sexta-feira, 28 de outubro de 2005

O pequeno Luís



Luís Fernando não deve entender muito bem. Dentro da incubadora do Nipo-Brasileiro, com parcos 31 cm e pouco mais de 1 kg; falta-lhe tempo para pensar nisso. Mas aos poucos, os olhos do recém-nascido contemplarão um admirável mundo-novo. Luís se deparará com uma forte herança basqueteira, que começa pela mãe, Sílvia, passando pela Tia Karen, pela Tia-Avó Roseli, até chegar ao primo-em-segundo-grau Nezinho. Será o pai também um basqueteiro? Ora, pois, pois, não sei.

Mas há uma coisa que provavelmente Luís não deve ficar sabendo. Tão logo apareça a mais nova história insólita do basquete feminino brasileiro, ele será esquecido. Mas por um breve período, o neném de Sílvia terá sido o mais novo símbolo do amadorismo do basquete brasileiro.

Realmente, por essa ninguém esperava. Imaginar que uma atleta olímpica, com uma trajetória de destaque nas categorias menores, se descubra "ligeiramente grávida" três dias antes do parto realmente é algo que choca. Em pleno século XXI, parece uma piada-de-mau gosto, estampada até no Jornal Nacional.

Do ponto-de-vista da mãe-Sílvia, sinceramente, acho difícil que a constatação tenha sido assim tão tardia. A atleta afirma usar anticoncepcionais orais de forma ininterrupta. Para quem tem esse hábito, as chances de gravidez ainda existem, mas são reduzidas. No entanto, aumentam progressivamente caso a mulher esqueça de tomar a medicação. Quem já tomou qualquer remédio, sabe que tomar um comprimido ao dia não é tão fácil quando parece. Principalmente quando não está se tratando uma doença sintomática.

Além disso, o turbilhão de modificações que uma mulher passa na gravidez torna bastante improvável a ausência de suspeita de gravidez pela jogadora. São modificações de humor, pele, aumento de mamas, crescimento uterino, movimentos fetais, etc, que são difíceis de ignorar.

Mas se Sílvia sabia ou não, nós nunca saberemos. Qualquer uma das opções é assustadora. Se não sabia, é de lamentar sua ingenuidade, sua falta de consciência do próprio corpo. Se sabia, é de lamentar a falta de cuidado com ela própria e com o filho, aceitando convocações, jogando e assinando contratos já grávida.

Mas deixemos Sílvia de lado. Que a nova mãe tenha agora a força para equilibrar-se entre a educação do filho e a reestruturação dos rumos de sua carreira, que andaram incertos nesse turbulento ano.

Passemos aos coadjuvantes da história.

O enredo é mais uma demonstração da decadência do basquete brasileiro. Seja nos clubes, seja na seleção, as comissões técnicas/médicas são compostas por um número cada vez mais minguado de membros, com visão amadora do esporte.

Sílvia queixava-se de uma gastrite, que havia limitado sua participação por Ribeirão, nas finais do Paulista, em junho desse ano. Considerando que as dores que acompanham uma gastrite vão diminuir a alimentação, somadas às recomendações médicas de dieta nesses casos, o esperado era que Sílvia perdesse peso, certo? No entanto, a jogadora estava, nas palavras da própria, 4 kg acima do peso. Será que isso não intrigava os médicos e a comissão técnica da seleção? Parece que não.

Há algum tempo, a Globo mostrou uma reportagem em que os médicos da seleção masculina de basquete compravam banana na feira e faziam sanduíches na concentração. Será que essa inversão de papéis não os confude sobre o real motivo de sua presença ali?

Uma gestação de seis meses pode ser diagnosticada somente com a palpação do abdome da paciente. Será que o "caroço" já não estava ali na Copa América?

Dizer que "exames são feitos" é uma desculpa esfarrapada. Sílvia precisava de um teste para gravidez, algo bastante simples. Fazer exame de urina ou eletrocardiograma nesse caso é como perguntar a idade de alguém quando se quer saber seu nome.

Será que não chamou a atenção de ninguém Sílvia mantivesse as queixas de dores mesmo depois de meses de tratamento da "gastrite"?

Os critérios para convocação também preocupam. Borracha diz que Sílvia estava "lenta, fora de forma". Ainda assim, jogou a Copa América. Ainda assim, jogava as finais dos Abertos.

O que os preparadores físicos dizem a respeito?

Talvez nada, já que os excessos nos macaquinhos andam cada vez mais fartos.

E na base do improviso, as coisas seguem...

A atleta é contratada por São Caetano, talvez a segunda melhor equipe do país. E segundo Borracha, exames nem foram feitos, pois a atleta "tinha acabado de chegar da seleção.".

Ai, Chega, chega!

É muito amadorismo, provincianismo, incompetência pra um só esporte.

Abafado por esse escândalo, sobrou pouco espaço pra comentar a confirmação de 2 Nacionais Femininos.

De um lado, a Nossa Liga, é a boa semente, que grandes atletas e pessoas como Paula, Hortência, Oscar e Janeth tentam plantar em solo árido. Nesse primeiro ano, não deve passar disso: uma boa idéia, uma bela semente. Os times têm elencos modestos, poucos patrocinadores. Há poucas atletas disponíveis no mercado. Talvez no decorrer do campeonato, ele possa seduzir alguma jogadora que encerre seu passeio pela Europa. Principalmente, no feminino, o projeto da Nossa Liga tem que ser a longo prazo. Mas é bom saber que ele está de pé, numa atitude heróica contra a medíocre administração de Grego, na CBB. Por enquanto, são seis as equipes confirmadas: São Bernardo, Piracicaba, Niterói, Maringá, Pindamonhagaba e Rio Preto. Louvável é o apoio corajoso que Janeth vem dando à liga. Uma grande atleta se faz assim: não só pelo que faz dentro de quadra.

Sobre o Nacional da CBB, depois da Copa Café Com Leite em 2004, esse ano teremos o Café com Tapioca. Às custas do seu "mensalinho", a CBB conseguiu 7 equipes paulistas. Ourinhos e São Caetano têm bons elencos e devem polarizar a disputa, com favoritismo disparado da primeira. Na zona intermediária, Marília. São Bernardo deve montar duas equipes: uma para a CBB, outra para a NLB. O que dizer de Santo André, cada vez mais depenado? À espera do eterno retorno de Kátia? O que dizer de Guarulhos, que quase terminou sem atletas o último Paulista, afundado em dívidas? O que dizer de Catanduva, cujas jogadoras estão vendendo ingresso de churrasco para sustentar o time? Misteriosamente, a CBB conseguiu que um time como o Sport, que está pagando hoje os salários de agosto ao seu elenco de futebol, montasse um time para o torneio. O elenco é bom para o momento. Por fim, minha querida Goiânia encarará o desafio com um time amador. Em menos de 3 meses, a competição já acaba.

É, realmente, vem coisa aí pela frente para fazer esquecer o pequeno Luís...


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