domingo, 7 de março de 2004

Adolescentes, Danila, 15 anos e 2,02 m, e Rafael, 16 anos e 2,12 m, são os mais altos jogadores em atividade no país

Garrafão tem Pequena e Gigante no topo

ADALBERTO LEISTER FILHO
DA REPORTAGEM LOCAL


A Pequena nunca pensou em ser atleta. Escondida na fazenda dos avós em Riolândia (SP), gostava de colher acerola e jabuticaba no pé e ver os passarinhos comerem alpiste na garagem de casa.
O Gigante nasceu em Passatempo (MG). Com dois anos, mudou-se com a família para Belo Horizonte, mas nunca perdeu o gosto pelas cavalgadas. Aos nove, começou a quicar bola nas quadras do Minas. Assistindo aos jogos da NBA pela TV, tomou gosto pela coisa e passou a sonhar em seguir os passos dos ídolos do LA Lakers Shaquille O'Neal e Kobe Bryant.
Danila Silveira de Mendonça Fabbri e Rafael Rodrigues têm em comum o biótipo privilegiado para brigar pela bola no garrafão. Ela, 15, 2,02 m. Ele, 16, 2,12 m. Os mais altos jogadores de basquete em atividade no país. Pedras brutas, são lapidados por Osasco e Ribeirão Preto, times com boa estrutura para revelar talentos.
"Nem imaginava sair de Riolândia. Mas, quando recebi o convite, pensei: Deus está me mostrando um caminho. Resolvi segui-lo", diz a Pequena, que deixou sua bucólica cidade para se aventurar na fumacenta Grande São Paulo.
"No primeiro ano aqui, não conseguia fazer exercício aeróbico por causa da poluição", diz Danila, que deixou de ser uma aberração em uma cidade de 7.402 habitantes para conviver com outras quase tão grandalhonas como ela.
A descoberta da pivô aconteceu quase por acaso. Nos Jogos Abertos do Interior de 2001, em São José do Rio Preto, um juiz contou à técnica Macau, do Osasco, que havia uma menina muito grande, de 13 anos e 1,96 m, na região. Fernando Tessarotto, supervisor do time, ligou para a casa da família e convidou a garota para um teste.
"Ela veio zerada. Nem correr direito sabia", relembra Macau.
Mesmo com pouco fundamento, impressionou pelo físico avantajado. "No Brasil, nunca vi nada igual. A Alessandra, com 18 anos, não era tão alta", diz a técnica, citando a pivô da seleção adulta.
A transferência de Danila para Osasco motivou um rearranjo da família. Mary Lena, a mãe, e Laerci, a avó, alugaram um apartamento e se mudaram com ela.
Ocacil, o avô, ainda cuida da fazenda em Riolândia (562 km a noroeste de São Paulo), onde planta milho e cria gado. Humberto Hugo, o pai, separou-se de Mary quando Danila tinha seis meses. Mora atualmente em Mirassol.
"Na época pediram para alguém da família vir junto. A Danila era muito nova", lembra a mãe.
No COC, colégio em que estudou até 2003, ela ganhou o apelido de Pequena. "Era a mais alta da classe. Fiz amizade com os meninos, que passaram a me chamar de Pequena", conta a pivô, sem abandonar o sotaque interiorano.

Atlético x Cruzeiro
Rafael também se acostumou a ser o mais espigado da classe. "Me chamavam de Gigante", relata o pivô, que chegou há três semanas a Ribeirão, após negociações do clube com seus empresários. Sim, ainda cadete, Rafael já tem agente.
O atleta, que ficou três anos no Minas, afirma que a vocação para as quadras foi consolidada no colégio Magnum. "Não aprendi nada no Minas", critica ele, com a mesma prontidão com que luta para tomar a bola sob a tabela.
Depois dessa experiência frustrada, ganhou bolsa de estudos no Magnum, que mantinha uma parceria com o Atlético-MG. "Na verdade eu era cruzeirense. Mas hoje não ligo muito para futebol."
Antes de chegar a São Paulo, quase voltou ao Minas. Convocado para a seleção cadete, vice-campeã sul-americana em 2003, chamou a atenção do técnico Flávio Davis, que também dirige o clube mineiro. "Eles me ofereceram um contrato vantajoso. Mas, na hora de assinar, queriam mudar algumas coisas. Achei sacanagem e desisti", lembra Rafael.
Em Ribeirão, onde o Brasil se concentrou para o Sul-Americano, Rafael também despertou interesse no técnico Lula, da equipe local e da seleção brasileira. "Falei com o pai do Rafael em julho. Queríamos levá-lo, mas ele disse que gostaria que o filho acabasse o ano no colégio. Por isso, o trouxemos só agora", narra o treinador.
A decisão de liberar o rebento para ir a Ribeirão não foi fácil para a família. "Dói ficar longe dos filhos. Mas não posso atrapalhar a carreira deles", diz Geraldo, o pai, que tem outro descendente, Jeferson, no juvenil do Pinheiros.
Longe da família, o Gigante sabe que só altura não basta. "Tenho muito o que treinar e aprender."
A maior deficiência do pivô, segundo Márcio Juzzu, treinador das categorias de base do Ribeirão, é a falta de treinos. "Ele quase só disputava torneios escolares. Aqui o Rafael vai trabalhar todos os fundamentos. Não é porque é o mais alto que não vai aprender a conduzir a bola", observa Juzzu.

