Em agosto de 1991 a seleção feminina conquistou o título dos Jogos Pan Americanos em Havana. Esse imortalizado triunfo abria a porta para uma série de feitos do basquete feminino brasileiro, como a conquista da vaga olímpica, o título mundial e as duas medalhas olímpicas.
Vinte e quadro anos depois, num mesmo mês de agosto o cenário é desolador. Às vésperas de uma Olimpíada em casa, a participação medíocre em duas competições (Jogos Pan-Americanos e Copa América) parecem, assimo como em 1991, delimitar um marco na história da modalidade. Mas dessa vez da derrocada, da extinção, do retorno ao mais prosaico amadorismo. O precipício se aproxima e meu amado basquete feminino parece pronto pra ser engolido.
Decidi gastar algumas palavras nesse momento aos personagens mais ilustres dessa crise.
(1) A Confederação Brasileira de Basquete (CBB)
Passei os anos de maior atividade desse blog gritando e protestando contra a péssima gestão de Gerasime Bozikis, o Grego.
O que dizer sobre a atual, de Carlos Nunes?
O que de efetivo e benéfico esse senhor e seus ilustres companheiros trouxeram ao basquete feminino?
As preparações para as competições das seleções de base e adulta estão cada vez mais curtas e improvisadas.
Mesmo que talentos insistentes surjam em brotar e nos comovam em conquistas suadas como bronze do Mundial sub-19 (em 2011), da prata da Copa América Sub-16 (em 2015) ou mesmo no potencial da atrapalhada campanha da sub-19 no Mundial desse ano, não existe um plano de proteção, trabalho ou resgate desses talentos. Não existe uma filosofia, um projeto de formação. Não existe nada.
A gestão atual da CBB parece ter acentuado a misoginia da anterior, ao vender literalmente até as calças para investir em uma boa geração masculina e em um excelente treinador (Magnano).
Ao feminino, as migalhas de sempre.
(2) O técnico Zanon
Ao assumir a seleção feminina, Zanon jurou amor eterno, dedicação integral, falou em “procurar os técnicos do feminino” e jurou tudo pela renovação.
O cenário mudou rapidamente.
Não se sabe se por questões pessoais ou se pelos problemas financeiros e gerenciais da CBB, Zanon continua se portando com a mesma ousadia do começo no discurso, mas na prática parece bem mais cansado e menos capaz.
O treinador é ausência certa nas competições nacionais do feminino e competições de base. Alguma competição internacional acompanhada? Se ele procurou algum técnico do feminino, ninguém nunca ficou sabendo. Sua energia parece bem mais direcionada ao time masculino que treina, onde parece mais motivado e feliz.
Ao longo desses anos, mesmo mantendo uma base o treinador não conseguiu mostrar evolução alguma. O time, pelo contrário, parece ter atingido sua pior fase nessa temporada, com quatro derrotas vergonhosas: duas para o Canadá e duas (inaceitáveis) para a Argentina.
Apesar das deficiências das jogadoras, Zanon tem levado o time a praticar um basquete que expõe mais grosseiramente suas fragilidades.
As decisões do treinador parecem surgir de rompantes desconectados da realidade, como a convocação de Izabela Nicoletti e a decisão do time titular.
Alguma vez Zanon fez algo que pudesse surpreender algum adversário?
Seja contra os Estados Unidos ou as Ilhas Virgens, lá está o time marcando aquela defesinha zona passiva…
Uma outra coisa é que naturalmente Zanon não estava pronto quando foi chamado à seleção. Mas havia uma esperança (tola) de que além de contruir o time, ele se construisse também. Não foi isso que aconteceu. O horizonte e o conhecimento do treinador sobre o feminino seguem estreitos, considerando o Canadá o umbigo do universo, mostrando um flagrante desconhecimento dos adversários e de suas atletas, ignorando as possibilidades de convocação de atletas da WNBA, insistindo em quem não produz, teimando em jogar com quatro jogadoras abertas e conseguindo ser expulso numa semifinal de Copa América.
