domingo, 7 de janeiro de 2007

Entrevista da semana: ‘As derrotas me fizeram crescer’

Mais do que as vitórias, ex-jogadora de basquete Simone Bighetti valoriza as derrotas e adversidades em sua vida

Adilson Camargo

Acostumada às vitórias em sua carreira como jogadora de basquete, Simone Bighetti, 51 anos, diz que as grandes conquistas em sua vida não vieram com os títulos, mas com as derrotas. “Eu não lamento as derrotas e adversidades, porque percebi que todas elas me levaram para frente e para cima.”

Quando imaginava ter sofrido o golpe mais duro em sua vida profissional, Simone tomou conta que se tratava de um dos aprendizados mais valiosos que teve a oportunidade de experimentar. Funcionária pública concursada desde 1973, ela diz ter entrado em “depressão profunda” quando foi retirada do setor de esportes do Município para trabalhar como assistente social.

No entanto, a derrota aparente serviu para prepará-la para o passo que daria na seqüência. Como Simone mesmo classifica, esse passo é hoje sua “grande realização profissional” - trabalhar com basquete masculino na Associação Luso-Brasileira de Bauru. Essas e outras descobertas são relatadas ao Jornal da Cidade pela ex-jogadora da Seleção Brasileira Feminina de Basquete, seis vezes campeã brasileira com a Seleção Paulista e com dois Mundiais disputados, um deles ao lado das estrelas Paula e Hortência, ambas em início de carreira.

Simone foi secretária de Esportes em Bauru entre 1997 e 1998, durante a gestão do ex-prefeito Antônio Izzo Filho. Formada em educação física e serviço social, hoje Simone curte sua aposentadoria ensinando a garotada a jogar basquete. Coordenadora em Bauru do projeto “Cesta de Três Pontos”, mantido pela Unimed, a ex-jogadora da Seleção está prestes a dar mais um passo em sua carreira vitoriosa. Ela foi convidada para coordenar o mesmo projeto nas 13 cidades que pertencem à Federação da Unimed, na região Centro-Oeste do Estado, a partir deste ano.

Acompanhe a seguir esses e outros assuntos na entrevista concedida por Simone ao Jornal da Cidade.


Jornal da Cidade - Como está o projeto “Cesta de Três Pontos”?

Simone Bighetti - Está indo bem. É um projeto a longo prazo, que eu acredito será a salvação do basquete feminino em Bauru. Tenho a impressão que, daqui a dois anos, teremos uma grande equipe.


JC - Desde quando ele está funcionando?

Simone - O projeto começou em fevereiro do ano passado com um núcleo na Vila Santa Luzia. Esse trabalho já existia antes da Unimed assumir. Ele era dirigido pela Secretaria Municipal de Esportes e contava com cerca de 50 meninas - hoje temos 94. A Unimed assumiu o projeto em parceria com a prefeitura e a Luso. Para ele funcionar, é preciso ter os três juntos. Para participar de campeonatos é preciso estar vinculado a algum clube filiado à Federação Paulista de Basquete, como a Luso. Os ginásios onde é desenvolvido o projeto são da prefeitura e a Unimed dá apoio material, com bolas, uniformes, veículos para viagens, além de palestras educativas. Nós abrimos outro núcleo no ginásio de esportes do Jardim Bela Vista. Temos apenas 12 meninas até agora, porque os horários que a prefeitura nos cedeu não são muito bons. Por isso, o projeto ainda não deslanchou


JC - Quais são os horários?

Simone - Das 11h às 12h e das 17h às 18h. Então, fica complicado porque para uma criança que estuda à tarde é muito corrido. Para esse ano, a gente pretende melhorar esses horários e fazer uma divulgação melhor do projeto naquele bairro.


JC - Qual é a idade das meninas que participam do projeto?

Simone - A equipe pré-mini é formada por crianças de 8 a 11 anos. E a equipe mini é composta por meninas de 12 a 14 anos. Nós já disputamos o primeiro campeonato (o Campeonato Unimed de Basquete, em novembro passado, que teve a participação de 12 equipes da região Centro-Oeste do Estado) e nos saímos muito bem. A equipe pré-mini perdeu apenas de Ourinhos, que tem esse projeto há quatro anos. E a equipe mini ficou em sexto lugar.


JC - Tem alguma jogadora que está se destacando?

Simone - Tem. Inclusive recebemos um telefonema no fim de dezembro de uma cidade interessada em duas jogadoras nossas. Isso já é uma preocupação para nós. Temos que dar continuidade no trabalho para não haver evasão dessas crianças. É difícil criar jogadoras, então quando elas começam a aparecer, as cidades que já disputam o campeonato ficam interessadas.


