
Depois de tanto tempo acompanhando o basquete feminino, algumas vezes constato –meio surpreso- que acompanhei quase toda a trajetória de uma determinada atleta.
Sílvia Andrea dos Santos Luz é um desses casos. Prestes a completar 35 anos (em 05 de março), ela continua sendo a
Silvinha para mim e para grande parte do público que acompanha basquete. A mesma menina que aos 18 anos foi recrutada por Miguel Ângelo da Luz e fez sua estréia com a camisa da seleção brasileira no Sul Americano de Cochabamba (1993). No ano anterior, Silvinha havia sido um dos destaques da seleção juvenil, que bateu os Estados Unidos na Copa América da categoria. No mesmo ano de 1993, a ala jogou a Copa América Adulta, e daí vem minha lembrança mais remota dela: alguns arremessos certeiros (algo desajeitados ainda, é verdade) na eletrizante partida em que a seleção bateu os Estados Unidos no Ibirapuera (99-92, na prorrogação). A jovem chegou a treinar com o time que conquistou o Mundial (1994), mas teve seu grande momento dois anos depois, quando conquistou uma vaga no grupo que foi prata nas Olimpíadas de Atlanta (1996). Teve atuações marcantes na competição, aos 21 anos. Se o jogo da ala só evoluia nos torneios internos, com uma série de conquistas em Campinas, Americana, no Fluminense e no Paraná (onde formou um trio fantástico com as irmãs Helen e Cíntia), o brilho na seleção ficou algo opaco com a troca no comando da comissão técnica. Muitas vezes improvisada na função de armadora, Silvinha não rendia tanto. O auge do desgaste se deu em 2003, quando a atleta pediu dispensa da seleção brasileira, deixando no ar a pergunta
“Como posso trabalhar e me dedicar ao máximo com um profissional que não confia no meu basquetebol?”. Quando o mercado interno do basquete feminino se sucateou, a ala buscou refúgio na Espanha, onde construiu sólida carreira e foi fundamental na chegada do Rivas à Primeira Divisão. A última passagem no Brasil foi em 2006, quando jogou um basquete de altíssimo nível na saudosa Ponte Preta (de Maria Helena Carodoso), vice-campeã estadual. Em 2009, a ala defendeu o Cadí e depois ficou sem clube num mercado espanhol cada vez mais contraído. Silvinha acabou jogando o Sul-Americano de Clubes pelo UTE, do Equador. Depois disso, voltou ao Brasil e ficou inativa. A chance de voltar apareceu no início de 2010, graças a um convite da sueca Anna Barthold, com quem Silvinha jogava na Espanha. Anna a trouxe para o Sundsvall Saints, da fria Suécia (país emergente no basquete feminino e tema de duas extensas recentes reportagens da FIBA Europa:
Parte1/Parte2). A estreia da ala por lá pode ser resumida pelo apelido dado à jogadora pela imprensa local: “Rainha Sílvia da Suécia”, uma referência à mulher do rei Carlos Gustavo, nascida na Alemanha, mas que passou a infância no Brasil. Essa nova fase na vida de Silvinha empolgou seus saudosos fãs. E um deles: o meu amigo Paulo Canepa é o responsável pela entrevista que se segue, na qual Silvinha fala dessa experiência, de seleção e da vontade de jogar no Brasil.
Atualmente você está atuando na Suécia, mas tivemos poucas notícias a seu respeito na temporada de 2009. Sabemos que você jogou na Espanha até abril e teve uma passagem pelo Equador no meio do ano. Fale um pouco sobre sua rotina na última temporada?
Isso mesmo, minha última atuação foi no Campeonato Sul-Americano de Clubes no Equador. Depois fiquei esperando para voltar à Europa, mas foi um ano difícil e complicado financeiramente para muitos clubes europeus. Conversei também com clubes no Brasil, mas não obtive respostas. O bom disso foi que deu pra curtir um pouco mais minha família e passar Natal e Ano Novo no Brasil, porque estava fora há muitos anos. Nunca fiquei parada porque sabia que a qualquer momento algo poderia surgir. Fiz muita academia, corrida, treino de arremesso e personal com meu irmão Neco Luz.
Após várias temporadas fora do Brasil, você encontrou as brasileiras que disputaram o Sul-Americano interclubes no ano passado. Como foi a experiência?
Foi mais uma experiência importante em minha vida. Tudo foi muito válido: conheci outras pessoas, outro tipo de basquete e outra cultura. Mas ainda em termos de Sul-Americano o Brasil está muito à frente.
Encontrei as brasileiras e tudo que é do nosso país me dá muita saudade. Mas infelizmente nem sempre as coisas são como gostaríamos. Tenho que correr atrás do meu trabalho. Vou onde precisam de mim.
Quais são suas primeiras impressões sobre a Liga Sueca? Como está sendo essa nova experiência em sua carreira?
