Em julho de 2023, a seleção feminina de basquete conquistou a AmeriCup. Na época, fiz no twitter alguns comentários sobre o que interessava a partir dali: a conquista da vaga olímpica. Como o torneio continental não mais fornece a vaga, o foco deveria estar no Pré-Olímpico.
As três sugestões que mencionei supreendentemente viraram realidade através da Confederação Brasileira de Basquete (CBB): (1) o Brasil se tornou sede de um dos grupos do Pré-Olímpico, (2) houve um período de treinos em Portugal aproveitando a janela da Fedeção Internacional de Basquete (FIBA) e (3) os treinos com as atletas que atuam no Brasil começaram no dia 15 de janeiro, vinte e quatro dias antes da estreia na competição.
Infelizmente, o Pré-Olímpico de Belém se encerrou dissolvendo com amargor essa expectativa construída ao longo de sete meses e o Brasil terminou sem sua vaga olímpica. A última participação olímpica do basquete feminino foi em 2016, quando o país também falhou nas etapas classificatórias, mas foi sede da competição.
Acompanhei a competição em Belém, assisti aos seis jogos que a compuseram e acredito que algumas observações devem ser feitas com o encerramento frustante desse ciclo olímpico.
Reconheço os avanços que a comissão técnica comandada por José Neto trouxe ao basquete feminino. Quando o treinador assumiu, o Brasil havia perdido a vaga no Mundial de 2018 e a hegemonia sul-americana para a Argentina.
O trabalho logo rendeu a conquista dos Jogos Pan-Americanos, em 2019, algo que não acontecia há vinte e oito anos. Em 2023, o grupo conquistou a AmeriCup, o que não acontecia há doze anos e repetiu a conquista do Pan.
Nesse intervalo, no entanto, o grupo fracassou quando atravessou o Atlântico.
Em 2020 foram três derrotas em três jogos no Pré-Olímpico de Bourges. O mesmo enredo se repetiu no Pré-Mundial de Belgrado (Sérvia, 2022) e agora em Belém, totalizando nove derrotas em nove jogos.
A impressão que o conjunto da obra me dá é que infelizmente jogadoras (em sua maioria) e comissão técnica se acomodaram a essa situação. Essa estagnação tem impedido o grupo de reconhecer os erros evidentes, evoluir e voltar a frequentar as competições mundiais.
Especificamente para Belém, as falhas começaram já pela convocação, que trouxe mudanças grandes para a principal competição do ciclo.
Foi feita a opção por um time mais pesado, diferente do que habitualmente vimos nas competições anteriores.
Além da veterana pivô Érika, vivendo seus momentos finais de carreira, a comissão técnica escolheu mais seis outras jogadoras que em geral atuam nas posições 4 ou 5: Kamilla, Damiris, Stephanie, Licinara, Sassá e Vitória.
Embora algumas delas possam atuar na posição 3, a maioria não faz isso regularmente em seus clubes e não fez nas competições anteriores em que atuaram pela seleção. Nas convocações anteriores inclusive muitas vezes uma ala 3 (como Nany, Thayná Silva ou Rapha Monteiro) atuou nas rotações da posição 4.
Essa mudança de perfil deixou estranguladas as opções no perímetro. Parecia estranho também levar apenas uma armadora de ofício (a onipresente Débora). Mesmo reconhecendo as virtudes que fizeram Cacá ganhar uma vaga no time, era impossível ignorar que ela atua na posição 2 e não teria as características ideais para ser a reserva imediata de Débora.
Com tão poucas opções, a comissão técnica pareceu também não se preocupar com as condições de Tainá Paixão, jogadora referência no ciclo, mas que viria de temporada improdutiva na Rússia.
Essa convocação estranha deixou em quadra o cobertor de Neto ainda mais curto e as intervenções propostas deixaram o time nu de vez: uma seleção com as fragilidades expostas e atacadas da mesma forma pelos três adversários. Austrália, Sérvia e Alemanha fecharam o garrafão em cima de Kamilla, a nossa joia, e o Brasil respondeu na maior parte do tempo com uma absoluta incapacidade de criar outras formas de atacar a cesta que não por arremessos de três. Os 24% de aproveitamento nessa bola foram um dos pilares do fracasso.
Pesou também o ruim aproveitamento de lances-lives (69%), outro problema crônico da seleção, que repetiu o aproveitamento da Americup.
Na estreia contra a Austrália, faltaram inteligência emocional e de jogo ao Brasil para sair com a vitória. Permitir uma falha de placar em casa diante de uma comissão técnica tão numerosa é imperdoável e uma sinalização evidente de que o trabalho de cada um precisa passar por uma análise mais humilde.
Mas o Brasil contava aquele jogo como uma derrota, né? Assim como nas edições anteriores, a impressão que dá é que o Brasil entra para ganhar um jogo. Precisávamos ganhar de Porto Rico ali, da Coreia acolá e agora da Alemanha. Acabamos falhando nas três missões.
