segunda-feira, 14 de março de 2011

'Auto-exilada', Ariadna lembra encontro com Fidel Castro e discorda de Iziane (Gazeta Esportiva)

Bruno Ceccon

Ariadna Capiró nasceu em Havana, mas é cada vez mais brasileira. No País desde 2006, a ala do Santo André, melhor jogadora e cestinha da primeira edição da Liga de Basquete Feminino (LBF), já tem dificuldade para falar espanhol, cursa uma faculdade no ABC e lamenta a impossibilidade de defender a seleção. Com medo de retornar a Cuba e ser impedida de sair novamente, a jogadora vive uma espécie de 'auto-exílio' enquanto espera pelo visto de residência no Brasil.

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Por Cuba, ela foi campeã pan-americana em Santo Domingo-2003, mas está afastada da equipe desde que resolveu se profissionalizar. Em 2008, Paulo Bassul, então técnico do Brasil, chegou a sondá-la, mas o regulamento da Federação Internacional de Basquete (Fiba) impede uma atleta de defender dois países. Aos 28 anos, no auge da carreira, a jogadora sofre por não poder defender uma seleção em torneios como Mundiais e Jogos Olímpicos. A ala tomou cuidado ao falar sobre Iziane, do Atlanta Dream, que se recusou a atuar pelo Brasil sob o comando de Bassul, mas não escondeu sua discordância.

"Com certeza eu, no lugar dela, aceitaria com o maior orgulho uma convocação para a seleção, até porque é o meu sonho. Mas cada um tem os seus motivos para aceitar ou rejeitar", disse a cubana. Ela ainda condenou a decisão de contratar Ênio Vecchi para comandar a seleção feminina no lugar do espanhol Carlos Colinas após o fracasso no Mundial da República Tcheca-2010 e sugeriu a experiente Laís Elena, premiada como melhor treinadora do LBF pelo Santo André.

Filha de Armando Capiró, um dos melhores jogadores de beisebol da história de Cuba, Ariadna percorreu os poucos quarteirões que separam sua casa do Ginásio Pedro Dell'Antônia para conceder entrevista exclusiva à GE.Net. Com as arquibancadas vazias, a autora de 354 pontos em 20 partidas do LBF contou como deixou a casa dos pais com 11 anos para iniciar a carreira, lembrou o encontro que teve com Fidel Castro, defendeu a Revolução de 1959 e manifestou esperança no futuro da Ilha que não visita desde 2005.

193_14.22.2011_8483_ef_20110227 GE.Net - Em que lugar você gostaria de estar neste exato momento?
Ariadna -
Com certeza, agora eu gostaria muito de estar em Cuba. Depois que acabou a final, o que eu mais queria era estar com as malas prontas e dizer: "vou para Cuba". É o que todas as meninas da equipe estão fazendo, elas estão em suas casas, de férias e desfrutando com a família. Eu, não. Estou aqui sozinha... Sozinha, não. Tem muita gente perto de mim, que me dá um carinho e um apoio muito grande. Mas com certeza eu gostaria, neste momento, de estar em Cuba com a minha família.

GE.Net - Você não volta a Cuba desde 2005. Do que mais sente saudade?
Ariadna -
Cuba é uma ilha linda. Sempre que vou à praia aqui, eu lembro e digo: "em Cuba, a praia era bonita, a areia era linda, a água era quente". Tem coisas que só nós temos como cubanos. São nossos costumes, que com certeza nunca esqueço e sinto muita falta. A saudade está sempre presente. Com o título da LBF e os prêmios individuais que ganhei, mais do que nunca, senti uma saudade super grande. É um momento especial, que você quer dividir com sua família e com as pessoas que realmente gosta. Eu daria tudo para ter estado com a minha mãe no dia da final. Seria perfeito. A saudade é uma coisa que ninguém consegue suprir, a não ser a própria família.

GE.Net - Você saiu legalmente de Cuba para jogar basquete de forma profissional. O que acontece se você retornar ao país para visitar sua família agora?
Ariadna-
Tem grande chance de eu não voltar. Como ainda não tenho uma residência permanente no exterior, Cuba pode me negar a permissão para sair. Preciso do visto de residência permanente no Brasil, o que só vou conseguir dentro de dois anos, se eu continuar em Santo André. Tenho que passar quatro anos exercendo a mesma profissão e no mesmo lugar de trabalho para conseguir o visto. Meu plano é convidar minha mãe de novo para me visitar. Ela já esteve uma vez aqui no Brasil e quero que ela volte, passe pelo menos três meses comigo, até para desfrutar essa fase boa que estou vivendo hoje em dia.

