sábado, 25 de outubro de 2003

Ex-secretária ataca falta de planejamento no ministério e influência de Nuzman sobre Queiroz

Paula critica ministro e sua intimidade com o COB Paula, ex-secretária de Alto Rendimento, na entrevista em que criticou o ministro Agnelo Queiroz - Antônio Gaudério/Folha Imagem

JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
DA REPORTAGEM LOCAL


Falta de planejamento, ministro ausente, interferência externa, desorganização e poucos resultados.
Um dia após o ministro do Esporte, Agnelo Queiroz, ter decidido devolver metade do dinheiro do governo para pagar despesas que já haviam sido bancadas pelo Comitê Olímpico Brasileiro, Paula, 41, não lhe poupou críticas.
A ex-atleta, que pediu para ser exonerada da Secretaria Nacional de Alto Rendimento, atacou a ligação do ministro com o COB. Disse que, em última instância, foi o que gerou sua saída de Brasília.
Para Paula, o fato de sua hospedagem e a de Queiroz no Pan terem sido pagas pelo COB é muito grave e denota sério conflito ético.
Código de conduta do governo diz que as viagens ministeriais teriam que ser bancadas pelos cofres públicos. Só podem ser patrocinadas por terceiros caso estes não tenham interesse direto em ações ou decisões do governo.
Está longe de ser o caso do COB, mantido por recursos federais -advindos das loterias.
A própria Paula lembra que não pôde participar de uma comissão interna do ministério que decidiu dar ao COB o direito de usar R$ 7,5 milhões destinados ao esporte escolar e universitário na criação de um instituto olímpico.
Se tivesse participado, a campeã mundial de basquete em 1994, que agora quer abrir uma ONG para trabalhar com pessoas da terceira idade, afirma que votaria contra os interesses do comitê.
Na opinião de Paula, Queiroz e Carlos Arthur Nuzman, o presidente do COB, deveriam entender que "o ministério é o ministério, o COB é o COB". Assessores da ex-secretária dizem que, por influência de Nuzman, o ministro deixou de lado o esporte de base e a questão da inclusão social e passou a se dedicar só ao alto rendimento.

Segundo Paula, a gota d'água para sua saída do governo foi justamente a relação dos dois. "Passei três meses com minha equipe trabalhando num modelo para os Jogos da Juventude quando fiquei sabendo, pelo COB, que era o modelo deles que iria prevalecer, que eles iriam organizar", comentou. "Fiquei muito decepcionada."
Paula afirma que já tinha até conseguido patrocínio para bancar parte do evento e acabou se sentindo traída pela condução do negócio entre Queiroz e Nuzman.
Com tudo isso, considerou decepcionante sua passagem por Brasília. "Foi uma frustração, uma experiência bem diferente da que vivi no Centro Olímpico com a [secretária municipal de São Paulo] Nádia Campeão", disse.
"Lá [no ministério] não tinha planejamento. Até hoje, depois de mais de cinco meses em Brasília [assumiu em maio], eu não sei qual o orçamento da secretaria."
Segundo ela, o único projeto que pôde fazer no período foi o esboço de uma lei de incentivo fiscal, que ficou pronto há cerca de 20 dias. "Mas não arrumaram tempo para apresentar ao ministro", declarou, em tom de ironia.
O pouco contato com Queiroz, aliás, foi outra das reclamações da ex-atleta. "Antes mesmo do Pan acabaram as reuniões semanais com o ministro. Depois, ficou quase impossível falar com ele. Não ia me meter [na sala do político do PC do B-DF] quando outras pessoas estavam lá."
Para piorar, Paula diz que desde fevereiro, antes mesmo de ela tomar posse, o ministro não põe os pés em sua secretaria.
Ansiosa por se desvincular de vez do governo -sua exoneração sai hoje-, afirma fazer questão de devolver o dinheiro recebido pelo Pan aos cofres públicos.
"Tentei devolver o dinheiro [na época], mas não tinha como. Meu chefe de gabinete disse que não precisamos prestar contas nem devolver [aos cofres públicos]."