Zanon chega naturalmente desgastado ao final desse ciclo e o cenário é pouco animador para o ano olímpico.
(3) A LBF e seus clubes
Se a seleção passa vergonha, os clubes agonizam.
A chegada da LBF, apesar de ter atraído atenção de algumas novas praças, não conseguiu mudar significativamente a modalidade por aqui.
Tenho a impressão até que tem piorado o nível.
Explico.
Acompanhando o que aconteceu com outros esportes (o vôlei, por exemplo), a chegada da liga enfraqueceu a principal competição anterior (o Paulista, em ambos os casos).
No basquete feminino, no entanto, a LBF ainda não supriu esse buraco na agenda. Continua sendo um torneio curto e para o qual os clubes se montam na véspera a toque de caixa.
Assim, o período de treinamento e o número de jogos por ano foram reduzidos.
Os poucos clubes que mantém jogadoras o ano todo (como o América, por exemplo) passam a maior parte do ano treinando apenas ou disputando torneios amadores. Que tipo de evolução pode vir disso?
A liga precisa urgentemente definir e ampliar seu calendário, proteger suas atletas e dar início ao projeto de uma versão sub-21.
(3) As jogadoras
Antes que me joguem as pedras, informo que é evidente que as coitadas das jogadoras pagam o preço da inércia da CBB, dos equívocos dos seus treinadores e das fragilidades do mercado de trabalho, mas ainda assim devem ser criticadas e cobradas.
> Comportamento e Emocional
Grande parte dos péssimos resultados nos último anos eu creditei parcialmente ao despreparo emocional de nossas atletas. Era ansiedade na estréia, na semifinal, na decisão… Tudo era motivo para a casa cair.
Esse tenebroso agosto veio mostrar que eu estava errado, pois mesmo numa competição que não valia nada, os nervos e a motivação nunca estavam no lugar certo.
Assim, sem citar nomes do nosso lado, eu vou ilustrar com o comportamento de um time adversário.
Pan-Americano, jogo 1: Brasil X Estados Unidos. Em um dos primeiros lances do jogo, Breanna Stewart, a próxima rainha da cocada branca do basquete americano se contundiu. Dois minutos depois, ela voltava à quadra e jogou com vontade e dedicação invejáveis.
Jogo da medalha de ouro do mesmo Pan-Americano: Canadá x Estados Unidos. A endiabrada armadora Moriah Jefferson foi a lesionada da vez. Mancando ela voltou à quadra e jogou entregue ao time e à camisa do seu país.
Me perdoem os envolvidos, mas eu não vejo isso na seleção brasileira. Ponto.
> As armadoras
A posição foi a mais criticada na temporada e o cenário é de real pânico.
Tainá, a preferida do treinador, acusou uma evidente involução nessa temporada. Depois de uma espantosa evolução ao treinar com Cristiano Cedra e Lisdeivi em Ourinhos, a menina retrocedeu nas mãos de Dornelas e voltou a lembrar seus piores momentos em São José, sambando na cabeça do garrafão sem dar um destino à bola e ao jogo. Eu só me pergunto o que esperar para o ano que vem quando as candidatas à armação no Rio 2016 estarão todas no mesmo time (Adrianinha, Débora e Tainá)?
A reserva Débora vinha de uma ótima LBF, tem melhor visão de jogo e marca melhor que a titular, mas também não foi bem. É uma jogadora que parece sempre estar jogando nervosa e aflita na seleção, pecando nos arremessos e dependendo de encaixar uma boa sequência para enfim respirar e jogar em plenas condições.
Testada no Pan, Cacá é, na minha visão, mais frágil tecnicamente do que as duas. Mas emocionalmente é melhor resolvida, se intimida menos e, por isso, consegue às vezes produzir mais.
Nas caixas de comentários, são constantes os chamados pela controversa Joice Rodrigues. Tenho minhas dúvidas sobre o assunto, mas tenho certeza de que um chá de Joice Rodrigues que fornecesse um pouco da sua coragem e determinação faria muito bem a Débora e Tainá.
