Finalizado no último domingo, o Mundial sub 19 confirmou mais uma vez a supremacia estadunidense no basquete feminino. A potência conquistou o tetracampeonato consecutivo; nas últimas onze edições, os Estados Unidos somam dez ouros e uma prata. Apresentando mais uma geração brilhante no cenário mundial, não parece estar perto do fim o domínio na modalidade.
A seleção trucidou suas adversárias na fase de grupos e nas oitavas-de-final, tendo que esperar até as quartas para encontrar uma rival à altura. A partida mais difícil e disputada na campanha dourada não podia ter outra adversária que não a França, outra potência do basquete que forma ótimos prospectos geração após geração. Único jogo com diferença em dígitos simples, a França reproduziu na categoria sub 19 o mesmo perigo imposto às americanas no adulto.
As duas principais escolas da atualidade anteciparam a final devido à derrota francesa na fase de grupos perante a Austrália. O revés jogou a França para o chaveamento dos Estados Unidos e tirou a chance de ambas alcançarem o pódio. No melhor jogo do torneio, os EUA precisaram de muito suor e intensidade coletivas, além do talento da MVP do Mundial (a ala-pivô Saniyah Hall saiu-se com 26 pontos e 6 rebotes) e de sua companheira no quinteto ideal (a pivô Sienna Betts). Frente a uma seleção tão atlética e fundamentada quanto a sua, os talentos individuais precisaram aparecer para sacramentar a vitória por 70 x 65.
Saniyah Hall cresceu na reta decisiva da competição e ganhou a disputa interna pelo prêmio de MVP; com 1,85 e 16 anos, ela exemplifica uma tendência desta edição do Mundial. Desfalcadas de jogadoras com idade para participar do sub 19, muitas das quais já figuram nas seleções adultas (como as espanholas Awa Fam e Iyana Martin, a chinesa Zhang Ziyu, a japonesa Kokoro Tanaka), as seleções anteciparam o desenvolvimento da geração seguinte. Não apenas Saniyah Hall, a seleção estadunidense contou ainda com Jerzy Robinson (MVP do sub 17 do ano passado) e Sydney Douglas, todas com idade para o próximo Mundial sub 19, de 2027.
O sinal é claro: com essa idade, as protagonistas já jogam com(o) adultas. Outra jogadora do quinteto ideal, a espanhola Somto Okafor também é elegível para a próxima edição da categoria.
Com a França fora das semi-finais, quem se beneficiou foram as australianas. A tradicional seleção mostrou que segue formando novas gerações em condições de competir; venceram a França na fase de grupos e, após um susto nas quartas (quando venceram a Hungria na prorrogação), ganharam do Canadá para garantir a vaga na final e a prata. Com um basquete repleto de fundamentos e muito físico, assentado na defesa pressionada, o coletivo se sobressaiu. A ala-armadora Bonnie Deas cavou seu lugar no quinteto ideal, mas não se engane - há muito talento no elenco (atenção para Madison Ryan, com seu QI altíssimo, e Sitaya Fagan, com sua velocidade e seu arremesso cada vez mais polido, outras elegíveis para o Mundial de 27).
A Espanha, desfalcada das estrelas dessa geração, conquistou um honroso bronze ao derrotar o Canadá, seleção apontada como grande candidata a bater de frente com os EUA. Para isso, porém, precisaria derrotar as outras potências, tarefa à qual seguidas gerações vêm falhando. Mesmo liderada por Syla Swords, presença constante na seleção adulta e egressa de participação olímpica em Paris, o Canadá caiu na hora decisiva. A despeito do resultado decepcionante, apresentou um elenco extremamente atlético e veloz, capaz de quebrar adversárias vacilantes.
