Boas férias, Melk!
O drible das vacas
MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE
Haveria uma bola. Afinal todos os esportes de sucesso na época utilizavam uma.
Seria uma bola grande. As pequenas geralmente careciam de equipamentos adicionais (um taco, uma raquete...) e, nesse caso, buscava-se o mais simples.
O rúgbi iluminava o caminho. Um jogo coletivo, que caíra no gosto popular. Bastavam-lhe dois times, uma bola e o chão.
Mas carregar a bola, em meio às trombadas, num campo aberto só oferecia riscos aos atletas. Dentro do ginásio/celeiro, selado devido ao inverno rigoroso, seria perigoso até para o público. E a encomenda da Associação Cristã de Moços dos EUA tinha sido específica: uma modalidade indoor.
Qual a alternativa a correr com a bola? A um dia do prazo, o canadense James Naismith estalou os dedos e gritou: "Passá-la!".
O basquete germinou em 1891 assim, como um jogo de passes.
As 13 regras originais deixavam claro: "O jogador não pode correr com a bola. Deve se livrar dela do exato ponto em que a recebe. O que, em movimento, recebê-la deve frear. Desrespeitar essas normas será considerado falta".
Com dinâmica tão engessada e equipes de nove atletas (o limite de cinco surgiu só seis anos depois), o resultado foi tecnicamente desastroso. Os relatos e os placares estéreis permitem imaginar que o jogador se livrava da bola o mais rápido possível enquanto o rival a perseguia. Lembrou-se da diversão do "bobinho"? Por aí.
Pouco a pouco, no entanto, os mais velozes perceberam que fugiriam da marcação se lançassem a bola para um canto desprotegido da quadra e, em seguida, na corrida, a recuperassem.
O drible do basquete nasceu em 1894 assim, um passe egoísta.
Nos primeiros anos, só os corajosos arriscavam. A bola era uma abóbora disforme de couro de boi. A costura, enorme, qual o cadarço de um tênis, transformava em aventura até um banal lance livre. Que dirá quicá-la no solo!
Tanto que, ainda em 1894, uns vivaldinos criaram o drible aéreo: atiravam a bola para o alto, pouco acima da cabeça, avançavam um passo ou dois, resgatavam a bola, paravam e recomeçavam.
A ACM espumou. Baniu o drible aéreo e orientou seus dirigentes a coibirem a esquiva pedestre. Era preciso proteger o jogo de passes concebido por Naismith.
Mas, ironia, graças ao trabalho de difusão das filiadas, o basquete transcendera as fronteiras cristãs. O drible (para baixo) foi liberado já no primeiro campeonato profissional de que se tem registro: a National League (1898-1903).
Você pode perguntar por que a coluna resolveu driblar hoje?
Será porque a seleção masculina, que enfim atua em território nacional, enfim corre pelas mãos do driblador Valtinho? Ou porque a feminina, que faz amistosos contra a Rússia, ainda tenta enquadrar as fintas de Adrianinha. Ou porque a contratação de Gary Payton, que será anunciada amanhã com a de Karl Malone, garantirá nova dimensão ao ataque estrelado dos Lakers na NBA?
Ou será porque ao colunista, perdido em uma fazenda no Pantanal, sem internet e sem TV, só restou olhar para o passado?
Gênese 1
Por um breve período, ainda no século retrasado, a ACM jogou em quadras fatiadas em três. Os atletas, divididos, eram restringidos a sua faixa. A experiência explica a nomenclatura em inglês das posições do basquete: "guard" (defesa), "forward" (ataque) e "center" (centro), que hoje identificam armador, ala e pivô.
Gênese 2
O ginásio da ACM tinha uma galeria oval, dez pés acima da quadra. Naismith fixou as cestas nessa pista. A altura sobrevive até hoje.
Gênese 3
A tabela surgiu em 1895 para impedir que os torcedores se debruçassem nessas sacadas e desviassem a trajetória dos arremessos.