GE.Net - Desde que você resolveu sair de Cuba, não pode mais jogar pela seleção. Você lembra da sensação de representar o seu país em quadra?
Ariadna -
Foi uma das minhas maiores alegrias, um orgulho total. Como eu sempre digo, saí de Cuba por problemas econômicos, e não políticos. Agradeço muito ao governo cubano por tudo, graças a eles sou a atleta que sou hoje. Não posso esquecer disso nunca. Mas eu queria uma vida econômica melhor para a minha família e acabei saindo. Essa alegria de jogar pela seleção de Cuba... Morro de saudades de poder jogar pela seleção. Se eles me chamarem hoje e disserem "vem jogar", eu jogaria de graça. Eu escolhi jogar profissionalmente, mas com certeza jogaria de graça sem problema nenhum e sem pensar duas vezes com uma camiseta de Cuba.

GE.Net - Como o governo cubano te ajudou?
Ariadna -
Eu comecei a jogar basquete com 11 anos no colégio e depois fui selecionada para um Centro Esportivo de crianças até 15 anos. Desde pequena, sempre estive concentrada. Eu encontrava meus pais só nos finais de semana e os treinamentos sempre foram bem intensos. Eu nem pensava em jogar profissionalmente, pensava mais em jogar pela seleção, que é o sonho de todos os atletas cubanos. Depois, passei para um Centro Juvenil e, em seguida, para um Centro Adulto. Conheci muitos atletas que hoje em dia são grandes campeões, como o Dayron Robles [atual campeão olímpico e recordista mundial nos 110m com barreiras]. Nesses lugares, você convive com os melhores atletas de Cuba no vôlei, no beisebol, no boxe, no atletismo. Tudo que aprendi de fundamento foi em Cuba nesse trabalho que fiz quando pequena. Na época, a gente achava que era meio pesado e chato, mas hoje consigo perceber que aquele trabalho criou uma base para eu conseguir treinar melhor.

GE.Net - Em Cuba, você passava a temporada inteira treinando com o grupo da seleção e não participava de torneios entre clubes. Como era essa rotina?
Ariadna -
Em Cuba, você praticamente só joga pela seleção. Dificilmente você joga um campeonato nacional e eles são super curtos, de um mês quase. O resto do ano, é sempre concentrado e treinando com a seleção. Muita gente deve se perguntar por que o rendimento dos atletas cubanos caiu. É que hoje em dia a parte econômica pesa muito e Cuba não tem recursos suficientes para proporcionar que todas as equipes saiam para jogar no exterior. Atualmente, quanto mais você compete, mais competitivo fica. No caso de Cuba, essa parte econômica está afetando muito e cada vez os cubanos participam de menos torneios. O investimento no esporte está sendo menor, porque tem um bloqueio econômico que lamentavelmente acaba prejudicando os esportistas.

GE.Net - Pela seleção cubana, você participou dos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo-2003. Na final, vocês venceram os Estados Unidos. Tem um sabor especial ganhar a medalha de ouro contra as norte-americanas?
Ariadna -
Eu era uma atleta jovem, praticamente nem entrava em quadra. Mas foi um dos grandes momentos da minha vida, porque foi a primeira medalha de ouro em um campeonato importante que tive com a camisa de Cuba. Com certeza, tem um sabor especial vencê-las. Sem dúvida nenhuma, as americanas têm a melhor equipe do mundo, têm uma hegemonia de muitos anos e devemos reconhecer isso. Independente do nível da equipe, seja segundo ou terceiro time, são jogadoras da WNBA. Ter conseguido essa vitoria com certeza foi muito importante. Quando voltamos para Cuba, encontramos o Fidel Castro.

GE.Net - O Fidel é um personagem muito idealizado pela trajetória de vida que teve. Como foi encontrá-lo pessoalmente?
Ariadna -
Ele me deixou uma impressão de muito respeito. Ele é alto, grande e até carismático. Fez até umas brincadeiras conosco. É um momento que marca na vida você conhecer uma pessoa que é admirada no mundo inteiro. Daqui a 100 anos, todo mundo vai lembrar e saber quem foi Fidel, com certeza. Foi super emocionante, um momento que vai estar para sempre na minha cabeça. Foi uma oportunidade de, pelo menos, apertar a mão do presidente do meu país. Para o Fidel, o fato de você regressar a Cuba já é uma vitória. Esse bloqueio econômico não é nem tanto culpa do governo. São os Estados Unidos que exercem essa pressão sobre Cuba.

GE.Net - Você conhece bem a história de Cuba? O período antes de 1959, o Movimento 26 de Julho, a Revolução de 1959? Ou é um assunto que não te interessa tanto?
Ariadna -
Em Cuba, no colégio dão muita ênfase na parte de história. Acho que é importante para qualquer pessoa conhecer a historia de seu país. Nós temos um conhecimento bem sólido sobre a história de Cuba: como se formou, como fomos colônia espanhola e depois dos Estados Unidos, como foi a Revolução. Temos conhecimento de tudo isso, porque é algo fundamental.

