terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

Briga boa

MELCHIADES FILHO

Há dez dias, a confederação brasileira enfiou a viola no saco. Os jogadores da Nossa Liga não mais estariam proibidos de servir as seleções, anunciou o presidente Gerasime Bozikis.
Também há dez dias, o técnico Lula Ferreira enfiou a viola no saco. Pediu demissão da Secretaria de Esportes de Ribeirão Preto.
O primeiro disse que fora mal compreendido, que não havia chegado a banir os participantes do campeonato independente.
O segundo, que deixava a política devido aos compromissos do "novo" calendário internacional.
Conversa fiada, claro.
A CBB recorrera várias vezes em público à chantagem para esvaziar os clubes rebeldes. E não há novidade alguma na agenda de competições; ela é fixada com dois anos de antecedência.
Bozikis e Lula corrigiram seus erros porque foram pressionados a fazê-lo, porque o basquete finalmente aprendeu a contestar.
Em 2005, os grandes ídolos resolveram falar, e o presidente da CBB viu-se sozinho dentro do movimento olímpico, destoando dos colegas porque, apesar do recorde de dinheiro do governo, não oferece contrapartidas nem dentro nem fora das quadras.
A virada de ano foi implacável.
Em 2006, Bozikis tomou pito da Justiça, por se negar a reconhecer os times da Nossa Liga, e de quem lhe repassa as verbas, por colocar em risco as chances de o país medalhar (o Pan do Rio vem aí!). Ninguém toleraria outra desculpa esfarrapada para a terceira exclusão seguida da Olimpíada.
Daí o repentino interesse por trabalho da confederação (e de seus paus-mandados).
Em última instância, foi por causa da Nossa Liga que a CBB saiu do torpor e enfim fixou um cronograma de treinos e jogos.
Assim como foi por conta do grito de Oscar, Paula, Hortência, Nenê, Janeth, Marcel etc que saltam do papel para a realidade os Centros de Basquete Integrado, projeto de base acalentado há décadas, e as oficinas de arbitragem.
Por isso erra quem atribui a crise do basquete ao duelo CBB x opositores. (Como erram os que pedem que Bernardinho e Zé Roberto se "entendam". O vôlei ganharia mais se os técnicos lavassem a roupa até o fim. O torcedor, pelo jeito, foi privado de informações. Muita gente até hoje culpa a Mari pelo vexame de Atenas...)
A tal "guerra de vaidades", pelo contrário, pode ser uma solução. É preciso atiçar o fogo _questionar pedágios e politicagens, vasculhar gavetas, fazer cobranças.
O basquete argentino só se ergueu depois que os clubes se revoltaram e sacudiram a poeira escondida sob o tapete. Hoje, celebra títulos continentais em todas as categorias menores, a escalada do número de praticantes e o sucesso da seleção adulta (ouro na Olimpíada e prata no Mundial).
Que sejam, então, abertas as contas da Eletrobrás e da Lei Piva. Que Antonio Carlos Barbosa faça como Lula e renuncie ao cargo público em Bauru para se dedicar à seleção feminina. Que a CBB dê de fato aos clubes a gestão do Nacional. Que os contratos de TV e patrocínio sejam cumpridos com transparência. Mais do que nunca, está na hora do pau.


Fonte: Folha de São Paulo

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