sábado, 5 de março de 2005

Colunas de Alessandro Luchetti

São poucos os sites de basquete no Brasil. Geralmente tem vida efêmera. Por isso, minha surpresa e felicidade ao constatar o sopro de vigor que balança o Basket Brasil. Um dos destaques são as colunas do excelente Alessandro Luchetti, que tomo a liberdade de transcrever.

Infiltração


Chega de saudade (ou os aros são amassados e a caravana passa)


Há diversos motivos que podem levar os fãs do basquete feminino à depressão. O nível do Nacional ficou abaixo da crítica. Até mesmo as finais, que deveriam ser a azeitona da empada, foram um festival de amassadura de aros. Para agravar o estado de melancolia a um ponto em que nem Prozac segura, o time de Americana, um dos mais fortes do país, fechou as portas.

Mas não dá mais para ficar curtindo a nostalgia dos tempos de Hortência e de Paula, nem viver assistindo pela Bandnews às fitas de arquivo do Mundial da Austrália/94, quando fomos tão felizes. Em meio ao quadro desolador, até o mais taciturno, meditabundo, cogitabundo, sorumbático, taciturno e macambúzio...enfim, triste e pensativo torcedor deve dar o braço a torcer: a bola laranja ainda sobe.

A próxima edição do Campeonato Paulista está garantida. Não por bondade ou filantropia, mas por necessidade de assegurar a sobrevida do esporte, o presidente da Federação Paulista, Toni Chakmati, permitiu que se fossem os anéis para poder manter os dedos.

Promoveu uma liqüidação de taxas de arbitragem e representantes para tornar menos onerosa a participação das equipes na competição. Pagando ainda o preço de rebaixar o nível da competição, o cartola ao menos conseguiu atrair o interesse de equipes da A-2, como Marília e Ribeirão Preto, e reuniu oito times dispostos a disputar o campeonato.

Os saudosistas hão de se queixar das air balls, aquelas bolas que sequer tocam o aro, que certamente serão vistas ao longo do campeonato, mas não poderão negar que o basquete paulista ainda dá empregos a treinadores, árbitros e preparadores físicos. O esporte continua dando uma opção de lazer aos torcedores do interior, embora de baixa qualidade e, sobretudo, ainda oferece oportunidade para que muitas atletas possam atuar.

É triste ter de promover equipes da A-2 na marra para viabilizar o campeonato? Certamente que sim. Mas quem há de dizer que não valeu a pena a brecha que permitiu ao time juvenil do BCN participar do Paulista adulto de 2000? Foi nesse ano que apareceu Iziane, maior esperança do basquete feminino hoje. E foi nesses campeonatos de baixo nível técnico, tanto Paulista como Nacional, que apareceram, nos últimos anos, talentos como Micaela, Sil e Ana Flávia.

Foi neste último Festival Nacional da amassadura de aros que Kátia pôde enfim desabrochar. E a pivô de Santo André, que infelizmente pode ter de encerrar a carreira devido a problemas no coração, chegou a ter o melhor aproveitamento de arremessos do Brasil, superando Janeth, e também a melhor performance em rebotes.

Por todos esses motivos, deve-se louvar todas as atitudes capazes de propiciar que a bola continue subindo, mesmo que em direção meio torta. Muitos dirigentes brasileiros merecem um toco, talvez até uma falta antidesportiva. Mas Chakmati, meio no desespero, acertou um arremesso de três, espírita, nos décimos de segundo finais. Parabéns.



Polvo mostra competência


Alessandro Lucchetti

Muitos criticaram, e com razão, quando Lula Ferreira acumulou mais uma função, ao assumir a secretaria de esportes de Ribeirão Preto. Afinal de contas, Lula assumiu o aspecto de um outro molusco ao açambarcar tantos cargos com seus tentáculos. Sobrariam a ele tempo e energia suficientes para executar o hercúleo trabalho de recolocar a seleção brasileira masculina nos Jogos Olímpicos, sendo técnico do Ribeirão Preto/COC, uma das mais importantes equipes do basquete brasileiro, e despachando no gabinete como secretário de uma das mais ricas e importantes cidades do interior paulista?

O homem é organizado e diz que seu gabinete é na verdade uma sala que fica ali pertinho do ginásio da Cava do Bosque, onde o COC costuma treinar, o que torna toda a rotina bastante prática. Mas a resposta à pergunta que tanto perturba os torcedores da seleção só poderá ser dada no próximo Pré-Olímpico, partindo-se do pressuposto de que ele será mantido no cargo até lá, é claro.

Se o desempenho de Lula como técnico ainda está para ser julgado, o fato é que como treinador do COC e secretário ele vai bem, obrigado. O time vai bem no Nacional, com toda a pinta de que brigará com condições de chegar ao título.

Já o secretário Aluísio Elias Xavier Ferreira é um dos responsáveis por uma das boas notícias do basquete feminino: Ribeirão, potência no masculino, será representado no Paulista da A-1 por um time que conquistou o acesso na quadra e conseguiu se reforçar. A secretaria de esportes formalizou convênio com o empresário Wilson Toni, dono do time, e vai se incumbir das despesas com transporte e pagamentos das taxas da Federação Paulista.

Trata-se de um time para lá de modesto, mas a presença de Ribeirão na elite (combalida, mas ainda elite) do basquete feminino paulista é significativa. Toni, segundo nos informa o Jornal A Cidade, de Ribeirão, calcula que não chegará a desembolsar R$ 10 mil mensais com salários, hospedagem e alimentação das meninas.