GE.Net - Apesar de ser uma ilha com cerca de 11 milhões de habitantes, Cuba se transformou em uma potência olímpica durante o governo de Fidel Castro, chegando a rivalizar com os Estados Unidos e a União Soviética. Você acha que, para os atletas, o governo dele foi benéfico?
Ariadna -
Tudo que Cuba é hoje com certeza é graças ao governo do Fidel. Essa potência no esporte é pelo investimento que o Fidel fez. Cuba, como tudo na vida, tem suas coisas boas e ruins. Assim como o Brasil. Cuba não é uma exceção. Tem coisas ruins, mas também tem muitas coisas boas, com certeza.

GE.Net - Conseguir um bom desempenho em competições como Mundiais e Jogos Olímpicos também tem uma importância política para o governo cubano...
Ariadna -
Nós, atletas, somos um meio de as pessoas conhecerem como é a educação em Cuba, como são os cubanos na verdade. A imagem que muitos atletas passam é a imagem de como Cuba é na realidade, que investe no esporte, que investe em medicina. Os atletas são exemplos. Por isso, Cuba se preocupa tanto em formar não apenas bons atletas, mas também boas pessoas.

GE.Net - Na década de 1990, Cuba enfrentou uma situação sócio-econômica difícil após o final da União Soviética e muitos habitantes tentaram deixar o país de qualquer maneira para tentar entrar nos Estados Unidos pelo litoral. Alguém da sua família chegou a fazer a travessia?
Ariadna -
Não, não. Sou de origem humilde, mas minha família sempre se esforçou muito para que eu e meu irmão tivéssemos as coisas necessárias. Minha família nunca precisou se arriscar tanto pegando uma lancha e indo para os Estados Unidos. Depois que eu cresci e saí do país, meu irmão tomou a decisão de fazer o mesmo. Ele já queria um futuro para ele [vive nos Estados Unidos].

GE.Net - Desde 2008, Raúl Castro, irmão do Fidel, comanda Cuba oficialmente. O Fidel completa 85 anos em 2011 e está com a saúde debilitada. Você acha que tem uma perspectiva de mudança com a saída de cena do Fidel?
Ariadna-
Eu acho que não muda muita coisa, porque o irmão do Fidel tem mais ou menos o mesmo pensamento. Ele tem uma mente um pouco mais aberta, porque o mundo está mudando. Cuba já esta muito atrás em muita coisa, então seria bom ir se desenvolvendo junto com o resto do mundo. Já houve varias mudanças significativas com o Raúl no comando, mas espero que aos poucos possam acontecer outras mudanças para benefício dos cubanos.

GE.Net - No período em que você jogava pela seleção de Cuba, costumava viajar para atuar no exterior. Como era deixar a realidade cubana para atuar em países europeus?
Ariadna -
Foi o que me fez abrir os olhos: conhecer pessoas diferentes, uma forma de levar a vida diferente, um basquete diferente. Cada país era uma experiência nova e sempre se aprendia alguma coisa, até conhecendo as pessoas que não tinham nada a ver com o basquete. Por curiosidade, muitas pessoas se aproximavam querendo saber como era a vida em Cuba. Tem muitas coisas que falam e são mentiras. As pessoas querem realmente ouvir da boca de um cubano como se vive, se realmente a Revolução é tudo o que dizem, o que tem de bom e de ruim de viver em Cuba, se você conhece o Fidel. Apesar de sermos uma ilha pequena, todo mundo conhece a Cuba de Fidel. Dá orgulho ser de um país que as pessoas têm interesse em conhecer.

GE.Net - Ou seja, essas viagens para o exterior com a seleção te motivaram a deixar Cuba para jogar profissionalmente?
Ariadna -
Sim. Você joga por um clube e escolhe em que lugar quer jogar. Se não gostar, pega e muda. Em Cuba, não temos esse sistema. Eu saí porque ainda era jovem, pela motivação de jogar profissionalmente e de poder ajudar minha família economicamente. Como já disse e repito 1 milhão de vezes, não saí por problemas políticos. Não tenho nada contra o meu governo, pelo contrário. Tenho muito a agradecer, mas, economicamente, se quisermos ajudar a família, temos que sair do país e trabalhar aqui fora.

GE.Net - Havia algum tipo de remuneração na época em que você jogava pela seleção de Cuba?
Ariadna -
Não tinha um salário fixo. Em Cuba, os atletas jogam por amor ao esporte. Conforme a competição que você disputa, quando volta o governo te dá uma pequena premiação. Além disso, sempre que você sai do país, dependendo de quantos dias fica no exterior, o governo dá uma certa quantia de dinheiro que é como se fosse uma ajuda se você quiser comprar alguma coisa, mas não é nada significativo. Depois da medalha de ouro no Pan-Americano de 2003, acho que ganhamos entre US$ 300,00 e US$ 400,00. Não sei como estão as coisas em Cuba agora, mas na minha época era mais ou menos isso. Nas Olimpíadas, o prêmio já era maior.

