quarta-feira, 24 de maio de 2006

Basquete feminino luta para voltar a ser grande

Se no masculino os investimentos atingem a casa dos milhões nos recomeços, no feminino, o caminho ainda é marcado por limitações nas propostas e nos recursos. A Ponte Preta, por exemplo, conseguiu evitar que a técnica Maria Helena Cardoso pusesse fim a sua carreira. Quando retornou ao Brasil, após duas temporadas no basquete europeu, a treinadora sonhava com a aposentadoria. Mas decidiu dar mais uma chance às quadras e assumiu a retomada do clube, bicampeão paulista e mundial (1993 e 94).

“De início, queria ficar só na supervisão, mas como ajudei a Ponte a crescer no passado não pude dizer não. Se não fosse assim, em uma equipe com uma tradição, eu não ia começar um trabalho novo”, confessa a técnica, que inicialmente havia sido convidada para trabalhar nos núcleos e escolinhas da Prefeitura.

Para ela, o basquete feminino experimenta um momento de recomeços. “A nossa volta, a retomada da Ponte, do Divino (Divino Salvador, de Jundiaí), isso tudo é um somatório para dar um impulso. É um momento que pode ser um marco da reconstrução do feminino”, espera.

Dona de quatro títulos no campeonato paulista, um no carioca, um no brasileiro e um mundial, Maria Helena valoriza o momento, mas sabe que seus desdobramentos vão depender da repercussão. “Nós viemos para dar uma colaboração, mas estamos em final de carreira, isso é um trabalho para três, quatro anos”.

Com uma equipe que tem nas alas Jucimara e Silvinha seus principais destaques, a Ponte faz hoje um trabalho diferente do que manteve no passado - quando contava em sua formação com estrelas do naipe de Hortência e Paula -, porque não está mantendo equipes nas categorias de base. “A idéia é formar categorias de base também”, garante Maria Helena. “Mas é complicado. Nada se faz sem dinheiro, tanto futebol quanto basquete não sobrevivem sem dinheiro, organização, divulgação e TV”.

Em Campinas, a equipe se mantém com recursos reduzidos canalizados totalmente para o time de competição. “O que precisa realmente é o patrocínio. Se não tiver, é difícil”, diz ela, preocupada com o futuro do time. “A Ponte fez contrato por seis meses com as jogadoras. Minha preocupação é essa, não ter um ano de trabalho”.

O Unimep/Amhpla/Selam é outro exemplo de retomada. A equipe piracicabana já foi cinco vezes campeã paulista e também teve em sua formação Magic Paula. Há um ano e seis meses, sua irmã, a ex-jogadora da seleção Branca, assumiu o comando técnico do time e trabalha para que a cidade volte a ter representatividade na modalidade.

A luta, admite, tem sido inglória, mas nem por isso ela desiste. “É um veneno dentro do corpo da gente, mas a gente não larga”, compara. Sua equipe sobrevive com um orçamento mensal de R$ 16.500, quantia suficiente apenas para manter o time principal e o pré-mini. “O que acontece no feminino é muito louco. Você vê em Piracicaba, Jundiaí, Campinas que estão investindo nas pessoas, na tradição, na idoneidade de quem está lá. E em ano eleitoral e de Copa do Mundo é uma penúria para a gente. Todo mundo está com o orçamento comprometido com estas coisas”.

Com recursos tão reduzidos, Branca conclui que o principal atrativo para suas jogadoras não está nas quadras. Talvez, nem mesmo no presente. “A Universidade, que é nossa primeira grande parceira hoje, colabora com bolsas de estudo. E as jogadoras estão valorizando isso, porque sabem que no futuro é o que resta. Eu, após sete anos, vi que as glórias ficam só no passado e para o álbum”.

Futuro é o calcanhar de Aquiles

A situação de penúria generalizada no feminino preocupa, principalmente pelo futuro. O número de clubes que mantém equipes competitivas nas categorias de base é restrito. Entre as principais destacam-se o Finasa/Osasco, Americana, o tradicional Santo André, Divino Salvador e São Bernardo. Mas destas, as duas primeiras nem têm mais equipes adultas. Soma-se a isto o fato de mais de 90% da seleção brasileira atual atuar no exterior – das jogadoras principais, apenas a pivô Kelly participa do Paulista pelo Santo André.
As duas técnicas concordam que isso coloca em risco a evolução da modalidade. “A criança tem que ter referência, perspectiva de avanço”, alerta Branca, técnica do Unimep/Amhpla/Selam, de Piracicaba. “É uma situação alarmante”.

O risco é o êxodo cada vez mais precoce de talentos do país. A cada temporada aumenta o número de atletas que deixam as categorias de base no Brasil para tentar a sorte no exterior, principalmente no universitário norte-americano. “Eu fico preocupada”, reforça Maria Helena, treinadora da Ponte Preta. “Até atletas do infanto e juvenil estão procurando ir embora. O Brasil não classificou para o Mundial Juvenil por quê? Porque a base está deixando a desejar, não que não exista ninguém, mas tem pouca gente trabalhando”.

Acostumada a participar de projetos abrangendo todas as categorias, ela lamenta a falta de apoio para a formação de atletas. “Se no adulto não tem interesse, imagine na base. Hoje, tem muita gente pensando em escolinha, mas esquecendo a formação de talentos a partir dos 12, 13 anos. A própria Janeth com seu centro de treinamento tem dificuldade para manter as equipes competitivas de base”.

Lutando para recuperar as glórias do passado, as equipes femininas torcem para que o basquete nacional consiga evoluir também em sua organização. Pensando nas dificuldades que a modalidade enfrenta, as técnicas dos times de Piracicaba e Campinas buscam referência na mesma fonte: o vôlei.

Branca é direta. “Em termos organizacionais, o vôlei está a 100 anos luz na nossa frente”, afirma. Para ela, o esporte de Fernanda Venturini, Dante, Adriana Behar e Emanuel tem a seu favor alguns aspectos técnicos. “Hoje nas escolas você vê duas bolas: de futebol e vôlei. O futebol não tem jeito, o menino já está chutando dentro da barriga da mãe e o vôlei tem a bola mais levinha, que não vai machucar a mão. É mais fácil de praticar, com seis fundamentos você vai para frente”, brinca, para acrescentar com mais seriedade. “Mas também eles sabem valorizar. Em 1994 (ano da conquista do título mundial pela seleção feminina de basquete), nós não soubemos vender o peixe”.

Maria Helena concorda que o modelo seguido pelo primo rico das quadras deveria ser estudado, mas já vê alguns sinais positivos. “A Federação (Paulista) deu um passo bom ao subir as equipes da A-2 para a A-1. Há muitos anos não via um estadual com tantas equipes (13). Mas agora deve repensar a A-2 com novas equipes”.

Contudo, após duas temporadas na Europa, ela acha que o caminho a percorrer ainda é longo. “Logo que eu cheguei à Espanha recebi um calendário completo para um ano. A equipe já sabia tudo o que ia disputar, com todas as datas de jogo. Isso é fundamental para fazer um bom planejamento. Aqui a gente ainda não sabe nem como será a Liga”, compara.

Tudo isso, completa Branca, tem reflexos no futuro da seleção que, para ela, nunca mais terá uma geração como a sua. “Acho que não vai ter esse tipo de geração novamente. Minha geração foi muito vitoriosa porque era muito dedicada. Hoje, você convive com meninas para quem tanto faz ganhar ou perder, com raras exceções. As pessoas sofrem porque ficam mirando o passado. Temos que nos acostumar”.

Fonte: Gazeta Esportiva


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