domingo, 20 de janeiro de 2008

Basquete Feminino vive dias de penúria
Depois das décadas de glória da geração Paula e Hortência, esporte mergulha no ostracismo

Heleni Felippe


As estrelas Hortência e Paula já deixaram as quadras há uma década. E, desde então, o basquete feminino brasileiro vive de saudades. Saudade do tempo dos campeonatos competitivos, dos ginásios lotados e de espaço na mídia. Hortência deixou o basquete em 1996; Paula, em 98. Formaram a geração de ouro, campeã mundial na Austrália/94, e de prata, vice olímpica em Atlanta/96. Uma época marcada por grandes confrontos de clubes, como Sorocaba e Piracicaba. Hoje, às atletas em atividade resta sentir inveja daqueles tempos.

Os grandes patrocinadores do basquete feminino minguaram. Os clubes perderam suas estrelas e, também, jogadoras que nunca atuaram pela seleção, para equipes do exterior. "A situação ideal era não ter o êxodo de atletas, mas isso não é exclusividade do basquete. Acontece no vôlei, handebol e futsal. Se todas as atletas atuassem no Brasil - são mais de 100 no exterior - poderíamos ter duas divisões", analisa o técnico Paulo Bassul, da seleção brasileira e do time de Ourinhos, atualmente a primeira força do Campeonato Nacional.

O desnível técnico do torneio se reflete em placares de jogos que parecem reunir um time de escola contra um profissional. A maior diferença, de 90 pontos, foi na partida entre Catanduva e Botafogo (136 a 46). As equipes do Rio foram saco de pancada (leia ao lado). E vão ocupar as três últimas posições na classificação do Nacional.

"Sabemos das dificuldades dos times do Rio, com meninas juvenis em quadra para amadurecer", afirma a ala Iziane, a única estrela da seleção no Nacional, jogando pelo time de Ourinhos. O time do Fluminense, por exemplo, chegava à cidade em que jogaria no dia da partida para não ter de pagar hospedagem. "Ginásio lotado mesmo só vi em Catanduva", diz Iziane. O SporTV mostrou um único jogo na fase de classificação, entre Ourinhos e Catanduva.

Bassul concorda que a diferença de orçamentos e elencos cria disparidade técnica, mas acha que "para as novatas é bom participar desse tipo de competição".

Ourinhos terminou em primeiro a fase de classificação com 93,8% de aproveitamento em 16 jogos (15 vitórias e 1 derrota). Açúcar Cometa/Unimed/Catanduva em segundo (14 vitórias e 2 derrotas). São Bernardo/Metodista em terceiro, seguido por Santo André (quarto), Sport/Maurício de Nassau, de Recife (quinto) e Adiee/Florianópolis (sexto). As posições de Botafogo e Fluminense, sétimo e oitavo lugares, dependia da rodada de ontem. Teresópolis ficou em último. As quartas-de-final começam amanhã, em Ourinhos.

O técnico Paulo César Rodrigues de Souza, do Teresópolis, explicou que a Universidade Salgado de Oliveira entra com bolsas de estudo e a prefeitura, com ajuda de custo (o da ala Júlia é de R$ 400 por mês) e o custeio da infra-estrutura.

O supervisor Sérgio Mauro Paris disse que o projeto consumiu R$ 22 mil no Nacional (inteiro), mas que o time só entrou para participar e mostrar a estrutura esportiva de Teresópolis - "tem ginásio para 4.500 pessoas, sala de emergência e vestiários bons. O vestiário de Ourinhos é como banheiro de rodoviária."

O ginásio de Ourinhos, o Monstrinho, pertence à prefeitura. Acanhado, sofre com apagão e goteiras. Mas o time tem comissão técnica completa - técnico, assistente, preparador e fisioterapeuta - e elenco forte. Investe R$ 1,2 milhão por ano, graças a um pool de patrocínios (Colchões Castor, Unimed e prefeitura). O nome do time ainda tem a sigla FIO, uma contrapartida à ajuda que recebe do usineiro Francisco Quagliatto, o Chicão, que, inclusive, paga o salário da estrela Iziane. "A opção foi investir no time. Não temos recursos para marketing, como no vôlei, ou para divulgar os jogos", explica Antônio Passos, presidente do clube.

Bassul defende política para fortalecer clubes

O técnico da seleção brasileira feminina de basquete, Paulo Bassul, observa que se a Lei Piva (2% dos prêmios de todas as loterias federais) resolveu o problema das confederações e das seleções olímpicas, os clubes ainda se ressentem de uma política esportiva. "Nos EUA, o incentivo é para escolas; na Europa, para os clubes. Há dez anos tínhamos todas as brasileiras e até estrangeiras de ponta no Nacional. O êxodo é econômico. Se houvesse fluxo de investimentos, elas voltariam."

Números assustam: 100 brasileiras no exterior


A falta de competitividade, os baixos salários e o talento individual tornam as jogadoras brasileiras disponíveis para o mercado exterior. A lista de transferências de 2007/2008 da Confederação Brasileira de Basquete mostra 34 atletas atuando na França, Portugal, Espanha, Alemanha, Polônia, Letônia, Bulgária, Bélgica, Itália, Hungria, Inglaterra e Suécia. A maioria (12) está na Espanha.

A lista, porém, não traz nomes de jogadoras que se transferiram há muito tempo, como a ala Adriana Santos, que começou na geração de Paula e Hortência e está na França há seis anos - atualmente nos Istres, da Segunda Divisão. Também não registra as transferências das meninas que atuam em times universitários americanos. Os técnicos calculam que sejam mais de 100 brasileiras no exterior.

"A Monar, de 20 anos, treinou com a seleção do Mundial Sub-21. Ela estava nos EUA desde os 16 anos e o pessoal nem se lembrava dela. A Nádia, de 17 anos, que atuou no Mundial Sub-19, está na Espanha", enumera o técnico Roberto Dornelas, do Sport Recife, assistente-técnico das seleções de base.

A ala Iziane, do Ourinhos, comenta que até faltam pivôs no Nacional, tamanho o êxodo de atletas que desempenham a função para outros países. "As pivôs são as mais valorizadas na Europa. Acho que a Lisdeivi (cubana, de Ourinhos) é a única pivô autêntica na posição."

As pivôs que atuaram nas últimas equipes da seleção feminina brasileira estão todas jogando na Europa. Kelly (Nercaleon), Êga (Zaragoza), Érika (Valência), Ísis (CB Valls), na Espanha; Graziane (Pecs), na Hungia; e Zaine (Umana Veneza), na Itália.

Fonte: Estadão

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