JC - E essas meninas são mesmo boas promessas para o basquete?

Simone - São. Elas têm 13 anos. Uma tem 1,92 metro e a outra 1,90 metro. Não é muito normal ver meninas nessa idade com esse tamanho. Então, a cidade de Itapira (perto de Mogi Mirim) já está interessada em levá-las.


JC - Antes de assumir o projeto, a senhora estava fazendo o quê?

Simone - Estou há 12 anos à frente das categorias menores do basquete masculino do Luso. Era nisso que eu trabalhava quando fui convidada pela Unimed para coordenar o projeto em Bauru. E agora acabei de receber uma proposta da Federação da Unimed para, a partir deste ano, coordenar o projeto nas 13 cidades que fazem parte da regional de Bauru. O que inclui Presidente Prudente, Assis, Marília, Lins, Ourinhos, Tupã, Lençóis Paulista e outras cidades. Antes eu havia trabalhado também no Anglo, durante cinco anos. Eu dava aulas de basquete para alunos da 5.ª série em diante. Era uma beleza. Entrava às 18h e saía às 22h30. Era uma época em que eu ainda tinha gás.


JC - Falando em gás, quando a senhora parou de jogar basquete?

Simone - Eu parei quando tinha cerca de 38 anos. Foram 26 anos jogando.


JC - E como foi o início da carreira?

Simone - Comecei na Luso ainda pequena, com uns 12 anos. Na época, eu fazia natação. Um dia, o Barbosa (Antonio Carlos Barbosa, técnico da Seleção Brasileira Feminina de Basquete) me viu nadando em um campeonato colegial e me convidou para jogar basquete. Para poder freqüentar um clube, eu fui jogar basquete. Eu não tinha acesso a clubes. Era uma vida apertada e a Luso estava crescendo. Mas logo de início, eu percebi que poderia sobressair no basquete porque eu me apaixonei pelo esporte. Em menos de seis meses, eu já tinha meu lugar garantido. Sempre fui uma pessoa oportunista e muito lutadora. Eu tinha algumas qualidades que o basquete exige. E aí eu me dei bem.


JC - Daí até chegar à Seleção foi um pulo?

Simone - Comecei a jogar em agosto de 1968. No ano seguinte, eu já estava na Seleção Paulista. Em 1970, com 15 anos, fui convocada pela primeira vez para a Seleção Brasileira. Acabei cortada junto com outras jogadoras. Não fiquei entre as 12 (foram convocadas 23) que disputaram o Campeonato Mundial naquele ano.


JC - Porém depois desta convocação, vieram muitas outras.

Simone - Depois disso, eu fiquei até 1979 jogando na Seleção. O último Mundial que eu disputei foi na Coréia. Nessa época, a Paula tinha 15 anos e a Hortência, 19. Eu era uma das mais velhas do grupo, com 24 anos. Era todo mundo muito jovem. Talvez, por isso, o Brasil não tenha ido muito bem. Depois disso eu me afastei, porque já tinha meu filho e comecei a fazer faculdade. Eu optei por estudar porque percebi que o esporte é passageiro na vida de um atleta. Se você não tiver estudo, como é que vai trabalhar depois? Então, comecei a me preocupar com isso.


JC - Enquanto jogadora, conquistou muitos títulos?

Simone - Tive muitos, mas nenhum que eu possa dizer que foi maravilhoso. De 1970 a 1980, Bauru teve uma equipe muito forte. A cidade era o celeiro do basquete. A Seleção Brasileira tinha seis jogadoras de Bauru, além do técnico, massagista e médico. Então, ganhamos muitos títulos, mas tem alguns que fazem a diferença na minha vida. Na época, eu fui seis vezes campeã brasileira pela Seleção Paulista. Fui campeã sul-americana. Tenho muitas lembranças boas.


JC - Além dos títulos, a carreira de atleta traz alguma outra boa lembrança?

Simone - Quando eu fui jogar basquete pela Seleção Brasileira nos Estados Unidos, fiquei muito impressionada com a cultura do povo americano. Aí eu vi o quão longe nós estávamos daquilo. Eu fiquei fascinada com aquela realidade. Um dia, eu estava andando de carro no estado do Tennessee com outros brasileiros e falei ‘vou criar meus filhos aqui, eles vão estudar aqui’. E eles foram. Estão lá os dois. Meu filho já se formou e minha filha ainda está estudando. Então, o esporte me deu um rumo para tomar na vida. Eu aprendi a estabelecer metas.