Testada também, Tássia foi a que deixou sabor mais amargo. Embora tecnicamente capaz, a impressão é que a menina acusa ainda uma certa inaptidão física, como aconteceu na última LBF e em quadra pela seleção, quando em alguns momentos aparenta estar se poupando.
Achei despropositada a convocação da brilhante Izabela Nicoletti e não vou comentar.
> As alas
O cenário aqui também é sofrível.
Zanon trabalha basicamente com o mesmo grupo.
Estiveram ausentes Tatiane e Joice Coelho por contusão.
A mais experimentada, Jaqueline, é uma jogadora muito irregular e que quando se destaca é porque engatilha uma sequência de arremessos de longa distância. Mas fora esses momentos de luz, é uma jogadora que pouco aparece.
Também dos (raros) momentos de luz depende a bela Paty. Depois de um jogo fenomenal (como o contra os Estados Unidos), inevitavelmente a ala hiberna e não produz nada por uma longa sequência de jogos.
Além disso, tanto Jaque como Paty defendem muito mal.
Ramona me deixa bem confuso com uma mistura explosiva de talento e deficiências. Não poderia haver dentro dos rasos limites da comissão técnica uma programação para melhorar esses problemas? Exemplo: não seria possível elaborar um programa de treinos com um integrante da comissão técnica do time de Ramona para melhorar seu domínio de bola?
Outra promessa, a ala Sangalli ainda acusa as dificuldades na transição para o adulto.
>> O retorno que deu certo: Iziane
Longe da melhor forma física e dos momentos áureos na WNBA, Iziane mostrou que tecnicamente habita em outra galáxia em relação as suas colegas de posição. E que apesar de todos os pesares, ainda pode ser útil à seleção.
> As pivôs
A posição estava bem enfraquecida pela presença de três atletas na WNBA. Mas o saldo final da temporada foi bastante divergente, na minha opinião, para as jogadoras.
No barco que afogou, salvaram-se dois nomes: Nádia e Gil.
A execrada Nádia conseguiu jogar melhor na Copa América. É evidente que estava em confortável vantagem física frente a maioria de suas adversárias. Ainda assim conseguiu produzir mais que sua antecessora (Kelly), o que já é considerável.
A subestimada Gil foi a segunda sobrevivente, embora em geral tenha tido seu bom momento solenemente ignorado pelo treinador (especialmente no Pan). É jogadora que atua com disposição e coragem um pouco acima da média. Acomodada no banco de Americana nos últimos anos em função da fase maravilhosa de outro exemplar da sua linhagem (Clarissa), Gil usou esses dois ingredientes para fazer faísca na seleção.
Karina Jacob já não havia rendido bem na convocação anterior, mas ainda assim voltou ao time após uma fraca atuação na LBF. Não entendi a insistência.
Testada no Pan, Fabiana Caetano voltou a apresentar seus problemas de mobilidade, agravados pelo estilo de jogo “desvairado” da seleção.
>> O retorno que não deu certo: Kelly
Cantado em verso e prosa, o retorno e a boa forma da pivô foram a maior decepção da temporada.
A participação da pivô foi extremamente pálida, com uma absoluta falta de insiparação nos arremessos.
> O futuro que apavora
Embora se contem com os retornos de Érika, Clarissa, Damiris e Adrianinha para as Olimpíadas, com a esperança de evolução/recuperação de atletas relacionadas até aqui ou não, com um treinamento decente para a competição seja sob o comando de Zanon ou outro treinador, são nítidos os sinais de esgotamento da modalidade e a necessidade de uma reconstrução profunda.
Quase nada aponta nesse sentido.
A Confederação seguirá nas mãos do mesmo grupo, endividada e focada no masculino.
Há um desinteresse enorme do público e da mídia no basquete feminino, e consequentemente pouca cobrança.
O treinador Zanon se soma a outros quatro que falharam em concretizar seus planos na seleção brasileira.
As jogadoras seguirão sem outra coisa com o que poder se preocupar que não a sobrevivência.
E assim segue o basquete feminino em grotesca decadência.