quinta-feira, 19 de abril de 2012

De preparador físico a técnico da seleção, Tarallo sonha com ciclo longo

O caminho não foi convencional. Ele não jogou basquete na infância e nem sonhou ser a voz de comando de uma equipe quando crescesse. Na verdade, preferia o gramado à quadra. Mas foi nela que a oportunidade de trabalho apareceu. Luiz Cláudio Tarallo virou preparador físico das divisões de base do Jundiaí numa grande época do basquete feminino da cidade, como faz questão de frisar. Só não podia esperar que com o fim do projeto competitivo do Divino, no início da década de 90, fosse ser chamado para ser técnico. O gosto pelo desafio o fez aceitar a nova função, mas impôs uma condição: ficaria no cargo até um treinador de ofício ser contratado. Não conseguiu mais largar.

Aos 45 anos, a vida mudou de novo. No fim do ano passado, resolveu aceitar o convite da CBB para deixar as seleções da categoria de base e assumir a principal. A missão não é simples, o tempo é curto e a pressão por resultados nos Jogos de Londres é grande. Mas ele se diz tranquilo. Quer logo iniciar a preparação e sonha que seu ciclo dure bastante.

Tarallo está casado com Patrícia há 20 anos e tem dois filhos. Leonardo joga futsal no colégio, e Letícia faz dança. Basquete para eles, só nas conversas em casa. Lugar onde a partir de 1º de maio passarão a ver bem menos o pai. Neste dia, o primeiro grupo de atletas convocadas dará início à preparação olímpica. O segundo, formado por aquelas que disputaram a final da LBF e pelas que estão jogando na Europa, ainda não tem data definida para se apresentar em Jundiaí. A lista com os nomes escolhidos pelo técnico será divulgada quinta-feira.

Em entrevista, Tarallo diz que deve lançar jovens jogadoras em algumas posições. Lembra que o trabalho também visa à Olimpíada do Rio, em 2016. Conhece a nova geração como a palma de sua mão, já que à frente dela conquistou o inédito bronze no Mundial sub-19 em 2011. Para Londres, evita criar expectativas com relação a resultados. Segundo ele, o objetivo da equipe será pensar em vencer cada jogo e lutar o tempo todo. Está feliz por contar com Éríka e Iziane no processo. Acredita que, mesmo sendo marinheiro de primeira viagem, assim como toda a sua comissão técnica, poderá voltar de lá com uma boa colocação se o grupo mostrar comprometimento.

GLOBOESPORTE.COM: Como o basquete entrou na sua vida?
Tarallo: Eu trabalhava como preparador físico das equipes de base de Jundiaí, numa grande época. Em 1992, quando acabou todo o projeto competitivo da cidade, a Prefeitura me falou para ser técnico. Eu disse que não. E falaram: "Foi todo mundo embora e só ficou você dos que tinham contato com o time principal". Eu ficava vendo como era a função do treinador e, na ausência dele, era eu que estava sempre lá. Como gosto de desafios, disse que tudo bem. Mas que ficaria até que outro técnico chegasse. Só que senti o gosto e acabei ficando. Fiz um caminho diferente do da maioria. Eu nem fui jogador. Na verdade, gostava de jogar futebol. De vez em quando ainda faço isso. Toda semana uns grupos também se reuniam para jogar basquete. Como jogador estou indo muito bem como técnico (risos).

Naquele período como preparador físico trabalhou com algum talento que brilharia mais tarde na seleção adulta?
A Alessandra (pivô campeã mundial em 1994 e medalhista olímpica). Ela nos procurou quando estava com 17 anos. Não tinha todos os fundamentos, mas trabalhou muito e, pela altura, se destacava.

Para alguém que iniciou a trajetória como preparador físico o Carlos Alberto Parreira (técnico do tetra na Copa do Mundo) é uma boa referência?
(Risos). Parreira é uma referência boa, sim. Espero, quem sabe, conseguir os resultados que ele conseguiu com a seleção. Foi um treinador competente e também com ética. Deixou exemplos e resultados também.

Você sempre trabalhou com basquete feminino? Nunca pensou ou teve vontade de estar à frente de uma equipe masculina?
Na realidade, sim. Sempre trabalhei com meninas. Tenho uma afinidade grande, mas é preciso ter um feeling para compreender o comportamento e a postura de uma mulher. Ser treinador é também administrar pessoas. Sempre procurei estudar a atleta do ponto de vista fisiológico e psicológico. Todo técnico que trabalha com mulheres tem sempre que se atualizar. Não é porque eu não gosto ou tenha algo contra o masculino, mas acho difícil mudar. As coisas foram acontecendo naturalmente para mim e dando certo. Passei pela seleção paulista e desde 2005 estava na seleção brasileira de base.