GE.Net - Como os dirigentes, as jogadoras e a comunidade do basquete em geral receberam sua decisão de deixar Cuba para jogar profissionalmente?
Ariadna -
No começo, eles fizeram um pouco de resistência, tanto que fiquei um ano inteiro parada em Cuba esperando a liberação que eu precisava para sair. Eles falavam que eu era uma jogadora nova, que tinha todo um futuro pela frente, perguntavam como eu tomaria uma decisão dessas de abandonar a seleção... Eu deixei claro minha decisão de sair para jogar profissionalmente, até para conhecer coisas diferentes, porque tinha vivido 22 anos em Cuba. Eu sempre tive uma mente aberta, de querer conhecer e ter novas experiências.

GE.Net - O seu pai foi um dos maiores jogadores de beisebol da história de Cuba. O que ele te disse sobre a decisão de sair do país?
Ariadna -
Meus pais sempre respeitaram muito minhas decisões. No começo, com certeza ele não ficou muito feliz, até porque eu ficaria longe da família. Mas no final das contas, lembro até hoje da frase dos meus pais: "se vai ser bom para você, se essa é a maneira de você ir atrás da sua felicidade, vai adiante, que nós te apoiamos".

GE.Net - Como o fato de ser filha de Armando Capiró influenciou a sua carreira?
Ariadna -
Ele é famoso por ter sido um grande atleta, mas eu mesmo consegui fazer o meu caminho e acho que fiz jus ao meu sobrenome, tanto que saí de Cuba e tive um reconhecimento internacional. Todo mundo me chamava pelo sobrenome dele. Com certeza, eu herdei dele um pouco do talento e esse amor ao esporte. A fama que ele dá por ter sido um grande atleta pesa, mas acho que nunca me atrapalhou.

GE.Net - Seu pai chegou a ser convidado para atuar no exterior, mas recusou...
Ariadna -
Ele disputou um torneio nos Estados Unidos e jogou muito bem. Teve a oportunidade, fizeram uma proposta milionária perguntando quanto ele queria ganhar para jogar a liga profissional americana, mas ele decidiu voltar a Cuba e continuar defendendo a seleção. De prêmio, ganhou do governo a casa em que vive até hoje e um carro.

GE.Net - Você disse que deixou Cuba para tentar ajudar a sua família economicamente. Ou seja, mesmo sendo um dos melhores jogadores de beisebol da história, seu pai não conseguiu garantir uma situação financeira confortável...
Ariadna -
Em Cuba, não há pessoas ricas, o nível econômico é mais igual. As pessoas são humildes, mas têm tudo que é necessário para viver. Elas levam uma vida simples, mas ninguém morre de fome. Minha família sempre foi humilde e a situação financeira deles não mudou muito. O dinheiro que eu mando [40% do salário] é para a compra de medicamentos para uma doença que minha mãe tem e para comida extra, além da que o governo oferece. Não é para luxo nenhum, até porque o que eu ganho não é muito e não faz diferença na situação econômica da minha família.

GE.Net - Se o seu pai tivesse aceitado a oferta dos Estados Unidos, acha que teria sido benéfico para você e para a sua carreira no basquete?
Ariadna -
Quem entende de basquete sabe que os Estados Unidos têm grandes jogadoras e faz um trabalho muito bom no esporte. Tenho certeza que teria influenciado se ele tivesse ficado nos Estados Unidos e se eu tivesse nascido lá. Não sei, é o destino... A vida é imprevisível, mas acho que teria me ajudado muito, até porque eu gosto de basquete desde pequena, tenho o esporte no sangue. Se tivesse nascido nos Estados Unidos, talvez a história hoje fosse bem diferente.

GE.Net - Antes de jogar no Brasil, você passou pelo Equador e pela França. Não conseguiu se adaptar bem a esses países?
Ariadna -
No Equador, o nível do basquete é muito baixo. Eu fazia 40 pontos por jogo. Como queria continuar crescendo na minha vida profissional, não foi interessante. Na França, por outro lado, o nível era mais alto. Eu jogava pela Universidade de Toulouse. Tentei entrar na liga profissional, mas por burocracia e falta de recomendação, não consegui. A Europa é diferente, o clima, as pessoas são super frias. Então, não consegui me adaptar e acabei vindo para o Brasil, acho que foi a melhor escolha.