Dificuldades
Se encontraram seu mundo dentro da quadra, fora dela as dificuldades de adaptação em uma terra de liliputianos são enormes.
"É raro encontrar roupa no tamanho dela. A maioria mando fazer", relata a avó Laerci, que tem um trabalho adicional quando compra calças para a neta.
"Tenho que soltar a barra e, algumas vezes, costuro mais um reforço de pano no pé", conta.
Outro problema é quando Danila tem que procurar um tênis com seu número (45). "Até 41 você acha fácil. Acima disso é complicado", declara ela, que mesmo assim quer crescer ainda mais.
"Espero chegar a 2,05 m", afirma a pivô, que obrigou o pai a encomendar em Campinas um colchão de 2,10 m de comprimento.
Rafael perdeu a conta de quantas vezes bateu a cabeça na parede ao atravessar distraído uma porta.
"Em casa faço isso direto. As passagens quase sempre são baixas para mim", lamenta o pivô.
Para a Pequena, a altura limita as paqueras. "O garoto para mim tem que ter mais de dois metros."
O Gigante não se importa com isso. Já namorou uma garota de 1,65 m. Sua "maior" conquista, porém, foi uma pivô tcheca, que disputou um Mundial colegial em Goiânia. "Ela tinha 1,80 m", conta.

SAIBA MAIS

Seleção nacional já teve pivôs com excesso de altura

DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil já contou com atletas mais altos do que Danila e Rafael. Nos anos 60 e 70, Emil Rached, de 2,20 m, era o reboteiro da seleção. No começo dos anos 90, o time feminino tinha Ingrid Cabral, de 2,05 m.
Porém eles tinham gigantismo, doença que ocorre quando a hipófise, glândula localizada no cerebelo, produz em excesso o hormônio do crescimento.
"É uma doença rara. Se ela aparecer até a adolescência, o indivíduo cresce mais. Se for na idade adulta, ocorre a acromegalia, que é o aumento desordenado das extremidades do corpo", explica Antônio Roberto Chacra, chefe da disciplina de endocrinologia da Universidade Federal de São Paulo.
Não é o caso dos jovens. "Ela já fez vários exames. Deu tudo normal", conta Mary, mãe da pivô, que pode chegar a 2,05 m.
"Pesquisamos se a Danila teria alguma alteração hormonal, mas não encontramos nada. Ela tem uma genética privilegiada", acredita Luiz Fernando Machado, médico do Osasco.
Rafael fez exame que constatou que ele pode chegar a 2,22 m. "Nunca ficamos inquietos com seu tamanho. Os pais também são altos", diz Roseli, a mãe, que mede 1,85 m -Geraldo, o pai, tem 2,00 m.

(ALF)

Vôlei tentou tirar talentos de esporte rival

DA REPORTAGEM LOCAL

O físico do Gigante e da Pequena não despertou cobiça só de técnicos de basquete. As jovens promessas já despertaram a atenção e receberam propostas para mudar de modalidade.
"Quando comecei no Minas quiseram me levar para o vôlei, mas não gosto. Fiquei no basquete mesmo", afirma Rafael.
Danila foi convidada para subir à rede e dar suas cortadas pelo próprio treinador da seleção brasileira feminina, José Roberto Guimarães, que também dirige o time de Osasco.
"Uma vez o Zé Roberto me perguntou se eu não queria jogar vôlei. Mas a Macau, que estava por perto, respondeu na hora: "Vamos parar com essa história". E eu continuei no basquete", diverte-se a Pequena.
O treinador, porém, não desistiu. Voltou à carga no fim do ano passado. Perguntou se Danila não tinha mudado de idéia.
"Falei que era o dia do corte. Se fosse dispensada do basquete, iria me transferir para o vôlei. Ele disse que nunca me mandariam embora", diz ela.
Segundo Luiz Fernando Machado, médico do clube, a decisão foi acertada. "Ela tem biótipo de basquete. Para mudar de esporte teria que ser mais longilínea, para saltar mais alto e com a agilidade que o vôlei requer", analisa Machado.

NAS ALTURAS


"No começo eu sofria. Na quadrilha nunca tinha ninguém para dançar comigo"
DANILA

"Quando vou ao cinema, tenho que sentar na última fila. Ou então o pessoal reclama"
RAFAEL


Fonte:
Folha de São Paulo



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