sábado, 27 de dezembro de 2003

Ótima Matéria do Jornal O Globo (RJ):

Bola bem longe do aro

Rogério Daflon

Mesmo sem ser inflada pela Confederação Brasileira de Basquete (CBB), a bola delas está bem mais cheia que a deles. O basquete feminino tem mesmo mostrado serviço. Ao contrário da masculina, a seleção comandada na quadra por Janeth conseguiu no Pré-Olímpico do México a única vaga para os Jogos de Atenas para os países das Américas. O passado recente também é brilhante. Nas Olimpíadas de Atlanta-1996 e Sydney-2000, as mulheres garantiram a prata e o bronze, respectivamente. Sem falar na conquista do Mundial, em 1994, na Austrália. Mas o Nacional Feminino de 2003, que entrará na fase semifinal no próximo dia 3, não está à altura do currículo da modalidade.

O torneio só contou com oito times inscritos, seis deles de São Paulo. Além do mais, o Nacional é pouquíssimo competitivo. A equipe de Ourinhos (SP), que tem Janeth como estrela, é a melhor com sobras (no dia 3, Ourinhos enfrentará o Uberaba-MG; e no dia seguinte, jogam São Caetano-SP e Americana-SP). Já o Campeonato Nacional Masculino, que começará a 25 de janeiro, terá o dobro de times do torneio feminino.

— O basquete masculino não ganha nada importante desde o Pan-Americano de Indianápolis-1987 (o Brasil seria campeão em Winnipeg-1999, num evento de nível bem inferior). Mas o masculino é prioridade na CBB, nas federações e nos clubes. A mentalidade machista dos dirigentes influencia esse tipo de coisa. A CBB, por exemplo, nunca teve um diretor de basquete feminino — disse a ex-jogadora Paula, que divide com Hortência a condição de maior ídolo da modalidade.

Hortência, por sinal, traz outra visão do problema:

— Enquanto não se mudar a política esportiva do país, com o governo priorizando as confederações em detrimento dos clubes, os clubes não terão como investir e formar novos times.

Paula também chama atenção para o fato de o mercado externo estar de olho nas brasileiras. Muitas delas jogam na Europa e nos Estados Unidos, em busca da estabilidade que não encontram no Brasil. Assim, o país deixa de ter, por exemplo, uma jogadora do nível da ala-armadora Iziane, de 21 anos, que joga no basquete espanhol e ajudou o Brasil a ganhar a vaga olímpica. De férias no Maranhão, onde nasceu, ela critica a CBB, mas diz que a entidade não é a única responsável por isso.

— Eu jogava no BCN Osasco (SP) quando o time foi desfeito. Como não tinha segurança de jogar no Brasil, fui para o exterior. É claro que não posso pôr a mão na cabeça da CBB. Mas há outros fatores. Nós jogadores deveríamos nos unir e falar sempre das conquistas do basquete feminino. Não falta só a CBB trabalhar o marketing do basquete feminino; as atletas têm de valorizar mais o seu próprio esporte que tantos títulos internacionais deu ao país— comentou Iziane, que, embora muito jovem, já passou pelo basquete francês e pela WNBA (liga americana).

Janeth pede que CBB repatrie atletas

Para Miguel Ângelo da Luz, técnico do time feminino campeão mundial em 1994, o basquete feminino tem menos investimento do que o masculino por uma questão de cultura.

— Não é à toa que mais de 15 grandes jogadoras estão jogando no exterior. Espero que esse tipo de mentalidade mude no país. O retorno será imediato — disse o técnico.

De fato, jogadoras do time que conseguiu a vaga olímpica estão espalhadas pelo mundo: Helen atua na Rússia; Cíntia, Alessandra Kelly, na Itália; e Adrianinha, na Espanha. Há outras com passagem pela seleção que preferiram o caminho do aeroporto. Adriana Santos e Claudinha, por exemplo, atuam em equipes francesas. Janeth, a melhor jogadora do país, é categórica ao falar do assunto. Diz que a CBB deveria fazer tudo para repatriá-las. Mas sabe que há muitas dificuldades neste percurso.

— Seria muito mais fácil para a CBB repatriar nossas grandes jogadoras, se as TVs abertas transmitissem mais basquete. Mas o interesse comercial fala mais alto. O futebol tem a preferência porque dá mais retorno. Mas que o basquete daria um salto em seu crescimento, daria, pois seria muito mais fácil atrair empresas para o nosso esporte — afirmou.

Fonte: O Globo

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