GE.Net - Você chegou aqui em 2006, no ano do Mundial Feminino. Acompanhou os jogos de Cuba no torneio?
Ariadna -
Eu cheguei na mesma semana do Mundial-2006. Na época, tentei falar com as jogadoras da seleção de Cuba, porque eram minhas amigas, todas que estavam lá jogaram comigo. Eu não tinha a intenção de influenciá-las em nada, de dizer para ficar no Brasil ou nada desse tipo. Cada uma faz com a sua vida o que quiser. Queria só cumprimentar e matar um pouco a saudade, mas não foi possível na frente de todo mundo. Os técnicos diziam para as meninas não falarem comigo. Tive que entrar escondida no hotel e no final consegui falar com elas. Todas me receberam bem. Assisti aos jogos do Mundial e depois comecei a pensar em que clube seria possível jogar.

GE.Net - É frequente os atletas cubanos aproveitarem as competições no exterior para desertar, como fizeram os boxeadores Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara no Pan do Rio de Janeiro-2007. Você, que saiu do país legalmente, o que pensa desse expediente?
Ariadna -
Eu defendo muito que o ser humano precisa de liberdade. Se o desejo for sair de Cuba, eu apoio. Da mesma forma que apoio a decisão de muitos que ficam em Cuba para jogar na seleção. Cada pessoa tem que saber o que é bom para a sua vida. Não sou contra as decisões das pessoas, pelo contrário. Eu defendo que cada pessoa faça o que quiser na vida e vá atrás do seu sonho, desde que não prejudique ninguém.

GE.Net - Como você saiu em 2005, não teve chance de participar dos Mundiais de 2006 e 2010, dos Jogos Pan-Americanos de 2007 e das Olimpíadas de 2008. Ficar de fora da seleção e não ter a oportunidade de disputar esses torneios maiores é algo que te entristece ou você não liga mais para isso?
Ariadna -
Com certeza. É realmente uma frustração, uma coisa que me deixa triste. Mas às vezes na vida temos que abrir mão de muitas coisas. Para conseguir uma, você precisa abrir mão de outra. Lamentavelmente, tive que abrir mão de jogar na seleção de Cuba, mas não me arrependo de forma alguma. Jogando profissionalmente, consigo realizar meu sonho de fazer o que gosto, que é jogar basquete.

GE.Net - Aqui no Brasil, existem atletas cubanos em diferentes modalidades. Tem o ciclista Michel Fernandez, a Yakelyn Plutin, de Ourinhos, a Daimi Ramirez, que defende o Praia Clube na Superliga de Vôlei. Os cubanos dos diferentes esportes mantêm algum contato entre si?
Ariadna -
Por Cuba ser uma ilha bem pequena, é muito difícil não se conhecer. Além disso, todo mundo se concentra nos Centros de Treinamento. Não é como aqui que o vôlei nunca vai treinar junto com o basquete. Em Cuba, todo mundo treina no mesmo lugar, almoça no mesmo lugar, convive no mesmo lugar. Muitos dos atletas que estão saindo do país são da minha geração, então eu conheço a maioria. A gente se reúne, nos encontramos onde quer que estejamos. Quando chega alguém, entramos em contato e conversamos: "chegou fulano, está em tal cidade". Dentro do possível, com certeza tentamos nos encontrar.

GE.Net - Em 2008, você foi campeã nacional por Ourinhos, adversário do Santo André na decisão do LBF. Como foi a passagem pela equipe?
Ariadna -
Minha passagem por Ourinhos não foi tão exitosa como está sendo aqui por Santo André. A grande diferença é que em Ourinhos não tive tanta oportunidade e nem o treinador depositou tanta confiança em mim como a Laís. O Urubatan Paccini substituiu o Paulo Bassul e não sei se ele não gostava do meu estilo de jogo, mas realmente minhas chances em Ourinhos foram bem poucas e eu tomei a decisão de jogar por Santo André, porque a Laís sempre mostrou interesse em mim. Ela costumava elogiar o meu estilo de jogo e dizia: "as portas aqui estão abertas e comigo tenho certeza que você vai crescer muito profissionalmente". Foi o que acabou acontecendo.

GE.Net - Depois do título com o Santo André, você disse que foi a primeira vez que se sentiu parte da conquista. Por quê?
Ariadna -
Eu me senti parte porque tive a oportunidade de ajudar minha equipe. Senti que coloquei um grão de areia no castelo que foi o título, o que não aconteceu em Ourinhos. Lá, eu jogava cinco, sete minutos. Essa era a opção do treinador, eu não tinha alternativa. Então, não me sentia uma peça fundamental para o time, como acontece aqui em Santo André. Não tenho nada contra o time de Ourinhos e nem contra a torcida. Algumas pessoas que se sentiram ofendidas com essa minha declaração, mas é a verdade e tenho que ser sincera. Disse que me senti parte em Santo André porque já estou há dois anos aqui e porque a Laís me deu a chance de poder ajudar a equipe.

