Na minha ignorância ocidental sempre achei a pivô chinesa Zheng Haixia muito (mas muito mesmo) curiosa. A jogadora apesar da sua forma física impressionante (seus incríveis 2,04m), talento, marcas e conquistas incríveis, sempre manteve uma postura muito discreta. Uma das suas marcas era um sorriso grande (como a dona) que surgia durante os jogos. Me lembro de um toco que ela deu em Paula na decisão do Mundial 1994 e logo depois abriu um sorriso. Até hoje quando penso na partida, a frase de Luciano do Valle sempre me vem à cabeça: “Ela não sabe o que fez com esse sorriso.”
Vinte anos depois, aquele seu sorriso ainda não saiu da minha cabeça. Há cinco anos na comemoração dos quinze anos da conquista, escrevi esse texto (Do Bert, com emoção) para o Fábio Balassiano e já registrava esse momento.
Nesse ano, na comemoração dos 20 anos, Fábio chegou a pensar na possibilidade de entrevistá-la. Sugeri que ele voltasse à Terra e falasse com Teresa Edwards. Mas de lá para cá, voltei a pensar na curiosa chinesa, de quem além dos jogos eu havia lido uma entrevista na Folha.
MVP daquele Mundial (médias de 26 pontos, 13 rebotes por jogo e ‘imorais’ 83% de aproveitamento de arremessos), Zheng é uma celebridade na China. Embaixo da cesta, era mortal. Muitas vezes era marcada por duas, três atletas do time adversário. Carregava a seleção nas costas e foi a alma das conquistas do bronze mundial em 1983 (16,7 pontos por jogo) e do bronze olímpico em 1988 (28,1 pontos por jogo). Com números mais discretos, esteve nas pratas olímpicas de 1984 (7,4 ppj) e 1992 (7 ppj). Suas últimas competições foram a Olimpíada de Atlanta (nona colocação – 18,1 ppj) e o Mundial da Alemanha (décima segunda colocação – 11,8 ppj).
Os momentos de menor produção geralmente decorriam de seus problemas crônicos com o joelho e o peso. Tudo isso combinado com uma carga de treinamentos de sete horas/dia.
Mesmo quando não brilhava, Zheng era uma atração a parte. Em Barcelona, foi alvo da atenção do Dream Team. John Stockton cutucou Karl Malone ao vê-la passar e provocou: “Ela é maior que você!”.
Ainda em Barcelona, Daedra Charles declarou após enfrentá-la que a chinesa tinha panturrilhas maiores que as de Arnold Schwarzenegger.
O mesmo confronto mereceu um comentário antipático da estrela Cynthya Cooper. Segundo ela, Haixia trazia o basquete dez anos para trás, numa clara referência ao dominio soviético na década passada, personificado na também gigantesca Uljana Semenova.
Os dados mais curiosos da biografia de Zheng aparecem no final da carreira, quando em um movimento ousado (e sem falar uma palavra em inglês) foi para a temporada de estreia da WNBA defender o Los Angeles Sparks. Antes mesmo de Yao Ming, a América conheceu Zheng Haixia.
Retirada da sua posição de conforto e instigada a um estilo de jogo de maior mobilidade, Zheng teve problemas, mas não perdeu seu (limitado) rebolado oriental. Teve algumas alterações memoráveis, deu trabalho às melhores pivôs da liga à época e continuou exercitando seu sorriso.
Muito comparada a Shaquille O'Neal, era constantemente perguntada se não seria capaz de enterrar. Ela encerrava o assunto com um rápido “Nem tento.” Na imprensa de Los Angeles muitos recomendavam que Shaquille, então no Lakers, aprendesse a cobrar lances-livres com Haixia, precisa no arremesso.
Consta que numa ocasião a chinesa interrompeu um treinamento dos Sparks e chamou seu tradutor. Queria que ele desse um recado à armadora Tamecka Dixon: ela precisava sorrir mais durante os jogos e mostrar que tinha prazer em jogar basquete.
Perguntada sobre quais jogadores ela admirava, a resposta era tão lacônica como curiosa: “Jordan e eu.”
Zheng hoje leva uma vida confortável na China. É coronel do Exército e capitã de um time junior local. Segue apaixonada pelo basquete e diz acompanhar a liga chinesa e a WNBA.
Suas maiores reclamações eram a calmaria da vida sentimental, limitada pela altura e pela fama.
Mas em 2010, aos 43 anos, Zheng resolveu essa pendência e se casou com Groom Xu Qinghua. Nos registros do casório, lá está o mesmo sorriso:
Vinte anos depois, ao ler tudo isso sobre a vida da chinesa, nem me importava mais com aquele sorriso.
Mas ainda assim resolvi escrever para Paula. Não comentei minhas descobertas com a Mágica, mas perguntei se aquele sorriso após o toco havia sido marcante.
Com o bom de humor de sempre, Paula disse que apenas se perguntou: “O que mesmo eu fui fazer dentro desse garrafão?”
Certamente se ouvisse a resposta de Paula, Zheng abriria outro sorriso.
17 comentários:
Bert, demais o seu texto!
Lendo, revivi a conquista brasileira em 94.
òtima matéira, Bert.
Acho que ela tem mais que 2,04m como é sempre dito, pois a Alessandra que segundo consta tem 2,00m é muito menor que ela quando vejo alguns jogos antigos a Ale é muito mais baixa que ela, ela parecia realmente uma gigante em quadra em todos os sentidos, e ao contrario do que vemos hj nas pivôs, que não acertam bolas debaixo da cesta, o único problema era deixar a bola chegar nas mãos de Zheng, pegou a bola na mão era cesta com ctz!
bert,
ela não era só grande, mas sabia se movimentar no garrafão.....sabe porque ainda não entrou no hall da fama?
Arrepiado com o texto. Parabéns!
Léo Rodrigues
adorei o texto também...a haixia só nos traz boas lembranças
Muito bonito esse texto, parabéns!
abraço!
Na foto com Magic Johson que tem 2,06 ela parece maior
Nossa, como esperei por anos matéria sobre essa super pivô, que deixava qualquer marcadora louca. Queria muito vê o confronto dela com Alessandra e Marta, em Atlanta, 96.
Parabens pela materia, sempre admirei a Zheng, a vi de perto em um mundial interclubes realizado no Brasil e realmente o tamanho dela impressiona e intimida. Ainda bem que no mundial de 94 Alessandra e Leila conseguiram anular a Zheng.
Boas lembrancas!!!!!
Nossa Bert,
Como vc descobre tantas coisas??
Ate foto do casamento, vc tem?
Muito muito reviver estes momentos.
Tinha ao mesmo tempo uma admiração e medo pelo HAixia.
Abs
Rogério
K texto bem escrito....dah um trazer diferente ler seus textos, garoto!
Maravilhoso Bert, nos transporta as lembranças e alegrias vividas com o meu amado basquete parabéns Cleide de são paulo ...sua fã
Parabéns !!!
Mais um texto excelente da magia do basquete feminino internacional !
Parabéns Bert !
Bert você tem algo sobre outras super pivôs ? Uliana Semenova, Razija Mujanovich, Catarine Poline, Margot Dadek e principalmente sobre Leonor Boreo ? Se tiver manda ai fera...
Abraços !
Bacana matéria.
Ao amigo que quer o jogo Brasil 98 x China 83 ela já não era mais a mesma, final de carreira, pouco pode fazer, China não fez boa campanha dependiam muito dela
Lembro muito boa jogadora, engraçado vi essa imagens pelo googles saudades daquele tempo
Bert vc tem videos da CEI e da Russia e jogos de natalia zassouskaya
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