terça-feira, 30 de agosto de 2005

Vaiavivavôlei

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

Digo que é muito fácil ser ouro no vôlei, que se trata de um esporte diminuto e sem apelo global, que não há outro campeonato nacional de qualidade fora do eixo Itália/Japão/Brasil.
Sustento que o propalado exemplo de administração não passa de um castelo de cartas erigido sem transparência pelo dinheiro público, que tudo desabaria sem o patrocínio do Banco do Brasil.
Afirmo que o jogo empolga pouco, mecânico e repetitivo.
Recorro a boçalidades que realmente nada têm a ver comigo. "Vôlei e masculino não podem conviver na mesma frase!"
Rejeito até as boas lembranças da infância, o prazer de sacar "por cima", as partidas improvisadas com a rede estendida sobre o asfalto. Tento me convencer de que tudo foi só estratégia para me aproximar das levantadoras e daqueles shortinhos cavados de lycra -que, não obstante, eram mesmo beeeem interessantes.
Como todo basqueteiro, eu me enervo com o sucesso do vôlei. Não fosse a liturgia do cargo e o compromisso tácito com o leitor, ai desses xaropes que se abraçam a cada pontinho. Afunda, Melk!
Mas aí desembarco do fim de semana de descanso e leio a entrevista de José Roberto Guimarães na contracapa deste caderno: "Nosso jogo está muito feijão-com-arroz. A gente precisa incrementar, sair dessa mesmice. Eu passo 30, 40 minutos por treino fazendo bola em dois tempos, e usamos isso no jogo uma única vez. Isso irrita. As levantadoras precisam arriscar mais. Vai delas quererem aprender e fazer".
Reparo que em nenhum momento o técnico faz festa para a seleção feminina, que acabava de selar a classificação para o Mundial de 2006, sem perder um único set, diante do ginásio lotado de Cabo Frio e das câmeras da TV.
Recordo-me de outra entrevista, de Escadinha, considerado o melhor líbero do planeta, acerca do trabalho de Bernardinho: "Uma vez eu estava treinando sozinho com ele e só tinha 30 minutos de quadra. Ele acabou comigo. Às vezes você acha que, pelo fato de estar sozinho e com pouco tempo, não pode trabalhar direito. Isso não existe, você pode fazer o melhor treino da sua vida".
Disparo um google, avanço a madrugada e noto que Zé Roberto e Bernardinho não costumam falar em "detalhes" ou "sorte".
Garimpo em vão por declarações deles que sejam reconfortantes -um "nós estamos no caminho certo" ou um "faltam somente pequenos ajustes".
Percebo que, para ambos, campeões olímpicos e ainda assim inconformados, os ajustes à sua frente nunca s(er)ão pequenos.
Lembro que os dois buscaram conhecimento no exterior, estudaram a geometria do esporte, compreenderam a importância da capacitação atlética para o sucesso de uma equipe. Que, sem cerimônias, implodiram estruturas da "escola brasileira" e construíram outras. Que inventaram um novo jeito de treinar e jogar.
Constato que o basquete nacional nunca se atreveu a dar esse passo. Que, sem foco e atitude, ainda trabalha como se o "desmico" fosse a última das bossas.
Descubro como o vôlei é legal.

Cortada 1

Ter convocado adolescentes para o grupo de treino foi uma decisão sábia da comissão técnica. Caio e Rafael, tapa-buracos de última hora, estão penando na Copa América. Mas imagine ter de pedir socorro a pivôs veteranos que nem engataram a pré-temporada por aqui...

Cortada 2

Nossos pivôs pegaram mais rebotes no ataque (32) do que na defesa (28), sinal de falta de balanço defensivo. O time se atira todo à tabela do adversário e abre a retaguarda. Por isso toma tantas cestas bobas.

Cortada 3

Os brasileiros deviam treinar mais bandejas. São em média quatro cestas fáceis desperdiçadas por partida até agora em Santo Domingo.


Fonte: Folha de São Paulo

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