sábado, 30 de abril de 2005

Para Harrison e Starr

Alessandro Lucchetti

É raro ouvir uma personalidade do vôlei, aquele esporte que muitos basqueteiros amam odiar, falar bem do basquete. Mas esse evento pouco freqüente ocorreu esta semana. José Roberto Guimarães, técnico da seleção feminina de vôlei e recém-contratado para o time masculino da Unisul, abordou o assunto basquete em meio à cruzada antimusas em que se lançou, talvez de forma quixotesca.

Entenda-se bem: o treinador não quer ver no grupo que comanda comportamento de musa, de diva. Não suporta detectar que a preocupação com a imagem, natural em quase todas as mulheres, prevaleça sobre o interesse coletivo. Zé Roberto quer atletas se entregando sem melindres aos exercícios de musculação. Sonha com profissionais capazes até de tornar o corpo mais masculinizado, mas também mais eficiente para ganhar jogos.

José Roberto deu uma declaração que deve ter perturbado o humor de Ary Graça, presidente da CBV, mas agradou a muitos de nós, basqueteiros cheios de nostalgia. Disse o técnico tricampeão da Superliga que o vôlei feminino brasileiro nunca subiu ao degrau mais alto do pódio em edições dos Jogos Olímpicos ou do Mundial porque jamais foi capaz de formar um grupo em que o espírito guerreiro prevalecesse.

Para júbilo dos fãs do basquete, o treinador lembrou que o único time feminino brasileiro que de fato se consagrou internacionalmente foi a seleção de basquete que triunfou no Mundial da Austrália/94.

O atento Zé Roberto percebeu o que muitos cronistas não especializados deixaram de ver, talvez porque pegaram no sono durante os jogos daquela competição inesquecível, transmitidos em horários pouco convidativos: aquele time virtuoso era também, e na mesma medida, guerreiro.

A parte da mídia que é preguiçosa e sabe analisar futebol e olhe lá, viciada em enaltecer o vistoso talento de Paula e a eficiência de Hortência, deixou de dar, na época, o devido crédito às moças que dão tom, as carregadoras de piano. Aquele título de 11 anos atrás teria sido impossível sem a colaboração da habilidosa e objetiva Janeth, da incansável guerreira Alessandra e da não menos brava Leila, uma fantástica roubadora de bolas. Não podemos nos esquecer também do técnico Miguel Ângelo da Luz, que teve a humildade de se contentar com seu papel e não atrapalhar, não extrapolar.

Recebendo da CBB sempre uma fração da atenção e profissionalismo que a CBV sabe proporcionar, as jogadoras de basquete se acostumaram a não cultivar frescurites.
O ego, esse componente da personalidade que os esportistas de renome têm tanta dificuldade de administrar, também foi manejado com habilidade por aquele competente time de 94. Paula e Hortência aprenderam a ver o mundo do basquete a partir de uma perspectiva em que a dualidade sempre esteve presente. Se em algum momento uma delas se achou a "tal", logo caiu a ficha de que havia outra tal e qual.

E a felicidade se tornou completa quando Janeth, aquele poço de competência, se juntou à companhia. Que grupo não seria maravilhoso com um trio de virtuoses? Apostar no fracasso de um time desses é a mesma coisa que não observar o que John Lennon, Paul McCartney e o melhor instrumentista dos Beatles, George Harrison, poderiam fazer nos tempos do Cavern Club.

O último a chegar foi o homem da cozinha, Ringo Starr. Qual baterista não admira o que ele fez no álbum Revolver, por exemplo. Naquela saudosa seleção, o mesmo ocorreu. A turma que dá o ritmo, as pivôs, acrescentaram a competência que faltava. Que pena que o sonho acabou...


Fonte
: Basket Brasil

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