terça-feira, 6 de abril de 2004

Superpoderoso

Maravilhosa e comovente a coluna de Melchiades Filho, na Folha de hoje.

Deliciem-se.

Superpoderosas

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE


Passei quase uma semana ao lado de mais de 130 meninas adolescentes que apreciam basquete, um sonho que nem os mais febris momentos da minha puberdade haviam proporcionado.
Meti-me no Ginásio do Ibirapuera, onde, de terça-feira a domingo, 11 times estiveram acantonados para disputar o interclubes nacional juvenil feminino.
Corei quando fui saudado por um salão lotado com "fiu-fius" agudos, gritos de "gostoso" e pedidos para tirar a aliança de casamento. Corei ainda mais quando, uma a uma, as mesmas garotas brincalhonas se despediram com um desmoralizador "tchau, tio".
Olhei para pernas tão belas quanto longilíneas, vi pernas manchadas de roxo. Olhei para dedos esmaltados e sandálias coloridas, vi dedos pretejados por pisões e ataduras de esparadrapo.
Tremi com a mistura de cheiros de xampu. Ouvi muita gente reclamando do aguaceiro do banheiro. Quase escorreguei em poças de suor no acesso à quadra.
De noite, acompanhei esconde-escondes no estacionamento e testemunhei (sem querer!) longos desabafos de saudade no orelhão.
Até levei o Joaquim, 7, para conhecer as gigantes -e para ver se ele, "assustado", pára de atormentar as colegas de classe.
Assisti a uma dezena de jogos, alguns bons. Vi todos os times, alguns muito bons (os de São Paulo), a maioria nas mãos de técnicos que não recebem um tostão.
Impressionei-me com o tato "eu-conheço-a-alma-das-meninas" de Mila Rondon, treinadora de Americana, e com o olhar "atenção-mulheres-trabalhando" de Macau Ferreira, de Osasco.
Gostei dos nomes das jogadoras e rabisquei na agenda: Tersya (Maranhão), Eliene (Americana), Mayara (do campeão Jundiaí), Janaína (Joinville), Daiane (Americana)... E adorei quando, depois, à beira da quadra, notei virtudes técnicas em cada uma.
Em muitas delas, percebi também a chama de confiança/arrogância que o atleta de ponta importa da infância ("pedra, muro e árvore", né, Tersya?). Fiquei com a impressão de que o Brasil terá seleção competitiva, este ano, no Sul-Americano e no torneio qualificatório para o Mundial.
Na arquibancada, partilhei palmas e lamentos dos pais e mestres que organizam vaquinhas a fim de bancar o passe de ônibus, o caderno escolar, o agasalho e o lanche que mantêm a roda girando.
Soube que os EUA, na mesma semana, aplaudiram Candace Parker, 17, que superou cinco rapazes para ganhar o concurso de enterradas do McDonald's All-American Game, um dos três principais jogos intercolegiais do país. (Que ironia. O presidente da CBB quer porque quer achar uma brasileira que estufe a cesta.)
Mas concluí que até os americanos sairiam estupefatos do Ibirapuera, quando constatassem como o talento abençoa o basquete feminino nacional a despeito da falta de estrutura e horizonte.
Fechei o domingo satisfeito com o campeonato e, melhor, feliz por ter encontrado tanta gente que devota à bola laranja um amor tão grande como o meu. Soprei um beijo para as meninas superpoderosas e voltei para casa.

Lindinha
Caçula de uma família basqueteira, Izabela, 17, foi a cestinha (26,2 pontos) e a melhor no ranking de eficiência. Das 132 garotas, a ala do Bauru, 1,82 m, é quem alcança mais alto: 2,88 m, segundo inédito e oportuno estudo antropométrico, tocado pelo médico Daniel Gentil.

Florzinha
Michelle, plácida do alto de 1,93 m, liderou nos tocos: 3,2 por jogo, pelo Joinville. A irmã do festejado Tiago Splitter tem só 14 anos.

Docinho
Com ginga e força nos quadris, a novata pivô do Grajaú alucinou nos rebotes: 22,2 por jogo. Mas Clarissa, 16, gosta de atletismo, esporte em que brilha ainda mais (dardo e peso). A CBB tem de paparicá-la!


E-mail melk@uol.com.br

Fonte: Folha de São Paulo

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