Fui convidada pela minha amiga sueca Anna Barthold, que jogou comigo na Espanha. Estou aqui desde janeiro. Fiquei quatro partidas aguardando o visto de trabalho e pude notar que os jogos eram num ritmo intenso. Quando fiz meu primeiro jogo, percebi que estava certa. A maioria das equipes conta com jogadoras muito rápidas e isso deixa o jogo muito dinâmico e veloz. O jogo aqui está mais concentrado na velocidade e dinamismo que no jogo tático e cadenciado de outros países da Europa. As suecas são jogadoras de muita intensidade, rápidas e fortes. A maioria é jovem e falta um pouco mais de experiência, mas cada equipe tem duas estrangeiras e atletas da comunidade européia, o que aumenta o nível da competição.
O que você achou mais interessante no país e qual está sendo sua maior dificuldade de adaptação?
A Suécia é um país pequeno, com uma estrutura muito boa, onde tudo funciona bem. A educação é gratuita até o máximo nível de graduação. A saúde é igual para todos e funciona muito bem. O governo se preocupa com a qualidade de vida de todas as pessoas. Minhas maiores dificuldade aqui são o idioma e, com certeza, o frio. Estou esperando a primavera, porque dizem que o país é outro sem a neve.
É possível que o novo treinador da seleção brasileira feminina seja o espanhol Carlos Colinas. Além disso, recentemente a CBB firmou um acordo de intercâmbio com a FEB. Com a experiência de quem jogou seis temporadas seguidas na Espanha, me responda: O que o basquete espanhol tem para ensinar ao basquete brasileiro?
Hoje o basquete espanhol tem com certeza um dos melhores e mais estruturados campeonatos do mundo. Cada equipe tem pelo menos duas estrangeiras, além de três ou quatro atletas da comunidade européia. Isso deixa a competição com um nível muito forte. Cada país tem suas coisas boas e ruins. Sempre existem coisas novas para aprender com outras escolas, mas cada um tem a sua filosofia.
Recentemente ocorreram várias mudanças de comando no basquete feminino. Isso incentivou o retorno de algumas atletas que estavam afastadas da seleção brasileira, como por exemplo, a Claudinha em 2007, sua irmã mais velha, Helen Luz, e a Alessandra, em 2009. Qual sua opinião sobre essas mudanças e o retorno das atletas à seleção?
Já são sete anos longe da seleção. Não estou acompanhando de perto, mas fiquei muito feliz com a entrada da Hortência no comando do basquete feminino. Trabalhei com ela muitos anos em clubes e sei da sua seriedade. Tenho certeza que ela fará o possível e o impossível para reerguer a modalidade. A volta de minhas companheiras foi muito importante, pois são jogadoras de alto nível, experientes e que sempre fizeram de tudo pelo basquete e pelo nosso país, mas ao mesmo tempo me preocupa, porque estamos carentes de novas jogadoras com nível de seleção.
Você teve contato com a Hortência, depois que ela assumiu o cargo de diretora do recém criado Departamento Feminino na CBB? E com o presidente Carlos Nunes?
Não tive nenhum contato, mas tenho acompanhado tudo pela internet. Não conheço o Sr. Carlos Nunes, mas ele já tem meu respeito pelo fato da Hortencia confiar nele. Desejo sucesso a todos e estarei sempre na torcida.
As razões pelas quais você pediu dispensa da seleção brasileira em 2003 ainda existem ou já estão superadas? As mudanças de comando que aconteceram recentemente tornam possível sua volta à seleção ou você considera que seu ciclo já foi encerrado?
Gostaria de ter saído de outra forma, mas eu não vivo do passado, por isso, com certeza está tudo superado. A vida continua e sou feliz por poder fazer o que mais gosto na vida que é jogar basquete, seja onde for. O ciclo de um atleta termina quando ele já não se sente capaz de desempenhar sua função na equipe. Ainda me sinto muito capaz, mas, quanto à seleção, não sei se seria possível minha volta, pois estou distante há muito tempo.
Está previsto para esse ano a primeira edição da versão feminina da NBB. Você gostaria de voltar a atuar por clubes brasileiros ou pretende continuar pela Europa mais alguns anos?
Tenho contrato com o Sundsvall Saints até maio. Gostaria muito de voltar a jogar no Brasil e trazer comigo minha amiga Anna, que me trouxe à Suécia. Quero retribuir o que ela fez por mim. Este tempo que estive no Brasil conversei com alguns clubes. Mas duas equipes que seriam formadas para participar do último Nacional acabaram não saindo do papel. Depois estava praticamente certo para eu jogar em outro clube, mas o elenco já estava completo. Enfim, espero que com essa nova liga as coisas mudem e todas nós que estamos atuando na Europa possamos voltar ao nosso país.
Bate bola:
Uma cesta inesquecível: Uma recente aqui na Suécia. A partida estava empatada e quase estourando o tempo fiz uma cesta de três.
Um título inesquecível: Em clubes, os Nacionais de 1998, com o Fluminense, e de 2000, com o Paraná e o Paulista de 2002, por Americana. Na seleção, as duas medalhas olímpicas: Atlanta (1996) e Sydney (2000).
Uma equipe inesquecível: Paraná.
Uma seleção inesquecível: a seleção de Atlanta em 1996.
Melhor atleta que jogou com você: Foram muitas, mas Paula e Hortência são únicas
Melhor atleta que jogou contra você: As duas novamente.
Melhor momento na seleção brasileira: minha estréia olímpica em Atlanta.