E como foi fazer parte da equipe que conquistou o inédito bronze no Mundial sub-19 no ano passado? O que se pode esperar desta geração para as Olimpíadas do Rio?
Elas mereceram aquela conquista. Tudo foi feito com muito empenho. Compraram a ideia de vencer, venceram obstáculos, o que facilitou muito o trabalho. Conseguimos treinar por um período longo. Tivemos tempo, dedicação e um grupo altamente comprometido. Meninas promissoras apareceram, como a Damiris que foi MVP do campeonato. Algumas delas foram aproveitadas na seleção adulta e outras fizeram parte dos treinos, como a Ramona. Já temos um planejamento para promover o maior número possível de vivência e oportunidade de jogar contra vários países antes dos Jogos, como China, EUA, Argentina, Chile, Argentina, Japão... É preciso chegar com experiência internacional, vivenciando situações contra as melhores e também diversas escolas de basquete.

Você recebeu uma missão importante e complicada. Pode ser uma coisa muito boa, mas nem tanto assim caso o resultado não saia...
Eu já tinha sido sondado uma vez, mas, com problemas pessoais e de contrato, não tinha como eu entrar. Também já tinha trabalhado como assistente da adulta nos Sul-Americanos de 2005 e de 2006 (o técnico era Antonio Carlos Barbosa). No fim do ano passado, recebi um convite oficial. Primeiro fiquei contente porque era um reconhecimento, estava sendo elevado a uma seleção adulta. E o convite veio com as Olimpíadas junto. Muitos treinadores chegaram à adulta e não foram aos Jogos. Sei a importância deste momento do basquete, que está preocupado em crescer. Além disso, fiquei animado porque é um cargo visando 2016. Agora vamos para Londres com força máxima. Dependendo da carência de alguma posição ou outra, vamos lançar atletas mais novas. Eu fui acompanhar jogos do Europeu. Foi bom para estudar pontos fracos e fortes de possíveis adversários. Saber como jogam e gostam de jogar. O sorteio olímpico será este mês. Eu já queria logo poder estar treinando o grupo, saber com quem vou poder contar. É uma ansiedade gostosa, estou curtindo. Sei que o resultado pode não vir. Falei que vou fazer o máximo que posso porque o trabalho é feito em um ciclo olímpico e eu estou assumindo no final dele. E a CBB me disse que é o início de um ciclo. Isso me deixou tranquilo.

Esse ciclo olímpico contou com outros três técnicos antes de você (Paulo Bassul, Carlos Colinas e Ênio Vecchi). Como via essas constantes mudanças?
Eu não tinha uma posição com relação a isso. Sempre foi uma tentativa de acerto e de aproximação das ideias do treinador e da CBB. Ninguém fica eternamente numa seleção. Uns têm períodos curtos e outros maiores. A gente sabe como funciona. Hoje a CBB está fazendo um realinhamento e entendeu que eu seria ideal para o trabalho. Vou ter uma fase, mas espero que meu ciclo dure bastante (risos). Estou curtindo, tranquilo, ciente e contando com o respaldo dos meus outros dois empregadores. Estou licenciado na Prefeitura de Jundiaí e no colégio de irmãs vicentinas, onde sou coordenador da área de Educação Física.

Então tem muita gente rezando por você.
As irmãs do colégio, né? Não tinha pensado nisso! (risos). Tenho compreensão de todos os lados. Deixei muitas portas abertas.

A comissão técnica do Brasil é formada por debutantes olímpicos. Como acha que vai ser controlar a ansiedade de vocês e das jogadoras também?
Essa é uma comissão que eu conheço e acredito. São pessoas gabaritadas. Temos que pensar que todos os grandes técnicos e jogadores já foram aos Jogos Olímpicos pela primeira vez. Temos exemplos de resultados de treinadores e comissões novas que foram bem. O contrário também já aconteceu. Não acredito que isso faço a diferença. A força está nos momentos dos jogos, no saber o que quer e no foco. Temos uma base de atletas experientes. Mas nada impede que uma menina nova, que não está com pressão sobre os ombros, possa ir para cima. Todas sabem jogar basquete e também sabem a dificuldade de chegar até uma Olimpíada. Têm que aproveitar, estar tranquilas para curtirem o momento sem uma pressão exagerada. É uma competição de tiro curto, o grupo tem que estar comprometido, ciente das coisas que vão acontecer e ser persistente. Não poderá se acomodar diante das dificuldades.