GE.Net - Você marcou 354 pontos em 20 jogos, média de 17,7 por partida. Assim, foi cestinha e MVP do LBF. Esse foi o melhor campeonato da sua carreira?
Ariadna -
Eu não comecei tão bem a liga, porque estava lesionada. Nos primeiros jogos, tive algumas contusões que me atrapalharam bastante e a Laís ficou preocupada em saber se eu conseguiria me recuperar para o segundo turno, porque no primeiro eu não estava jogando nem com 50% da minha capacidade. No intervalo entre o Natal e Ano Novo, fiz um trabalho extra de preparação física para recuperar a forma e voltei a 110%. Para mim, a final começou no primeiro jogo do segundo turno. Graças a Deus, consegui esses prêmios individuais, que com certeza têm muito a ver com o grupo formidável que a Laís conseguiu formar. O time era tão unido, que as jogadoras nunca se incomodavam em passar uma bola a mais para mim, em trabalhar algumas jogadas para a bola sobrar para mim.

GE.Net - No quinto e decisivo jogo da semifinal contra Catanduva, você marcou só dois pontos, já que acertou um de 11 arremessos. Na final em jogo único contra Ourinhos, marcou 14 pontos (abaixo da média de 17,7). O que aconteceu nesses dois jogos?
Ariadna -
Na semifinal, o Catanduva se preparou melhor defensivamente, até porque eu já tinha feito mais de 30 pontos contra elas. Estava com uma média muito boa e o técnico (Édson) Ferreto já me conhecia um pouco. Eu até já tinha falado que, se elas viessem com uma marcação mais forte em cima de mim, seria melhor para o nosso time, porque sobraria mais espaço para as outras jogadoras. Foi o que acabou acontecendo no caso da Micaela [marcou 28 pontos] e da Êga [marcou 15 pontos]. O cansaço também contou muito. Eu senti que já estava cansada, mas estava na reta final e não podia pensar nisso. Como a Tayara se machucou, eu e a Micaela tivemos que ficar mais tempo na quadra. Eu acabei me matando muito ofensivamente e não consegui jogar tanto como queria na final.

GE.Net - Sei que você foi bem recebida no Brasil, mas alguma vez já foi provocada em quadra pelo fato de ser estrangeira? Alguma jogadora já te disse "você tem que voltar para Cuba" ou algo do tipo?
Ariadna -
Não, pelo contrario. Acho que me adaptei tão bem aqui no Brasil porque em todos os clubes as jogadoras sempre me respeitaram muito. Nunca tive problema com nenhuma jogadora. Acho que elas nem pensam que sou cubana e não brasileira durante o jogo. Isso não existe. As torcidas xingam e gritam as mesmas coisas que gritam para as brasileiras. Nunca teve uma represália por ser cubana. Tem muitos brasileiros que me admiram e estão sempre oferecendo apoio. "Você está sem a sua família. Se precisar de uma família, nós, brasileiros, te apoiamos, abrimos as portas da nossa casa". Muitas das pessoas que tenho amizade hoje foram solidárias comigo. Isso me ajudou a sentir bem no Brasil.

GE.Net - As pessoas costumam te pedir autógrafos nas ruas aqui em Santo André ou o reconhecimento não é tão grande?
Ariadna -
Santo André é uma cidade bem grande e está retomando o espírito do basquete recentemente. Daqui para frente, acho que vai aumentar esse reconhecimento nas ruas, porque as pessoas estão se identificando mais com o basquete. Mas uma ou outra vez, quando você anda mais perto do ginásio, tem pessoas que reconhecem.

GE.Net - Você acha que em Cuba as pessoas sabem do seu sucesso no Brasil?
Ariadna -
Não sei, porque meu contato em Cuba é mais com a minha mãe e ela não convive com as pessoas que estão relacionadas ao esporte. Eu imagino que talvez saibam. Eu gostaria muito que eles tomassem conhecimento para que se sentissem orgulhosos de saber que a formação que me deram como pessoa e como atleta está dando resultado internacionalmente. Eu, dentro do possível, estou tentando colocar o nome de Cuba e a formação dos atletas num lugar bem alto.

GE.Net - Você está com 28 anos. Acha que alcançou o auge de sua carreira como atleta?
Ariadna -
Com certeza. Posso dizer que neste momento estou juntando duas coisas. Estou numa idade em que já tenho um pouco mais de experiência e ainda conservo um pouco de juventude. Antes, eu era muito nova. Tinha toda aquela juventude, mas sem experiência. Agora, estou entrando numa etapa de mais experiência e acho que essa fusão das duas coisas leva ao sucesso.