Com a derrota da Sérvia para a Alemanha na abertura do torneio, o Brasil passou então a querer ganhar da Sérvia. A virtual vitória daria a vaga ao Brasil, mas aparentemente o time não se preparou para isso e ignorou que grande parte da resiliência sérvia vinha da armadora Yvonne Anderson. Depois de abrir 10-0 e deixar o Mangueirinho em brasas, após um tempo técnico de Marina Maljikovic o Brasil permitiu uma virada de 10-23 ao fim do primeiro quarto. Ao iniciar o segundo quarto já se via no rosto das brasileiras o medo de outras jornadas. Umas de nossas protagonistas estava visivelmente assustada. No jogo, o Brasil permitiu trinta pontos à armadora Anderson. Nas declarações pós-jogo, são de praxe elogios ao talento da "imarcável" rival. Mas é preciso humildemente reconhecer que tanto Sandy Brondello como Lisa Thomaidis conseguiram soluções mais eficazes nos respectivos duelos. Quando viu a derrota se aproximando, o Brasil se despreocupou do regulamento da competição, permitindo mais pontos à Sérvia e dificultando a sua missão para a partida final.
A partida final foi mais do mesmo. Nervoso, o Brasil começou jogando mal e uma série de escolhas equivocadas resultou na derrota. O retorno de Kamilla nos segundos finais do segundo quarto, quando acabou cometendo sua terceira falta foi um erro lamentável. A pivô acabaria eliminada nos momentos decisivos da partida. Com a obrigação de vencer por oito pontos e o relógio contra si, o Brasil se desacertou de vez e novamente faltaram orientações e inteligência para lidar com a última oportunidade: um empate para buscar a diferença em um prorrogação. Nesse jogo, foram tentadas formações até então não experimentadas: três pequenas juntas (Débora, Tainá e Cacá) e depois três pivôs (Stephanie, Damiris, Kamilla), que pareceram ter chegado tarde demais. Ineficazes foram também trocas entre as duplas Érika e Sassá para a defesa e Damiris e Kamilla para o ataque.
De maneira geral, achei a movimentação ofensiva muito pobre, com Damiris recebendo a bola na cabeça do garrafão tentando um arremesso de três ou um passe para Kamilla. A movimentação das alas (Tainá e Leila) foi abaixo da crítica, com raras tentativas de infiltração.
O talento de Damiris foi reduzido aos chutes de três e a fadeaways próximos a cesta em geral em situação bastante desfavorável. Parecem não terem sido desenhadas ou treinadas jogadas para ela.
O jogo interno, que parecia ser nossa força, teve pouca atenção. Stepanhie é uma jogadora extremamente talentosa e inteligente, mas visivelmente fez um esforço para colaborar, já que está em fase final de recuperação de uma grave lesão e sem ritmo de jogo. Ainda assim, os seus índices plus/minus fazem pensar que poderia ter sido mais usada.
Por mais que seja uma estreante em competições maiores, me estranha o fato de Licinara não ter sido utilizada, ainda mais diante da improdutividade de Érika em sua despedida. Se Licinara não tinha condições de jogo, uma outra ala ou armadora não seria uma escolha melhor? Tenho impressão que mesmo que fora da forma que exibiu na LBF, a jovem poderia ser útil por ter um bom arremesso de média distância.
Também Sassá parece ter sido sub-utilizada, por mais que reconheça que sua improdutividade no ataque (assim como a de Ramona) seja por vezes limitante.
Acredito que esses problemas precisam ser reconhecidos e atacados por atletas e comissão técnica com maior assertividade.
Algumas pessoas argumentam que o nível que o Brasil ocupa seria esse mesmo: o de no máximo uma potência regional, em razão de seus poucos investimentos, do nível do seu elenco e da sua liga local.
Eu discordo. Acredito que o nível técnico do basquete feminino mundial é baixo no momento e as festejadas e classificadas Austrália, Sérvia e Alemanha mostram isso. São seleções equilibradas e bem-treinadas, mas sem excepcionalidades.
Para fazer parte desse time, o Brasil precisa jogar com esse nível de coesão e equilíbrio. Jogadoras precisam se apresentar mais atléticas e mais atentas ao jogo e a sua leitura, mostrando capacidade de lidar com coisas básicas, como o cronômetro. Por que ficar parada batendo bola se faltam segundos para o cronômetro zerar? Porque cometer uma falta quando o adversário está vendo seu tempo de bola zerar?
Quando o Brasil repete esse fracasso e não se classifica novamente para as Olimpíadas, essa já debilitada estrutura da modalidade claudica ainda mais. Ao ficar fora das Olimpíadas, garantimos menos patrocínios, menos exposição, menos público e ficamos ainda mais privados de intercâmbio.
Mal se encerrou a competição em Belém, a FIBA divulgou um sistema bastante confuso e redundante para a classificação para o próximo Mundial (2026, Alemanha). Esse classificatório coloca na verdade em prática a ideia de um Mundial B, no qual os quatro barrados no baile olímpico (Brasil, Hungria, Nova Zelândia e Senegal) se reunem com outras doze seleções que fracassaram nos classificatórios pré-olímpicos regionais. A disputa vale duas vagas diretas para o Pré-Mundial.
Essa competição já acontece em agosto, de modo que se há um plano para que o Brasil volte ao cenário mundial, ele precisa ser executado. Não há muito tempo para elocubrações, caça às bruxas ou a elaboração de um plano mágico.
O sino tocou em Belém e é preciso, mesmo envaidecidos(as) pelas conquistas, reconhecer humidelmente as falhas cometidas e trabalhar para que elas não continuem a acontecer e nos custem uma década de ausência das competições internacionais.