sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

O jornalista Rodrigo Alves voltou essa semana no GloboEsporte.Com com um novo trio de textos.

Desta vez, o Botafogo é o protagonista.

Depois da estréia com o Fluminense e desses novos textos, as outras sete equipes do Nacional bem que podiam receber a visita de Rodrigo nas próximas semanas.


No embalo de Rocky, Botafogo sobe a serra

GLOBOESPORTE.COM acompanha as meninas do basquete na viagem a Teresópolis

Rodrigo Alves


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O técnico Orlando Assunção orienta as jogadoras na partida em TeresópolisEm poucos minutos, o ar-condicionado do ônibus aliviou o calor do lado de fora. Foi na última terça-feira, dia 11, um dos mais quentes deste fim de primavera. Uma hora depois do previsto, a equipe feminina de basquete do Botafogo partia rumo a Teresópolis, onde a temperatura certamente estaria mais agradável. Mas em dia de jogo do Nacional, os ânimos não podem esfriar. Sendo assim, a clássica musiquinha logo entregou qual era o DVD: Rocky Balboa estava na tela.

Durante a viagem de quase duas horas, algumas jogadoras viram o filme, outras cochilaram, e a maioria aproveitou o lanche para forrar o estômago com pão de fôrma, queijo, presunto e guaraná natural. A sexta parte da saga com Sylvester Stallone tinha muito a ver com aquelas meninas. Com três infantis e cinco infanto-juvenis, o elenco mais jovem da competição começou sem muita expectativa, mas já arrancou até uma vitória heróica sobre o experiente time de Florianópolis.


Sem salários, mas com conforto
As atletas entram em quadra sem receber salários, mas o clube banca passagens, alimentação e estrutura médica. Para a viagem a Recife, onde a equipe enfrenta o Sport neste sábado, a CBB cede 13 passagens de avião, o que obriga o técnico Orlando Assunção a cortar uma jogadora para levar o dedicado assistente Thiago Ramos. O conforto na hospedagem, contudo, é garantido.

- Vamos ficar num hotel em frente à praia, com café-da-manhã, almoço, lanche, janta, tudo pago pelo clube. A estrutura para o time não deve nada a Ourinhos - compara Orlando, referindo-se ao atual campeão brasileiro, dono de invejável planejamento.

Em Teresópolis, o calor realmente tinha dado uma trégua. Quando o filme acabou, o ônibus já estava dentro da cidade. Às 18h30m, uma hora e meia antes da partida, todas já estavam no ginásio - o cachorro que descansava no meio da quadra, coitado, foi obrigado a procurar outro abrigo.

Tata, Josi e Alana ajudam as mais novas

Algumas meninas ficaram batendo bola, outras foram comer. Com as diferenças de idade, é natural que elas não estejam juntas o tempo todo. A lateral Tata, que completa 28 anos em janeiro, já rodou o país jogando basquete. A pivô Josi, de 27, também ajuda a segurar a barra com as mais novas. Alana, de 21, já jogou até nos Estados Unidos. Há três anos, foi tentar a vida no junior college de Western Nebraska e Oklahoma. Não gostou muito da experiência.

- Eles acreditam que o brasileiro é preguiçoso, então preferi voltar. Meu sonho é jogar num lugar que me permita ajudar minha família. Mas há pessoas que se submetem a tudo. Eu, não. Cresci muito como pessoa e como atleta acreditando em mim. Eu não sobrevivo do basquete, jogo por amor - conta a pivô, que mora em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio.

Naquela noite, Alana fez sete pontos e pegou sete rebotes. Diante de uma arquibancada grande e vazia, o time não rendeu bem. Com altos e baixos, perdeu para o Teresópolis por 59 a 53.

Orlando fez o papel de técnico: reclamou, cobrou, deu bronca. Fora dela, o sentimento era de dever cumprido ao fim do primeiro turno da competição. Com as vitórias sobre Florianópolis e Fluminense, o Botafogo é o sétimo colocado entre os nove concorrentes - oito deles se classificam para os playoffs.

- Somos o time mais novo do campeonato, e o trabalho está acima da expectativa. Temos boas perspectivas porque nossos adversários diretos nessa gangorra de sexto a nono lugar vão jogar dentro da nossa casa no returno - explica o treinador.