JC - Quantas vezes a senhora foi aos Estados Unidos?

Simone - Eu fui jogar lá duas vezes. Em cada uma dessas vezes, eu fiquei cerca de um mês. Nesse tempo deu para perceber que a cultura do americano é de muita educação, conscientização. Lá as coisas funcionam. Meu filho fala que aprendeu nos Estados Unidos que o jeitinho brasileiro só funciona no Brasil.


JC - De todos os países que conheceu, os Estados Unidos foram os que mais agradou a senhora?

Simone - Eu sou criticada porque eu tenho uma paixão pelos Estados Unidos. Se tivesse que morar em um outro lugar, depois do Nordeste, eu escolheria os Estados Unidos. Porque lá a cultura está em todo o país e não apenas em um estado ou região. Lá o povo já nasce com esses hábitos.


JC - Depois de ter parado de jogar, a senhora foi secretária de Esportes em Bauru. Como foi essa experiência?

Simone - Eu costumo falar que atingi a plenitude da minha vida. Porque consigo tirar vantagem das desgraças. Eu não lamento as derrotas e adversidades, porque eu percebi que todas elas me levaram para frente e para cima. O cargo de secretária era algo que eu almejava muito na minha vida profissional, para fechar meu currículo como desportista, como funcionária antiga e para honrar minha pós-graduação. Mas foi muito frustrante, porque eu entendi como funcionava uma prefeitura, a burocracia, as dificuldades financeiras, o que era prioridade. Por exemplo, eu tinha dificuldade para levar o esporte para a periferia, mas ao mesmo tempo eu via o Carnaval no Sambódromo. Por falta de dinheiro, eu não pude levar para frente os projetos que eu tinha. Essa foi minha grande frustração como secretária. Eu fui muito malhada no jornal por acabar com algumas modalidades de esportes em Bauru. E eu fiz isso porque trabalhei numa administração que não tinha dinheiro para bancar o esporte, por estar pagando dívidas da administração anterior. Passei por momentos de estresse profundo. Foi um alívio quando pude chegar em casa e almoçar sem ter de ficar atendendo telefone e gente batendo na minha porta. Apesar de tudo, foi uma experiência importante. Eu agradeço a quem me deu a oportunidade, porque eu cresci.


JC - Antes de ocupar o cargo de secretária, qual era sua função como servidora municipal?

Simone - Entrei na prefeitura depois de passar no concurso público para escriturária. Com o tempo, fui prestando novos concursos e mudando de função. Me formei assistente social e fui trabalhar numa horta da prefeitura, onde tinha contato diário com 100 crianças carentes. Eu quase morri quando fui para lá. Perdi peso, fiquei depressiva, porque me tiraram do esporte. Com o tempo, fui me apaixonando por aquelas crianças. Depois disso, eu recebi um convite para ir trabalhar na Luso com basquete masculino. Eu aceitei e fui trabalhar com crianças no esporte. E hoje essa é a minha grande realização profissional. Então você vê, tudo que vem na vida da gente é uma lição para novas descobertas.


JC - Tirando o basquete, quais são suas outras paixões?

Simone - Eu gosto muito de cinema, de coisas simples, gosto de ficar sentada na praia, refletindo. Acho que ali é o lugar ideal para um contato com a natureza, com Deus. Eu me identifico muito com a praia. Vou para lá todo ano. É onde eu me refaço para tocar minha vida profissional. Mas o que eu gosto mesmo é da quadra. É ali que eu estou feliz.


JC - E a natação? Nunca mais voltou a praticar?

Simone - A natação fez parte da minha vida durante um ano e meio. Quando decidi pelo basquete, deixei de lado. Eu sou da opinião de que quem faz tudo não faz nada. Você tem de ser bom em alguma coisa para ser lembrado também por aquilo que você fez bem-feito, porque o que faz de ruim todo mundo vai lembrar.



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Perfil

Nome: Simone Aparecida Bighetti

Idade: 51 anos

Nascimento: Bauru

Marido: Jarbas Lúcio Dela Coleta

Filhos: Helen e Paulo

Hobby: Cinema

Time: Phoenix Suns

Música: “Relógio” (Luís Miguel)

Filme: “O Encantador de Cavalos”

Para quem daria nota 10: Madre Teresa de Calcutá

Para quem daria nota 0: ninguém


Fonte: Jornal da Cidade - Bauru

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