E-mail melk@uol.com.br
Fonte: Folha de São Paulo
O drible das vacas
MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE
Haveria uma bola. Afinal todos os esportes de sucesso na época utilizavam uma.
Seria uma bola grande. As pequenas geralmente careciam de equipamentos adicionais (um taco, uma raquete...) e, nesse caso, buscava-se o mais simples.
O rúgbi iluminava o caminho. Um jogo coletivo, que caíra no gosto popular. Bastavam-lhe dois times, uma bola e o chão.
Mas carregar a bola, em meio às trombadas, num campo aberto só oferecia riscos aos atletas. Dentro do ginásio/celeiro, selado devido ao inverno rigoroso, seria perigoso até para o público. E a encomenda da Associação Cristã de Moços dos EUA tinha sido específica: uma modalidade indoor.
Qual a alternativa a correr com a bola? A um dia do prazo, o canadense James Naismith estalou os dedos e gritou: "Passá-la!".
O basquete germinou em 1891 assim, como um jogo de passes.
As 13 regras originais deixavam claro: "O jogador não pode correr com a bola. Deve se livrar dela do exato ponto em que a recebe. O que, em movimento, recebê-la deve frear. Desrespeitar essas normas será considerado falta".
Com dinâmica tão engessada e equipes de nove atletas (o limite de cinco surgiu só seis anos depois), o resultado foi tecnicamente desastroso. Os relatos e os placares estéreis permitem imaginar que o jogador se livrava da bola o mais rápido possível enquanto o rival a perseguia. Lembrou-se da diversão do "bobinho"? Por aí.
Pouco a pouco, no entanto, os mais velozes perceberam que fugiriam da marcação se lançassem a bola para um canto desprotegido da quadra e, em seguida, na corrida, a recuperassem.
O drible do basquete nasceu em 1894 assim, um passe egoísta.
Nos primeiros anos, só os corajosos arriscavam. A bola era uma abóbora disforme de couro de boi. A costura, enorme, qual o cadarço de um tênis, transformava em aventura até um banal lance livre. Que dirá quicá-la no solo!
Tanto que, ainda em 1894, uns vivaldinos criaram o drible aéreo: atiravam a bola para o alto, pouco acima da cabeça, avançavam um passo ou dois, resgatavam a bola, paravam e recomeçavam.
A ACM espumou. Baniu o drible aéreo e orientou seus dirigentes a coibirem a esquiva pedestre. Era preciso proteger o jogo de passes concebido por Naismith.
Mas, ironia, graças ao trabalho de difusão das filiadas, o basquete transcendera as fronteiras cristãs. O drible (para baixo) foi liberado já no primeiro campeonato profissional de que se tem registro: a National League (1898-1903).
Você pode perguntar por que a coluna resolveu driblar hoje?
Será porque a seleção masculina, que enfim atua em território nacional, enfim corre pelas mãos do driblador Valtinho? Ou porque a feminina, que faz amistosos contra a Rússia, ainda tenta enquadrar as fintas de Adrianinha. Ou porque a contratação de Gary Payton, que será anunciada amanhã com a de Karl Malone, garantirá nova dimensão ao ataque estrelado dos Lakers na NBA?
Ou será porque ao colunista, perdido em uma fazenda no Pantanal, sem internet e sem TV, só restou olhar para o passado?
Gênese 1
Por um breve período, ainda no século retrasado, a ACM jogou em quadras fatiadas em três. Os atletas, divididos, eram restringidos a sua faixa. A experiência explica a nomenclatura em inglês das posições do basquete: "guard" (defesa), "forward" (ataque) e "center" (centro), que hoje identificam armador, ala e pivô.
Gênese 2
O ginásio da ACM tinha uma galeria oval, dez pés acima da quadra. Naismith fixou as cestas nessa pista. A altura sobrevive até hoje.
Gênese 3
A tabela surgiu em 1895 para impedir que os torcedores se debruçassem nessas sacadas e desviassem a trajetória dos arremessos.
E-mail melk@uol.com.br
Fonte: Folha de São Paulo
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