GE.Net - Você está no auge, mas não pode defender Cuba e nem a seleção brasileira. Ainda tem esperança que algo mude nessa situação?
Ariadna -
A esperança é a ultima coisa que você perde na vida. Todos os dias eu penso nisso e espero que seja possível algum dia, nem que seja um torneio. A minha realização profissional seria no dia em que eu pudesse jogar pela seleção de Cuba ou pela do Brasil. Eu defenderia qualquer uma das duas seleções com o mesmo amor. Uma foi a terra em que nasci e a outra, é agora a minha casa.

GE.Net - Mesmo sem poder jogar pela seleção brasileira, você pretende se naturalizar?
Ariadna -
Estou tentando conseguir residência permanente e o interesse é grande. Independente de poder ou não jogar pela seleção brasileira, meu coração já é metade cubano e metade brasileiro. Para complementar isso, estou tentando conseguir essa nacionalidade brasileira.

GE.Net - Você falou em jogar pela seleção brasileira. O que achou do desempenho da equipe no Mundial da República Theca-2010 sob o comando do espanhol Carlos Colinas?
Ariadna -
São declarações que vão gerar polemica, porque cada um tem uma opinião diferente. Eu gostaria muito que a seleção tivesse ido melhor, mas não aconteceu. Acho que o Brasil tem que investir muito na base, mas sem esquecer que ainda tem jogadoras experientes e que podem ajudar muito a seleção. Eu acho que ninguém conhece seu próprio produto como um nativo. Acho que tem treinador de sobra para assumir a seleção, como é o caso da Laís. Ela acabou de provar agora levando o titulo de melhor treinadora. A Laís é super experiente, muito inteligente e com certeza poderia ajudar bastante a seleção brasileira.

GE.Net - Mas a Hortência resolveu trazer o Ênio Vecchi, um técnico do masculino... Ariadna - Eu, como atleta, acho que tem treinador do feminino aqui que consegue dirigir uma seleção feminina. Sinceramente, espero que essa chance seja dada para a Laís [a técnica planeja se aposentar no final deste ano]. Acho que ela merece muito, tem condições totais de assumir a seleção brasileira. Pelo menos para ajudar na parte de assistência técnica, de supervisão. Ela tem muito conhecimento que poderia passar para as jogadoras e seria bem útil.

GE.Net - No Mundial da República Tcheca, o Brasil ficou em nono e teve a pior participação desde a edição de 1990 do torneio. Pelo que você conhece do basquete feminino nacional, acha que a seleção poderia ter ido melhor?
Ariadna -
Tenho certeza que as próprias jogadoras que foram não devem ter ficado felizes com o rendimento. Mas também foi um trabalho super curto, com um técnico novo, que não conhecia a história e o estilo de jogo de cada uma. Por isso, não conseguiu tirar o melhor delas. Além disso, a Iziane e a Érika, que eram as principais jogadoras, se juntaram à equipe quase uma semana antes do Mundial. Acho que isso também atrapalhou muito. As jogadoras não tiveram descanso e foram para um Mundial sem ter treinado nem um mês.

GE.Net - Você sofre por não poder jogar nem por Cuba e nem pelo Brasil. Já a Iziane se recusou a jogar pela seleção sob o comando do técnico Paulo Bassul. O que você acha da atitude dela?
Ariadna -
Eu respeito muito a decisão de cada um. Ninguém melhor do que a Iziane para saber o que é bom ou ruim para ela. Eu com certeza senti pena, porque se fosse eu, não hesitaria em jogar pela seleção. Isso é o bom de Cuba: eles te ensinam, desde pequena, a jogar por amor ao esporte. No caso da Iziane, ela teve uma discussão com o treinador. Com certeza, ela tinha muita vontade de jogar pela seleção, mas não estava se dando bem com o técnico e preferiu ficar fora. É uma decisão dela e não gosto de opinar sobre a decisão de outras pessoas. Mas com certeza eu, no lugar dela, aceitaria com o maior orgulho uma convocação para a seleção, até porque é o meu sonho. Mas cada um tem os seus motivos para aceitar ou rejeitar um chamado.

GE.Net - Você está falando bem o português. Já começou a esquecer um pouco o espanhol?
Ariadna -
Para falar a verdade, agora está sendo mais difícil falar espanhol do que português. Não falo espanhol com ninguém aqui. Só falo por telefone com a minha mãe nos finais de semana. Estou começando a sentir essa dificuldade de poder falar um espanhol nítido e com aquele sotaque de cubana. Cheguei no Brasil há cinco anos e tenho mais sotaque brasileiro do que de Cuba.