Os destaques do time são a sobrinha de Maria Helena, Natália (ex-Ourinhos) e duas órfãs da Unimed/Americana: Karen, a irmã de Sílvia Gustavo, e Babi.

Tudo bem que os destaques não são assim conhecidíssimos, mas o importante é que o time será o espelho para a garotada das escolinhas, o que reforça a importância da cidade como pólo formador de atletas.

Cabe ressaltar ainda que, numa prova de que valoriza o projeto, Lula convidou seu auxiliar técnico no COC, Cadum, para gerenciar o time feminino. Trata-se de outro polvo em potencial.

Concluindo: em que pese o provável prejuízo que essa multiplicidade de tarefas de Lula possa acarretar para a seleção, ao menos o homem está trabalhando, coisa que muita gente com importantes cargos no basquete não faz.

A eterna sina dos patrocinadores que dizem não

Alessandro Lucchetti


Foi bom enquanto durou...A Unimed de Americana deixa o time adulto de Paulo Roberto Bassul que, a o que tudo indica, chega ao fim depois de uma história de sucesso iniciada em 2001. A equipe adulta chegou a todas - repito - todas as finais nesse período. A empresa continua apoiando as equipes das categorias de base, o que faz desde 98.

A Unimed cortou 80% da verba aplicada, de R$ 60 mil, e anunciou a pretensão de disputar campeonatos adultos com a equipe juvenil.
A proposta é a mesma que Bassul abraçou em 98 com entusiasmo. Mas o técnico, com razão, não vê sentido em tentar repetir essa trajetória, por não ter mais a perspectiva de trabalhar com um time adulto forte. Já dizia Karl Marx: a história não se repete, salvo como farsa.

Existe a esperança de que algum adversário com poderio comparável ao de Ourinhos surja. O basquete feminino, nas últimas décadas, quase sempre se alimentou desse sistema binário, desde Unimep-Prudentina. Existe a perspectiva de que a incansável técnica Laís Elena enfim encontre um patrocinador para substituir a saudosa Arcor, multinacional argentina das guloseimas.

O basquete feminino não vai acabar. Já provou que tem capacidade para se reinventar, abastecendo-se sobretudo do inesgotável manancial de talentos do interior paulista, que funciona impulsionado por um punhado de empresas que se revezam e pelo investimento das prefeituras. Mas é triste imaginar o potencial desperdiçado e a multiplicidade de talentos pulverizada pela Europa, que poderia tornar felizes tantas torcidas do interior.

Talvez o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, tenha mesmo razão ao afirmar que a solução para o esporte nacional passa pela lei de incentivo fiscal ao esporte. Cabe lembrar que é dinheiro público o alvo do dirigente de coração recauchutado, que poderia ser destinado a necessidades mais urgentes, como saúde, educação e saneamento básico. Mas não dá para continuar atrelando os sonhos de glória do basquete nacional a patrocinadores que dizem não quando conseguem atingir seus objetivos de difusão de marca, targets e todo aquele blablablá nojento que os publicitários adoram.



É só fazer, CBB!

Alessandro Lucchetti


Queixas, lamúrias, lamentações. Nos últimos tempos era praticamente só isso o que se ouvia quando o assunto era basquete feminino, que sofre com a debandada de talentos em massa para o exterior e, em conseqüência, acusou o reflexo desse êxodo na última edição do Campeonato Nacional.

O técnico Paulo Bassul, da Unimed/Americana, e que há algum tempo já deveria ter assumido a seleção brasileira, resolveu romper esse ciclo vicioso. Pediu a colaboração de seus colegas e o resultado foi uma equilibrada e sensata proposta de reformulação do calendário da modalidade.

A idéia é ampliar a duração do Nacional, que seria disputado de outubro a abril do ano seguinte, nos fins de semana. O conceito que ampara a proposta é permitir aos eventuais patrocinadores em outros estados (e eles ainda existem), uma exposição na mídia durante boa parte do ano. O espaço dos estaduais seriam as datas de meio de semana. Bassul bebeu na fonte dos calendários europeus, que reservam os finais de semana à liga européia, deixando espaço para os campeonatos nacionais se desenvolverem de segunda a sexta. O treinador pensa o Brasil como de fato é: um continente.

A proposta tem o mérito de permitir a descentralização da modalidade, que vive basicamente dos esforços de bravas cidades paulistas, como Americana, Ourinhos e Santo André e seus patrocinadores.

Outro ponto importante do projeto é aquele que prevê competições de clubes para o período em que a seleção brasileira estiver treinando. Mais uma vez, acerta em cheio: como a imensa maioria das jogadoras servem a clubes do exterior, não faz sentido parar tudo por causa de duas ou três jogadoras ainda ligadas a times nacionais.

A iniciativa de Bassul foi enriquecida com intensa troca de idéias e sugestões com treinadores de todo o país. As diferenças e a forte rivalidade que se vêem em quadra foram deixadas de lado.

Essa valiosa contribuição à modalidade supre a lacuna deixada pela atual gestão dao Confederação Brasileira de Basquete, que se jacta de ter criado o Nacional, mas vem se omitindo ao não propor mudanças que sustentem e fortaleçam o feminino, carro-chefe da modalidade no país há anos. Cabe à CBB agora apenas receber essa assistência embaixo da cesta e converter os dois pontos. Ou vai insistir em amassar o aro?

Infiltração: Alessandro Lucchetti, 34 anos, é repórter há sete anos. Começou no Lance! e hoje está no Diário de São Paulo. Cobriu os Jogos Olímpicos de Atenas/04.

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