A modalidade conta hoje com um campeão olímpico treinando a seleção masculina. Já teve alguma oportunidade de conversar com Rubén Magnano?
Sempre acompanhei o trabalho dele. Não tive a oportunidade ainda porque cheguei agora e por conta de compromissos. Mas quero ter a chance de trocar ideias, sim. Não sou do tipo que tem orgulho e não pergunta as coisas. Lá no Europeu eu conversei com técnicos e jogadoras. Acho que é com essa troca que se cresce. Isso tem que ser feito não só com o Magnano, mas também com técnicos de outras modalidades. Dá para se tirar muitas coisas.

Há algum treinador, time ou atleta que serve de referência para você?
Eu seria injusto se escolhesse só uma pessoa. Não estou sendo demagogo. Hoje o trabalho no basquete feminino deve-se a um grande número de pessoas e, principalmente aos treinadores. Temos excelentes profissionais. Fora do basquete também não tenho um específico.

Quando será iniciada a preparação para Londres e com que número de jogadoras?
A convocação será feita depois da final da LBF porque tenho algumas dúvidas e precisava respeitar os clubes que estavam competindo. Como houve mudanças, alterações de datas no calendário e o Sul-Americano passou para junho, vamos ter que estudar essas trocas. Por isso é que não posso falar com quantas jogadoras vou iniciar o trabalho. Eu queria participar do Sul-Americano com os nomes da lista, mas vamos estudar isso. Algumas atletas vão precisar de dias de folga, como Érika e Adrianinha, que vão estar em fim de temporada na Europa. Pensamos em tê-las o mais rápido possível, para podermos fazer uma programação adequada a cada situação.

Além do amistoso com os EUA, já foi fechada a lista de países que você quer enfrentar?
Pedi para jogar com o maior número possível de equipes fortíssimas, mesmo que no início não seja promissor. Vamos jogar com os EUA, três partidas lá na Austrália, um torneio na França na véspera dos Jogos que vai ter China e Austrália também. E convidamos algumas seleções para virem ao Brasil. Estamos esperando para ver quais se interessam. Precisamos preparar uma equipe muito forte na defesa e com boas opções ofensivas. O contra-ataque é uma arma que gosto muito de explorar nas minhas equipes, mas quando o jogo precisar ser cadenciado, exploraremos a individualidade de cada atleta, mas sempre cuidando dos fundamentos.

Havia a dúvida se Iziane iria ou não a Londres. Desde o episódio com Bassul, a imagem dela ficou arranhada. Como é seu relacionamento com ela?
Fui técnico dela no juvenil no Osasco. Era uma menina na época e hoje é uma excelente jogadora, que amadureceu muito. Iziane tem um alto nível de basquete e é importante para o nosso esquema de trabalho. Não tenho problemas de relacionamento com ela. A encontrei durante a LBF. Talvez tenha tido alguns problemas antes, mas não era com o meu trabalho. É uma coisa que ficou para trás. Estou zerado com ela. Pelas vezes que conversamos, percebi que está querendo muito trabalhar. A prova disso foi que ficou conosco, não foi para a WNBA.

Hortência falou após o nono lugar no Mundial de 2010 que queria contar com Iziane e Érika desde o início da preparação olímpica. Já há uma posição da Érika a respeito disso?
Estive lá na Espanha conversando com ela. Desta vez, não vai chegar às vésperas da disputa de uma competição. Não deverá estar no treino na primeira semana porque daremos um tempo para que descanse. A ideia é evitar lesões mesmo. A decisão das duas, de dar prioridade à seleção, me deixou feliz. Elas são exemplos para as mais novas.

A lista deve ter nomes muito diferentes daquela do Mundial?
Aquela é uma base, mas em algumas posições vai haver trocas sim. Contaremos com algumas jogadoras novas, que vêm pela primeira vez. Estou estudando com carinho e analisando muito.

Em Pequim-2008, o Brasil ficou em 11º lugar. O que seria um bom resultado em Londres?
Trabalho pelo melhor possível. Temos que pensar nas vitórias. O grupo tem que ter uma das mãos no sonho e outra na realidade. Temos que pensar jogo a jogo. Lá estarão os 12 melhores países do mundo. Não gosto de falar em colocação porque, se não atingirmos, pode ser frustrante. Temos, sim, que ter como objetivo vencer cada jogo, lutar o tempo todo.

Você costuma usar em seu trabalho vídeos, livros, frases para motivar o grupo?
Gosto muito de trabalhar esse lado. Converso muito nos treinos e nos jogos. Gosto de trabalhar com exemplos de atletas, grupos, filmes, histórias de vida. Se você me perguntar se eu tenho alguma música ou filme predileto para me motivar também, eu vou dizer que não. Sou uma pessoa prática, o que me motiva é a quadra.

Fonte: Globo Esporte

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