GE.Net - Além de jogar pelo Santo André, você está cursando Engenharia da Computação. Os alunos e professores da universidade sabem que você é jogadora de conhecem a sua trajetória?
Ariadna -
Já estou no terceiro semestre. Isso é outra vantagem de morar aqui, estou fazendo o que gosto. Jogo basquete porque gosto e estou estudando o que gosto: programação, cálculo e toda a parte de tecnologia. É um curso que gosto muito e espero poder exercer no futuro. As faltas atrapalham, mas os professores sabem da minha situação e, dentro do possível, tentam ajudar. Muitas vezes, eu preciso de ajuda fora do horário de aula pela própria dificuldade do curso. Se você falta em duas aulas seguidas, fica um pouco perdida na terceira.
GE.Net - No futuro, depois de encerrar a carreira, você pretende retornar a Cuba?
Ariadna
- Realmente, gostei muito do Brasil. Estou estudando aqui, espero me formar em Engenharia da Computação e poder exercer essa profissão aqui. Eu passaria para uma segunda fase na vida e continuaria a fazer uma coisa que gosto.

GE.Net - O que você gosta de fazer nas horas vagas aqui em Santo André?
Ariadna -
Eu sou muito caseira. Gosto de estar em casa, ver TV, filmes, passo bastante tempo na Internet e brinco com meu cachorro, meu companheiro eterno, o Giba, um labrador. Ele é meu companheiro dos bons e maus momentos, sempre está comigo. Eu divido o apartamento, pago pelo time, com a Tayara, a outra lateral.

GE.Net - Quero terminar com duas perguntas. A primeira: valeu a pena deixar Cuba para jogar profissionalmente no exterior?
Ariadna -
Valeu a pena, com certeza.

GE.Net - A segunda: a Revolução de 1959 valeu a pena para Cuba?
Ariadna -
Valeu a pena. Eu já disse e repito: a Revolução tem muitas coisas boas também. Eu me formei, estudei em Cuba grátis, sempre fui atendida no hospital. Cuba tem coisas boas e coisas ruins, como qualquer lugar do mundo. Tem coisas muito boas, como a saúde e a educação, e coisas ruins, como o bloqueio econômico e a falta de liberdade.

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BASSUL SONDOU ARIADNA EM 2008

O técnico Paulo Bassul conciliou Ourinhos e a seleção no ano de 2008. No clube, o treinador chegou a sondar a ala cubana Ariadna Capiró, sua então comandada, sobre a possibilidade de defender o Brasil como naturalizada.

"Ela vinha muito bem nos treinos, se destacando mesmo. Então, eu perguntei se ela já tinha jogado pela seleção cubana e a Ariadna disse que sim. Mas ela ficou feliz e deu uma risadinha, porque fiz um elogio ao nível técnico dela", lembrou Bassul.

Ariadna não pode mais defender Cuba por ter se profissionalizado e tampouco tem condições de atuar pelo Brasil. Ainda assim, sonha com uma reviravolta. "Ela já está adaptada e poderia realmente ajudar, mas infelizmente é inviável", disse o ex-técnico da seleção.

BIG BROTHER CUBA

A ala Ariadna passou a conviver com piadas desde o início da última edição do reality show Big Brother Brasil, que contou com a participação de uma transexual homônima, contratada pela Revista Playboy para uma edição especial. "O povo realmente pega pesado. Eu não tinha conhecido ninguém aqui no Brasil com o mesmo nome que eu. Aí essa menina entrou no Big Brother e virou piada. Mas acho que daqui a pouco o povo esquece e para de tirar sarro disso", disse a jogadora cubana, sorrindo. Em espanhol, a letra "d" de Ariadna é pronunciada de forma mais discreta e o som é quase de "Ariana".

 

Fonte: Gazeta Esportiva

7 comentários:

Anônimo disse...

Mas ela é igual a do BBB!

Anônimo disse...

Muito legal essa materia. Torço muito pela felicidade dela, quem mora longe do seu país, seja pelo motivo que for entende o que ela tá falando. Que essa menina tenha muito sucesso na sua trajetoria profissional e pessoal.

Anônimo disse...

Ariadna é ótima e a matéria ficou mto boa. Parabéns! Continue jogando com essa garra e vontade, é disso que precisamos! Pena não poder contar com ela na nossa seleção.

Anônimo disse...

Fugiu de sua origem, abandonou seu país.Logo que tiver oportunidade vai larga aqui também.isso é só marketing...para de falar daqui ,depois vai querer voltar.

Anônimo disse...

E se ela quizer voltar.Tem algum
prob lema para voce?Deixa a menina
em paz.A vida dela quem decide é
ela.

Anônimo disse...

pARECE ATÉ QUE É ISSO TUDO! iziane é iziane wnba!! a melhorrrrrr!

Anônimo disse...

Mas a tal "IZIANE" não tem ética, moral, respeito nem patriotismo!!!
Parabéns Ariadna, voce é realmente uma esportista!
Não basta ser fominha e correr com a bola. Para ser atleta é preciso muito mais que isso..........