27, a Libbra vai realizar uma competição de basquete de rua durante o Hutúz, um dos maiores festivais de rap do país. O campeonato, que contará com equipe de São Paulo, será realizado numa quadra improvisada no Armazém Cinco, na praça Mauá, zona portuária carioca. Ao todo, 32 times estarão na disputa, e será dado um prêmio de R$ 1.000 para o vencedor.
As equipes terão em quadra apenas três jogadores. (SR)

Fonte: Folha de São Paulo


Nenhum comentário: