terça-feira, 29 de julho de 2003

Qualidade total dentro e fora das quadras

Além dos títulos por clubes, Vânia defendeu a seleção durante 14 anos

Por Marta Teixeira

Há 4 anos, Vânia Teixeira não pisa em uma quadra. Depois de 31 anos jogando, a ex-ala da seleção brasileira fez uma mudança radical em sua vida. Hoje, Vânia tem um dia-a-dia muito diferente como responsável pelo controle de qualidade da Genaree & Peartri, empresa que trabalha com desenvolvimento de softwares, em Pederneiras.

"Sempre gostei muito de exatas, até comecei a fazer matemática, mas depois parei. Fiz faculdade de processamento de dados e depois faculdade e especialização em análise de sistemas", explica Vânia, integrante de uma das gerações mais marcantes do basquete nacional. Contemporânea de Magic Paula e da rainha Hortência, Vânia teve suas conquistas ofuscadas pela dupla, mas nem por isto deixou de ser decisiva para a construção da fama brasileira na modalidade e quem acompanha o basquete feminino não lembra daquela época sem lembrar de seu nome.

A fama brasileira foi construída com muito sacrifício e persistência e, justamente por isso, produz boas lembranças na ex-jogadora. "Foi tudo muito importante. Minha geração teve muita dificuldade para se firmar internacionalmente. Quando terminou a geração de Norminha, Maria Helena, Heleninha e Laís, teve um hiato enorme", diz, lembrando sua primeira convocação. "Éramos muito novas. A Paula tinha 14 anos, eu e a Hortência 16 quando fomos para a seleção adulta".

A responsabilidade chegou de repente, mas o grupo não se deixou abater. Assumiu os compromissos como veteranas. "Não tivemos transição natural, mesclando as gerações. Saímos direto dos clubes para os campeonatos internacionais e foi uma dificuldade", recorda.

O maior choque era enfrentar as gigantes estrangeiras. Com 1,75m, Vânia começou jogando de pivô, depois passou para ala. "Pegávamos aquelas meninas da União Soviética, Polônia, que pareciam armários. Tinha a Seminova, que era uma pivô muito famosa, com 2,00m".

Vânia lembra que superação era a palavra de ordem do grupo. "A Hortência, que é um centímetro mais baixa que eu, passava por estas meninas e fazia as coisas". Além das limitações fisicas, as brasileiras também tinham de driblar as dificuldades decorrentes do amadorismo da modalidade. Mas até nisto, Vânia vê um lado positivo.

"Estávamos pelo motivo certo. Porque gostávamos daquilo, não pelo dinheiro. Não condeno quem ganha bem, mas acho que foi fundamental termos
começado todas como amadoras".

A rotina de ficar em alojamentos, sem os privilégios dos hotéis, e as nada confortáveis viagens de kombi fizeram com que a garra da geração crescesse. "Superamos as dificuldades com amor e persistência. Além disso, a rivalidade entre Paula e Hortência nos clubes incentivou bastante o desenvolvimento do basquete".

Com quatro participações em Mundiais, três, Jogos Pan-americanos e duas, em Goodwill Games, Vânia considera-se uma vencedora no esporte, mesmo sem ter disputado uma Olimpíada. "Me considero realizada. Cada um tem sua capacidade e me satisfiz no basquete. Fico feliz porque saí porque quis. Não tive nenhuma lesão grave, surgiu uma oportunidade de trabalho legal e aproveitei".

O desafio de trocar as quadras pelo trabalho na área na qual se formou foi abraçado sem receios. Até porque aventurar-se pelo mundo da informática não era novidade para Vânia. "Sempre tive atividades paralelas enquanto jogava. Trabalhei como programadora da Unimep durante cinco anos, quando jogava em Piracicaba", recorda. Vânia abandonou as quadras definitivamente em 1999, quando defendia Ourinhos. Antes ela já havia ensaiado uma despedida. Em 1990, a ala disse adeus à seleção brasileira. "Fiquei um ano e meio parada, mas voltei com um enfoque mais maleável em clube. Voltei treinando uma vez por dia, mas a gente sempre quer ter a mesma performance".

Quando a aposentadoria definitiva chegou ela nem pensou em continuar no esporte de outra maneira. "Eu gostava mesmo era de jogar. Parti para outros desafios e mais para frente quero fazer um mestrado. Desafios são sempre importantes".



Talento extraído

Vânia foi apresentada ao basquete aos 9 anos de idade. Mais por força das circunstâncias, que por inclinação própria confessa. "Aprendi a jogar com o Barbosa (o técnico da seleção brasileira Antônio Carlos Barbosa)", explica, lembrando que o treinador tinha uma escolinha de iniciação no Sesi, em Bauru (SP). "Foi a sensação da cidade. Toda meninada foi treinar lá e acabei indo porque se não, não teria com quem brincar", confessa.

Barbosa foi o responsável, não apenas por ensinar os segredos do esporte, mas também para que se afeiçoasse a ele. "Aprendi tudo e até o próprio gosto pelo basquete com ele. Ele acreditou muito em mim e me incentivou", diz emocionada.

O envolvimento do treinador com a equipe também motivou a atleta. "Ele pegava o carro dele ou uma kombi cedida pela Prefeitura e levava toda a meninada para os jogos em São Paulo. A gente ia empaçocado no carro. Comia um lanche antes de sair, chegava na outra cidade, jogava, tomava outro lanche e voltava para Bauru".

Foi Barbosa quem a levou para defender o Luso, depois chamado Bauru, onde começou sua carreira nas quadras. Defendeu a cidade por nove anos, até se transferir para o Unimep/Piracicaba, da técnica Maria Helena. A parceria com a treinador durou 12 anos, quando foi jogar no Emas-Mandi, em Salto. Vânia ainda voltou para Bauru e depois foi defender o Ourinhos, de Edson Ferreto, onde ficou três ano, até a aposentadoria.

Durante estes anos, ela sempre se empenhou muito para ser boa dentro e fora das quadras. Enquanto amadurecia como jogadora, Vânia pegava firme também nos estudos. "Minha família sempre colocou que estudar é fundamental", revela. E a orientação era seguida à risca, da melhor maneira possível.

O apoio dos amigos sempre foi fundamental, mas aplicação nunca faltou à ala. "Era comum viajar com os livros e cadernos porque tinha prova ou, que entregar um trabalho quando voltasse de viagem", lembra.

Ela não tem dúvida que os sacrifícios foram recompensados. "Estudar é importante porque as pessoas têm formação em vários ramos. Você cresce como ser humano, não só em função do dinheiro e do futuro. É imprescindível, isto completa o indivíduo", diz.

"Mesmo inconscientemente te ajuda na quadra, quando você precisa tomar uma decisão em uma fração de segundo. Seu raciocínio é mais rápido", afirma. E as razões para não fugir dos bancos escolares vão mais longe. "Espírito, intelecto e físico, isto tudo compõe o ser humano. Se você deixa uma parte de lado, com certeza não está completo". E para reforçar seus argumentos, Vânia fala do futuro para quem ainda está jogando. "Hoje, elas até estão ganhando bem. Mas não o suficiente para não fazer mais nada da vida. Tem que pensar mais na frente".


Nome: Vânia Somayo Teixeira

Posição: Ala

Altura: 1,75m

Nascimento: Bauru (SP), 30 de abril de 1960

Onde atuou: Bauru (9 anos), Unimep/Piracicaba (12 anos), Emas-Mandi (Salto) e Ourinhos (SP). Seleção brasileira de 1976 a 90 (14 anos)

Títulos: campeã sul-americana adulto e juvenil, campeã pan-americana juvenil, prata e bronze no pan-americano adulto, bicampeonato Pan-americano por clubes com o Bauru.


Texto publicado na Gazeta e me enviado pelo Renato!

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