Viagens tomaram R$ 857 mil do ministério
FERNANDO MELLO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Dono do menor orçamento da Esplanada dos Ministérios, a pasta do Esporte gastou neste ano R$ 857.062,41 em viagens de Agnelo Queiroz e outros funcionários.
Dados do Siafi, o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal, mostram ainda que o ministério está a um passo de estourar o orçamento de viagens, mas longe de conseguir gastar o que foi reservado para alguns de seus programas.
De 5 de janeiro, quando o ministro tomou posse, até agora, a pasta gastou R$ 234.649,64 com "Pagamentos de Diárias-Civil no País e no Exterior" e R$ 622.412,77 com "Passagens e Despesas com Locomoção".
O valor corresponde a 88,4% do orçamento destinado a viagens. Percentualmente, apenas os itens relativos a salários e a auxílio-transporte tiveram gastos maiores do que os de viagens.
Até aqui, o ministério aplicou R$ 5.614.827,20 em projetos esportivos. O valor equivale a 10,4% de todos os gastos da pasta, incluindo despesa com pessoal, equipamentos e viagens -o montante global das despesas foi, até 17 de outubro, de R$ 53.885.364,36.
O gasto com viagens supera individualmente alguns programas da pasta. É maior, por exemplo, do que tudo que já foi pago para o programa "Esporte na Escola", que, antes do contingenciamento imposto pelo Ministério do Planejamento, previa gastos de cerca de R$ 59,2 milhões.
Até 10 de outubro, de acordo com o "Acompanhamento da execução orçamentária da União 2003", o ministério havia gasto R$ 844.688,05 com o programa, que prevê funcionamento de núcleos de esporte e implantação de infra-estrutura em escolas, edição de material didático e promoção de eventos. Percentualmente, a pasta gastou 1,6% do que fora planejado na confecção do orçamento, no ano passado.
O valor das viagens é ainda cerca de oito vezes o gasto com "Implantação de Infra-estrutura Esportiva para uso de comunidades carentes", projeto que constrói quadras poliesportivas nas periferias das cidades -que consumiu R$ 113.408,00 em dez meses- e que vai ao encontro do discurso do ministro de que o esporte deve ser um meio de inclusão social.
Queiroz, que viajou pelo Brasil todo e viu da final da Libertadores até jogo da seleção brasileira em Manaus, a convite da CBF, esteve por cinco vezes fora do país.
Uma vez foi para a Espanha, outra para Cuba e três para a República Dominicana, origem do maior escândalo do ministério até aqui. Ontem, Queiroz devolveu R$ 5.436,00, referentes a quase 50% do adiantamento pelas diárias do Pan. Apesar de ter a hospedagem paga pelo COB, ele tinha ficado com a diária integral adiantada pelo ministério -R$ 11.112,00. Só decidiu pelo reembolso 65 dias depois dos Jogos para responder as críticas de Paula.
Em dez meses de gestão, o ministro recebeu R$ 25.987,51 em diárias. O valor obtido por Queiroz é superior, por exemplo, ao dado à ministra Benedita da Silva (Ação Social), que recebeu R$ 22.204,24. Representa ainda pouco menos da metade dada a Antonio Palocci Filho (Fazenda), que esteve na Suíça, EUA, Paraguai, Espanha, Emirados Árabes e Argentina, recebendo R$ 54.830,30.

OUTRO LADO

Pasta afirma que gestão anterior gastou o dobro
DA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério do Esporte diz que os gastos com viagens estão dentro do previsto no orçamento deste ano e que, no ano passado, o último do governo Fernando Henrique Cardoso, teriam sido mais que o dobro do despendido neste ano, o primeiro da atual gestão.
Segundo a assessoria de Agnelo Queiroz, dados do Siafi mostram que, em 2002, o então Ministério do Esporte e Turismo gastou R$ 2,36 milhões com passagens, locomoção e diárias. A atual gestão alega que, embora a pasta anterior abrigasse esporte e turismo, a estrutura era semelhante.
Ainda segundo o ministério, dados da última terça mostram que a pasta gastou R$ 4.770.139,15 com projetos. Destes, R$ 2.684.750,65 foram para o "Segundo Tempo" (a mesma rubrica registra R$ 1.240.880 em ações de combate à fome).
Outros R$ 844.688,05 foram para o "Esporte na Escola".
Sobre Paula, Queiroz diz que ela não é justa com sua gestão. E que, neste ano, não haveria como realizar os Jogos da Juventude no modelo regional sugerido pela ex-secretária.
De acordo com a assessoria, a ex-atleta formatou o modelo regional -cinco sedes diferentes- a pedido do ministro. Só que, por falta de verba, o ministério e o COB teriam juntos decido realizar em só uma sede.
Para 2004, o ministério diz que seria usado o modelo regional, preparado por Paula.
Queiroz também afirma não entender a reclamação da ex-secretária de que não conseguia se reunir com ele desde o Pan -alega ter se reunido com ela algumas vezes após o evento e diz que a convidou para acompanhá-lo em viagem a Cuba, mas ela não aceitou.
Carlos Arthur Nuzman disse, por meio de sua assessoria, que não comentaria as declarações.


Fonte: Folha de São Paulo


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