terça-feira, 4 de novembro de 2003

"Falta lei de incentivo ao esporte escolar", diz Hortência

Ela foi, junto com a armadora Paula, um dos maiores fenômenos do basquete brasileiro. Juntas, levaram o País à conquista do título de campeão mundial, em 1994, na Austrália, e à medalha de bronze olímpica, em 1996, em Atlanta. Hortência, de 44 anos, esteve ontem em Belo Horizonte, para o lançamento do Instituto Magnum, do qual é madrinha. O projeto tem como pilar o trinômio Educação, Cultura e Esporte. Mas conversar com Hortência, hoje empresária, e não falar de basquete é impossível. Aos poucos, ela revisita sua carreira.

Vida nova – Tenho uma empresa de marketing. Estou investindo muito nisso. Trabalho 24 horas por dia. Não é nada diferente do tempo que jogava. Desenvolvo um projeto para crianças carentes com o governo do Paraná. São 15 cidades e mais de 4 mil crianças envolvidas. O objetivo é, através do esporte, não só do basquete, fazer com que a criança se interesse pelo estudo e pela escola. Além disso, participo do Vibração Nestlé, projeto de competição esportiva colegial que está em seu segundo ano. Agora, sou madrinha do Instituto Magnum e vou me esforçar ao máximo.

Basquete – Não jogo mais. Se me chamarem para uma partida, daquelas de veterana, sou capaz de brigar. Depois que parei, só entro em quadra para brincar com a meninada, mas não me preocupo em fazer cestas.

Prazer – Estou muito voltada para meus filhos. Sou preocupada com o futuro deles. Por isso, fiz questão de analisar uma escola para colocá-los. Escolhi uma que dá valor ao esporte. Também procuro ler muito, para orientá-los. Tenho bons livros nesse sentido e dois considero especiais, “Pai rico, pai pobre” e “Criando filhos”. Não quero errar e esses livros são importantes, pois nos ensinam a estimular os filhos e a tirar o que há de melhor neles.

Ajuda – Nas coisas que faço, me empenho muito, pulo de cabeça. Uma vez, estávamos na Seleção treinando numa cidade do interior. Veio uma menina e me mostrou um jornal, que dizia que ela tinha feito 50 pontos em um jogo. Fiquei boba. Fiz questão de ajudá-la. Arrumei um jeito de ela ir para São Paulo, para um time que desse colégio e assistência, além de permitir que jogasse. Não me recordo nem mesmo o nome dela. Não sei se está jogando, mas sei que fiz a coisa certa.

Exemplo – Eu tive uma infância pobre. Na minha casa não tinha televisão. Antes de me apresentarem ao basquete, quando morava em Santo André, o que eu conhecia de esporte era brincar de queimada, de pega-pega. Em São Caetano do Sul, na escola estadual, me deram uma bola de basquete. Eu me encantei. Aí, numa competição escolar, me levaram para o clube e fui para a Seleção Brasileira. Isso aconteceu porque me ajudaram, me deram uma luz. É o maior exemplo que tenho na vida.

Oscar – Não conversei com Oscar depois que ele parou. Não sei o que ele pensa em fazer. Eu encontrei o meu destino. Sei que o Brasil inteiro sente a falta dele. Falaram que o basquete feminino iria acabar depois que eu e a Paula paramos. Mas a Seleção está aí e foi bronze na Olimpíada de Sydney. O que todo mundo tem de saber é que não aparece um jogador assim todo dia. Isso leva tempo. Até hoje não apareceu um outro Pelé. Aliás, nunca vai aparecer. Essas coisas são cíclicas. Vai demorar um pouco, mas voltaremos a ter um time que nos dará muita alegria.

Mentalidade – No Brasil, enfrentamos um problema sério, que é a falta de mentalidade onde a escola deveria ser prestigiada. Deveria haver uma lei de incentivo para o esporte escolar. Mas, aqui, o clube é que faz as vezes das escolas. É o que revela atletas. Não enxergaram ainda que a escola é que é o celeiro. As universidades já estão descobrindo isso. O natural, em qualquer lugar, é escola, faculdade e clube. O atleta só vai para o clube quando estiver pronto. Essa é a mudança que precisamos.

Nº 4 – Eu passei a usar o nº 4 por acaso. No basquete, é o primeiro número. Ninguém quer. Aí, numa Seleção, com o Barbosa, ele disse que iríamos escolher as camisas. Mostrou a 4 e perguntou quem queria usar. Eu e a Paula levantamos a mão. Aí, decidimos no par ou ímpar. Foi nossa primeira disputa. Digo isso porque nos clubes sempre foi uma contra a outra.

Paula – Esse episódio da Paula denunciar o problema das diárias do Ministério dos Esportes em São Domingos, quando tudo foi pago pelo COB, é exemplar. Eu nunca quis ir para um órgão público por causa disso. Eu também teria feito o mesmo.


Ivan Drummond - EM

Fonte: Superesportes

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