Após o jantar, num restaurante a quilo ao lado do ginásio, o ônibus já esperava as meninas para pegar a serra outra vez. Na viagem de volta para o Rio, não teve DVD. Não era preciso ver Rocky de novo, porque a mensagem estava dada. No filme, o lutador vivido por Stallone também perde. Mas não se entrega e, assim como as meninas do Botafogo, volta para casa de cabeça erguida.

ENTREVISTA: Renata Oliveira, a Tata
Cinco perguntas para a craque do Botafogo que, aos 27 anos, lidera um time em formação

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Rodrigo Alves


Quando entrou no ônibus para Teresópolis, a primeira coisa que Tata fez foi esticar a perna na poltrona da frente e colocar uma bolsa de gelo no pé. Faz sentido: a rotina não é moleza. Além de jogar o estadual e o Nacional pelo Botafogo, ela ainda disputa o universitário pela Universo e, como se não bastasse, treina equipes de mini e mirim do Alvinegro. Prestes a completar 28 anos, Renata da Silva Oliveira, de 1,74m, nascida e criada em Brasília, começou a jogar basquete no colégio, inspirada pela geração de Hortência e Paula. Descobriu o clube Vizinhança com a amiga Karla, que hoje joga em Catanduva e defende a seleção. Quando passou no teste para jogar em São Paulo, deu um susto na mãe, que não queria perder a única filha mulher. No fim das contas, dona Alizete cedeu: "É o que você quer mesmo? Este é o seu sonho? Então vá".

E Tata foi. Passou quatro anos em Campinas, com Paulo Bassul, e depois rodou por Santo André, Friburgo, Uberaba, Lages e Juiz de Fora, até chegar ao Botafogo em 2005. Entre as provas na faculdade e a preparação para a viagem a Recife, a jogadora conversou com o GLOBOESPORTE.COM.

GLOBOESPORTE.COM - Como é comandar um grupo tão jovem no Nacional?
TATA: No Botafogo, de maneira geral, as meninas são bem tranqüilas. Já conseguem entender que, pelo fato de eu ser mais velha, na maioria das situações eu vou chegar e falar alguma coisa - seja para dar força ou uma puxadinha de orelha. Meu papel ali dentro acaba sendo uma extensão do papel do Orlando. Tento passar para elas um pouquinho do que eu entendi que ele quer na quadra.

Além de ajudar o técnico, você também é treinadora de fato, com as categorias menores.
No começo foi até engraçado. Quando o Botafogo abriu a oportunidade para eu trabalhar com o mini e com o mirim, eu me confundia sendo técnica e atleta. As meninas me viam treinando, às vezes treinando até junto. Mas foi uma experiência bem legal. Pude passar para elas um pouco dessa experiência. Com certeza penso em seguir na carreira de treinadora. Quando comecei a jogar em São Paulo, com o Paulinho Bassul, eu admirava tanto o trabalho dele que, desde infantil, já anotava os treinos, as coisas que ele passava. Tenho tudo numa pasta na minha casa em Brasília.


Como é o seu relacionamento com o Orlando?
O Orlando é como se fosse um paizão. Em 2005, quando minha equipe em Juiz de Fora se desfez, eu ficava treinando sozinha na Associação dos Veteranos, no Rio. Um dia ele apareceu lá, me viu e me chamou. Compramos a briga de jogar o adulto aqui no Rio, e no segundo ano já fomos campeãs estaduais. Ele dá bronca quando tem dar, dá apoio quando tem que dar. Sempre compra minhas brigas.

Você recebe um salário como técnica, mas não como atleta, assim como todas as outras meninas. Como é a estrutura no Botafogo? Vale a pena se dedicar?
O Botafogo está comprando um sonho de todo mundo, que é participar do Nacional. Tem muita gente buscando espaço. O objetivo é trabalhar a base, em busca de um lugar ao sol, de repente até uma chance de sair do Rio, já que todo mundo fala que São Paulo é um lugar melhor para viver do basquete. Quando eu era nova, não tive essa oportunidade de ser uma atriz principal, como elas têm agora.

Ainda falta muito apoio para o basquete feminino no Brasil?
Com toda certeza. Na nossa seleção, a grande maioria joga fora do país, até porque o Brasil não dá a elas a estrutura para ficar. O masculino é disparado o que tem mais apoio. O que um jogador de ponta recebe no Brasil daria para bancar duas equipes femininas. É uma coisa absurda. Os empresários e os dirigentes de grandes clubes deveriam investir um pouquinho mais. Até para trazer de volta as nossas estrelas que estão fora. O basquete feminino não pode morrer.