A real disputa por posições começa depois das cinco seleções de ponta do basquete feminino mundial (EUA, Austrália, Espanha, Canadá e França), as quais comprovaram que seguirão no topo por um bom tempo. Também no segundo escalão do Mundial, o padrão do adulto se mantem, com seleções européias sempre competitivas e alguns destaques individuais bem amparados por coadjuvantes cientes de suas limitações. Hungria, Portugal (em sua estreia na categoria, ficou na sétima posição graças à promessa no garrafão, a pivô Clara Silva) e Israel (décima colocação graças à pontuação e à mira da voluptuosa ala Gal Raviv) provam que o intercâmbio visto no continente colhe seus frutos.
Entre as seleções asiáticas, a China sentiu a falta de sua referência técnica no garrafão; já o Japão, praticando o mesmo basquete visto em todas as categorias (caracterizado por defesa pressionada e veloz, capaz de dobrar em qualquer canto da quadra e por um ataque de muita movimentação e alto volume de arremessos de três), terminou na sexta posição, logo atrás do quinteto de elite. Independente da falta de estatura, as japonesas provaram ao mundo a possibilidade de um basquete coletivo e inteligente.
O continente africano, já com poucas vagas (2), se viu desfalcada de sua campeã continental. Mali não obteve os vistos de viagem necessários e, por razões extra-esportistas, não participou do torneio; não foi a primeira vez que as malinesas sofreram por esse motivo. Sem que a Fiba demonstre muita preocupação em desperdiçar uma geração inteira, o basquete africano sai prejudicado, ameaçando a evolução dos últimos anos.
Por fim, o Brasil. No fim, o Brasil, que venceu tão somente sua rival continental (Argentina) para se livrar da lanterna. Nos últimos três Mundiais da categoria, nossa seleção soma míseras duas vitórias, sem ultrapassar a décima quarta posição, muito pouco para um país tão tradicional no basquete. O resultado reflete o sucateamento cada vez mais profundo da formação, do circuito de base; com pouquíssimos clubes formadores, sem apelo de público e investimento reduzido, as praticantes escasseiam e o poço se aprofunda a cada nova competição.
Se o passado recente não trazia grandes expectativas para o Mundial, o elenco possuía promessas mais fortes que os elencos pregressos. Seguindo a tendência mundial, as duas protagonistas (Ayla McDowell e Manu Alves) participaram do vice da Americup adulta; tal qual as potências, dispúnhamos de jogadoras elegíveis para 2027 (Julia Preis e Mica). Nada que fosse bem aproveitado pela comissão técnica liderada por Leo Figueiró. Ao invés de produzir um coletivo coeso e intenso, vimos um ataque centrado em pick-and-roll e pouco cuidado com a bola.
Muito parecido ao padrão da seleção adulta, bem como ao basquete do NBB (de onde Figueiró foi fisgado), o lado defensivo deixou muito a desejar. Sem postura no 1x1, sem cobertura e movimentação, sem comunicação e baixíssima intensidade, a defesa foi o calcanhar de aquiles de um elenco promissor para nossos padrões recentes e a grande responsável por derrotas que poderiam ser evitadas. Perdemos para o Japão (quinta colocada) nas oitavas, depois de um início equilibrado, sem prevalecer nossa altura e força; perdemos para a Coréia do Sul por apenas 7 pontos; perdemos para a Tchéquia por 5 pontos.
Se a CBB não rever a preparação, repetiremos o fracasso nas edições vindouras. Uma formação com muitas lacunas mereceria um longo período de maturação, com toda a comissão disponível - o contrário do que aconteceu. As mudanças na rotação durante a competição apenas comprovam a falta de planejamento. Sem mudança de postura (a transição defensiva foi um desastre, sem qualquer conserto), não adiantou trocar jogadoras que apenas completam o quinteto.
Durante o ciclo de formação desse time, as jogadoras passaram por um comando técnico diferente a cada torneio, condição pouco auspiciosa para compensar a formação falha. Julia Preis mostrou flashes promissores, assim como a armadora Micaela, que devem compor o próximo ciclo na categoria; ambas, porém, precisam de muito trabalho técnico e físico. Nosso último grande resultado na base, no já distante 2011, não surgiu do nada, antes fruto de longo trabalho junto ao elenco, propiciado pela CBB. O caminho é conhecido, resta trilhá-lo.
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