Do choro à vitória, armadoras não desistem
Patrícia e Camila se equilibram entre as pedreiras na quadra e os conflitos da adolescência

Rodrigo Alves


Há três semanas, o Botafogo entrou em quadra para enfrentar a equipe de Florianópolis, sem a obrigação de vencer. Para se ter uma idéia, as jovens Patrícia e Camila, responsáveis pela criação das jogadas na quadra, somadas, não chegam a 36 anos - a idade de Marlene, armadora titular da equipe catarinense. A vitória heróica naquela noite, com direito a grande atuação de Camila, é uma indicação que o trabalho segue no caminho certo.

- Na quadra, a gente se olhou e disse: “Dá para ganhar”. No decorrer do jogo, nossa confiança foi além do esperado. Depois, várias pessoas vieram falar, dar os parabéns. Jogar bem e ter reconhecimento é muito legal. Eu me sinto muito feliz no Botafogo. Essa é a nossa remuneração - lembra Camila, de 18 anos, que comandou o time com 28 pontos e seis assistências na patida contra Florianópolis.



Alegria da vitória e frustração da derrota caminham juntas


Nem todos os momentos, claro, são de alegria. A derrota por 90 pontos em Catanduva ou o tropeço em Teresópolis também fazem parte da rotina. Às vezes, os problemas aparecem até nas vitórias. Foi o caso da partida contra a Mangueira, pelo Estadual, nesta quarta-feira, sob chuva forte no Rio.



O Botafogo venceu, mas Patrícia deixou a quadra chorando e, irritada, não quis voltar para o jogo quando foi chamada pelo técnico Orlando Assunção. No dia seguinte, mais calma, a armadora de 16 anos deixou claro que está amadurecendo.

- Eu preciso aprender que nem sempre tudo vai dar certo. Tive uma atitude errada e, na próxima vez, vou querer entrar e me superar. Jogar o Nacional tem sido uma experiência e tanto. É um nível muito diferente, mas eu tenho tentado superar as dificuldades - explica Patrícia, que joga desde os 6 anos e hoje é fã de craques consagrados da NBA, como Steve Nash e Tony Parker.

O técnico Orlando Assunção tenta encarar o episódio sem drama.

- Às vezes, nessa idade, a atleta fica nervosa e acontece um desvio de personalidade. O que não pode ter é desvio de caráter. Eu não vou punir quem está com batimento cardíaco a 130 por minuto, defendendo a camisa do clube no qual eu estou ganhando dinheiro. Eu sou profissional, elas não. Elas estão suando por mim. Não vou tirar o soldado da guerra. Tenho que monitorá-las, com carinho e respeito - avalia o treinador.


Em momentos delicados como este, entra em cena a experiente Tata, de 27 anos, que não percebeu o choro da companheira na hora do jogo pelo Estadual, mas já passou por outras situações com ela.

- No primeiro jogo adulto em 2005, contra o Flu, a torcida achava que a gente ia perder por 200 a 0. Antes de o juiz levantar a bola, a Patrícia olhou para mim e disse: “Estou com medo”. Respondi: “Elas têm dois braços, duas pernas, e treinam tanto quanto você. Então entra e joga” - lembra Tata.

E assim foi feito. Com boa atuação da armadora, o Botafogo venceu aquela partida. Hoje, Patrícia é considerada por Tata a melhor da posição na categoria. Com Camila, a cumplicidade é a mesma.

- No jogo contra o Sport, no início do mês, eu atuei muito mal. No terceiro quarto, falei para a Tata: “Não briga comigo não, porque está difícil jogar”. A primeira coisa que ela fez foi colocar a bola em mim para eu matar da linha de três - conta a armadora, fã de Magic Paula, que só viu jogar em fitas.

Como o talento também precisa da parte emocional, a equipe conta com a ajuda voluntária do psicólogo Rodrigo Moura. Sempre que pode, ele participa dos jogos e conversa com as atletas - muitas vezes durante a própria partida.

- Nesse grupo, as meninas puxam para elas uma tremenda responsabilidade. São boas atletas, e ninguém gosta de errar. Sempre tento conversar, mas com a permissão delas, nunca de forma invasiva - explica Rodrigo, que também viajou para Teresópolis e teve a idéia de passar Rocky Balboa no DVD.

Fonte: GloboEsporte.Com

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